Acórdão nº 08S237 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Abril de 2008
Magistrado Responsável | PINTO HESPANHOL |
Data da Resolução | 23 de Abril de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.
Em 8 de Junho de 2004, no Tribunal do Trabalho do Porto (2.º Juízo), AA instaurou acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra A BB - COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., e CC - EMPRESA DE SEGURANÇA, S. A., pedindo a condenação das rés nos termos que se passam, de imediato, a enunciar: Relativamente à CC: - Seja a ré condenada a reconhecer: (a) Que na noite do dia 9 para o dia 10 de Janeiro de 2003, agentes seus, obedecendo a ordens superiores, não deixaram que o autor iniciasse o serviço normal para que tinha sido escalado, fazendo-o conduzir ao escritório da empresa conhecido por «Central»; aí chegado, o autor foi encerrado num reduzido cubículo, dotado com uma simples mesa e cadeira, onde foi obrigado a permanecer durante cerca de 7 horas para ser presente na manhã do dia 10 a um interrogatório levado a cabo por superior; (b) Que a permanência insólita, injustificada e contra a vontade do autor nesse cubículo, agravada pelo facto de ser noite e lugar solitário, mantida por um agente da ré aí junto, foi suficiente para provocar no autor um estado de forte tensão; (c) Que tal estado de tensão perdurou e gerou no autor distúrbios psíquicos e fisiológicos que determinaram a sua ida, no dia 14 de Janeiro de 2003, ao Hospital de Santo António, a fim de ser assistido; (d) Que os factos anteriores foram determinantes na eclosão de um derrame, em 5 de Fevereiro de 2003, em razão do qual o autor foi assistido no Hospital de S. João no Porto; (e) Que, em resultado desse derrame, o autor ficou com sequelas, designadamente dificuldades de visão, audição, abaixamento do nível de memória e afectado psiquicamente, conforme relatórios médicos juntos ao processo, cujo teor se dá como reproduzido; - Seja a ré condenada: (f) A indemnizar o autor por danos não patrimoniais em montante não inferior a € 5.000.
Relativamente à BB e à CC: - Sejam as rés condenadas: (g) A indemnizarem o autor da incapacidade que lhe for determinada, bem como das despesas feitas no montante de € 2.396,56 e das diferenças salariais de que em consequência ficou privado; (h) Nos juros de mora, desde a citação sobre as quantias em dívida até integral pagamento, além do mais legal.
O autor requereu também exame por junta médica para determinação da sua incapacidade, apresentando os pertinentes quesitos.
A empregadora contestou, alegando que, pese embora o autor tivesse sido transportado aos seus escritórios, em 10 de Janeiro de 2003, não foi aí sequestrado ou enclausurado, ameaçado ou submetido a qualquer interrogatório, tendo a sua doença sido clinicamente classificada como doença natural, não existindo qualquer acidente de trabalho com produção de danos indemnizáveis.
Por sua vez, a seguradora contestou, sustentando que a situação descrita pelo autor na petição inicial não caracteriza um acidente de trabalho por ausência de um acontecimento externo que pela sua subitaneidade e imprevisibilidade tenha desencadeado lesões físicas ou psíquicas ao autor e que não existe nexo causal entre tal situação e o trabalho prestado, nem entre o evento e a lesão invocada pelo autor.
Foi proferido despacho saneador, desdobrando-se o processo para realização de exame por junta médica, em cujo apenso se fixou ao sinistrado a IPP de 22,656%.
Na audiência de julgamento, o autor requereu o seu próprio depoimento, o que foi indeferido, pelo que interpôs recurso de agravo dessa decisão.
Realizado o julgamento, proferiu-se sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu as rés dos pedidos contra elas deduzidos.
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Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, vindo posteriormente informar que mantinha interesse na apreciação do recurso de agravo, tendo a Relação do Porto decidido «negar provimento aos recursos de agravo e de apelação e manter as decisões impugnadas», sendo contra esta decisão que o autor se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo das seguintes conclusões: «1ª O autor dá aqui como reproduzidas as conclusões do recurso de agravo interposto para o tribunal recorrido, as quais, sempre em seu modesto entendimento, merecem ponderação e a solução de direito, se se reconhecer que as condições em que esteve enclausurado o autor devem ser mais completamente averiguadas; o tribunal, em face das circunstâncias concretas, acolheu uma situação de manifesta desigualdade, na medida em que ouviu os algozes e não aceitou a audição da vítima.
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Na sequência dos factos narrados na petição, provados em parte, o autor sofreu um conjunto de distúrbios emocionais e psíquicos, que o levaram a entrar de imediato em situação de baixa médica, e o levou a seguir à urgência do Hospital de Santo António (14-01-2003), onde lhe foi diagnosticada uma enorme tensão e ansiedade aliada a um estado de insónia desde o referido evento; passados alguns dias (5-02-2003), o autor foi acometido de uma paralisia facial periférica do lado esquerdo, do que resultou o desvio da comissura labial (boca ao lado) e problemas de visão, passando a receber tratamentos no Hospital de S. João; também sobrevêm entretanto queixas de audição, comprovadas nos autos; verificaram-se sequelas quase imediatas do foro psiquiátrico, passando a ser acompanhado por um médico psiquiatra do Hospital de S. João, que lhe reconhece distúrbios psíquicos irreversíveis.
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Devendo o evento traumático considerar-se ocorrido no local de trabalho e no tempo de trabalho, há que, em face dos princípios da lei civil e Lei 100/97, verificar se pode ter-se como estabelecido o nexo causal entre o evento, melhor dito facto danoso, e as sequelas; se se considerar que o evento não é de todo indiferente às sequelas e que elas ocorreram num quadro de distúrbios emocionais seguidos ao evento, parece dever ter-se por assente, juridicamente, o nexo causal.
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É do conhecimento geral que a vivência de uma forte tensão e ansiedade, mais ou menos prolongada, é adequada a produzir distúrbios funcionais; tais distúrbios podem ser mais ou menos graves, conforme a natureza da causa e da pessoa.
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Não podendo, pois, concluir-se que o facto traumático não podia deixar de constituir a causa das sequelas do autor, tendo em conta a sua natureza e a das sequelas constatadas, deve ter-se por reconhecido o nexo causal.
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Acresce ainda que, no caso específico dos acidentes de trabalho, vigora a regra que estabelece a presunção do nexo causal, entre o facto e as sequelas, se estas advierem logo a seguir ao evento. Ora deve ser reconhecida imediação ou sucessão sem ruptura entre o facto traumático e as sequelas, evidenciada e comprovada documentalmente nos autos, sempre e na medida em que elas ocorreram, sequencialmente, dentro do quadro de distúrbios de que logo passou a sofrer o autor. Salvo todo o respeito, as instâncias, também quanto à sucessão e imediação, não subsumiram correctamente os factos à norma legal.
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Para arredar a existência de tal nexo, competia a qualquer das rés, a prova de que o facto considerado traumático era de todo em todo indiferente à produção das sequelas constatadas, o que não aconteceu, ou a demonstração, através de factos, de que a imediação dos distúrbios funcionais não existe - art.º 342-2 CC.
Não podendo ter-se como feita esta demonstração, e estando ao invés feita a demonstração de que as perturbações de que resultam as sequelas foram imediatas, há que ter como verificado o nexo causal.
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[O] recorrente entende estarem seguramente verificados todos os requisitos para que exista um acidente e ele seja qualificado como de trabalho.
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O entendimento das instâncias é bastante redutor e restrito no seu âmbito, e, a ser acolhido, deixará de fora, inconsideradamente, casos que o espírito da lei contempla.
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Mostram-se violadas as disposições enunciadas no corpo das alegações, designadamente as constantes dos art.º 6.º, n.os 1 e 5, da Lei n.º 100/97, de 13-09, art.º 6.º, n.º 1, do DL 143/99, de 30-04, art.os 563.º, 350.º, n.º 1, 342.º, n.º 2, do CC, de acordo com o sentido e interpretação dados.» Termina referindo que «deve ser revogada a aliás douta decisão recorrida e reconhecer-se que se verificam os requisitos legais para a qualificação das sequelas do autor como acidente de trabalho».
As rés contra-alegaram, defendendo a confirmação do julgado.
Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta deduziu a questão prévia da inadmissibilidade do recurso relativamente à questão suscitada de natureza adjectiva (depoimento de parte) e, quanto ao mais, pronunciou-se no sentido de que a revista devia ser negada, parecer que, notificado às partes, motivou resposta do autor para discordar daquela posição.
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No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar: - Se é admissível o depoimento de parte requerido pelo autor (conclusão 1.ª da alegação do recurso de revista); - Se o evento invocado pelo autor configura um acidente de trabalho e dá direito à correspondente reparação (conclusões 2.ª a 10.ª da alegação do recurso de revista).
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II 1.
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