Acórdão nº 1786/2008-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Abril de 2008
Magistrado Responsável | ABRANTES GERALDES |
Data da Resolução | 08 de Abril de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
D..., Ldª, propôs a presente acção declarativa com processo ordinário contra C...e M...pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 68.536,49, acrescida de juros de mora à taxa de 12% até integral pagamento.
Alegou que em Setembro de 1999 encetou negociações com o R. C... com vista ao arrendamento de uma fracção, tendo sido acordada uma renda mensal de PTE 150.000$00 durante os primeiros 6 meses do contrato, subindo para PTE 250.000$00 a partir do início do 7º mês.
No início de Novembro de 2000 o R. exigiu um aumento de renda para PTE 350.000$00, alegando que o mesmo estava previsto no contrato-promessa cuja minuta apresentou à A., sustentando a posição de que só celebrava o contrato de arrendamento mediante a fixação da renda de PTE 350.000$00.
Face à falta de acordo e tendo em conta que o aumento de renda se tornou insustentável, a A. deixou de pagar a renda em Dezembro de 2000, tendo sido obrigada a encerrar a sua actividade.
Na altura do encerramento ainda lhe faltava pagar várias prestações do material instalado no estabelecimento, no valor de € 5.005,61 (PTE 1.003.535$00), tendo sido interpelada para pagar uma cláusula penal no âmbito de um contrato de fornecimento de cafés. Deixou ainda de auferir um lucro de € 10.000.
Logo após o acordo verbal celebrado, o R. C... autorizou a A. a fazer obras no local, no que gastou € 29.976,87, tendo a A. direito de ser indemnizada das benfeitorias necessárias e das úteis não removíveis sem detrimento do locado.
Os RR. contestaram alegando que foi acordado que a renda seria aumentada para PTE 350.00000 mensais a partir de 1-1-01.
O encerramento da actividade deve-se ao facto de a A. não ter tido nela sucesso.
As obras que a A. fez na fracção tinham por finalidade adaptar a fracção à actividade a que a pretendia destinar.
Em reconvenção pede a condenação da A. no pagamento das quantias correspondentes aos meses em que ocupou a fracção sem nada pagar.
A A. replicou.
No decurso do julgamento os RR. interpuseram recurso de agravo de um despacho judicial (fls. 255), mas nas contra-alegações da apelação vieram expressamente declarar, nos termos do art. 748º do CPC, que não mantêm interesse em tal agravo.
Foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e parcialmente procedente a reconvenção, condenando a A. no pagamento da quantia de € 9.352,46 e juros desde a citação (fls. 316).
Apelou a A. e concluiu que:
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Antes das obras o locado não tinha condições para o desenvolvimento de qualquer actividade que não fosse o armazenamento de bens e, após as obras, ficou dotado de condições a nele ser instalada qualquer actividade.
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Os RR. arrendaram o locado para actividade diferente da exercida pela A., conforme cópia do contrato de arrendamento junto pelos RR. aos autos em 30-3-05.
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Deveria o tribunal a quo ter julgado que a totalidade das obras realizadas assumiram a natureza de benfeitorias úteis, uma vez que valorizaram a coisa locada, ou benfeitorias necessárias, porque contribuíram para preservar e conservar o locado, que antes apenas tinha condições para armazém.
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As benfeitorias realizadas não podem deixar de se considerar como obras que serviram o propósito da conservação e preservação do locado e que aumentaram o valor do locado, que antes apenas tinha utilidade como armazém de materiais e bens.
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O locado foi dotado pela apelante de condições a nele ser instalado qualquer actividade, o que implica necessariamente a sua natureza de benfeitorias úteis.
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Deve considerar-se que as benfeitorias realizadas pela apelante tiveram como resultado a preservação, conservação e valorização do locado, o que implica a sua natureza de úteis ou necessárias, nos termos do art. 216° do CC, conjugado com o art. 1273°.
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A apelante retirou do locado as benfeitorias que conseguiu e cuja retirada foi possível sem que causasse a deterioração ou destruição do locado.
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Pelas benfeitorias cuja retirada iria provocar destruição ou deterioração do locado possível retirar do locado e que constituem benfeitorias necessárias e úteis, deveria a apelante ter sido indemnizada nos termos previstos e aplicáveis pelos arts. 1273°, nºs 1 e 2, 472° e 479° do CC.
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Na sentença recorrida julgou-se que, não tendo a apelante demonstrado nos autos o valor que as benfeitorias trouxeram ao património dos RR., era improcedente o pedido de indemnização formulado pela apelante.
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Todas as benfeitorias realizadas pela apelante são indemnizáveis (nos termos das regras do enriquecimento sem causa) e o valor da indemnização deveria ter sido fixado no valor despendido pela apelante com a realização de tais benfeitorias.
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O valor do empobrecimento da apelante corresponde ao custo das benfeitorias realizadas no locado dos RR. de € 29.976,87.
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Não se tendo provado nos autos a valorização que o património dos RR. sofreu, deve considerar-se, para avaliar o enriquecimento sem causa dos RR. quanto às benfeitorias úteis ou necessárias não levantadas do locado o custo das obras/benfeitorias realizadas pela Apelante que corresponde ao seu efectivo empobrecimento.
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Segundo as regras do enriquecimento sem causa, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível o valor correspondente.
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Deve julgar-se que o valor do empobrecimento da apelante corresponde ao valor do custo de realização das benfeitorias úteis e necessárias provadas.
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Deveria o tribunal a quo ter julgado procedente o pedido de indemnização formulado pela apelante, de € 29.967,87 correspondente ao valor do empobrecimento da apelante e, por via do art. 479°, n° 1, do CC, àquilo que os RR obtiverem à sua custa, sem causa.
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A apelante fez prova que o R. exigiu à A. o pagamento da quantia de PTE 350.000$00 mensais a título de renda a partir de Janeiro de 2001 e que o aumento da renda era condição sine qua non para a celebração do contrato de arrendamento.
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Da análise dos factos provados sob os n°s 13 a 15 resulta que o R. veio unilateralmente exigir um aumento do valor pago pela apelante pela utilização do locado de PTE 250.000$00 para PTE 350.000$00 e que o pagamento deste aumento a partir de 1-1-01 era condição imprescindível imposta pelo R. para a celebração do contrato de arrendamento que a apelante vinha pedindo fosse formalizado.
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Por via da conduta do R., a apelante veio a abandonar o locado em 13-1-01 e foi forçada a indemnizar ou compensar fornecedores, tais como o BPI e a Manuel Nabeiro, Ldª.
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Os RR. actuaram com culpa ao exigirem um aumento de renda, anormal, não acordado e como condição sine qua non para a celebração do arrendamento, tendo com tal facto forçado a apelante a abandonar o locado.
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Deveria o tribunal a quo ter julgado que foi por culpa dos RR. que o contrato não foi reduzido a escrito, tendo quebrado a confiança, o acordado e a expectativa que a apelante tinha na redução a escrito do contrato de arrendamento.
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Nos termos dos arts. 483°, n° 1, e 227° do CC, o comportamento dos RR é ilícito e reprovável merecedor de censura e devida sanção na medida dos danos causados à apelante, causa consequente do comportamento dos RR.
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A sentença recorrida julgou pela procedência parcial da reconvenção, condenando a apelante a pagar aos RR o valor de € 9.352,46, acrescido de juros legais, a título de indemnização pela utilização do locado dos RR.
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Não tendo sido reconhecida a existência de um arrendamento, o valor devido pela utilização da fracção deve ser apurado pelo tribunal recorrendo a critérios de determinação do valor de tal utilização.
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O tribunal a quo limitou-se a apurar um determinado valor de € 9.352,46, sem explicar os critérios utilizados na determinação de tal valor e sem que os RR tivessem alegado ou provado o valor que a dita utilização teria.
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Não poderia o tribunal a quo ter condenado a apelante a pagar uma indemnização aos RR. pela utilização do locado, uma vez que aquela detinha direito de retenção sobre o mesmo, nos termos do art. 754° do CC.
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O crédito de que a apelante dispõe resulta de despesas feitas por causa da fracção e que são as benfeitorias provadas nos autos e pelo valor provado de € 29.967,87.
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Tendo a apelante a obrigação de entregar a fracção aos RR. e dispondo a apelante de um crédito sobre aqueles, derivado de despesas feitas com a fracção foi lícito à apelante recusar a entrega da coisa enquanto o pagamento de tal crédito não seja satisfeito, a apelante exerceu nos termos legais o seu direito de retenção sobre a fracção, recusando a sua entrega até Julho de 2001.
bb) Não há mora da apelante na entrega da fracção, atento o exercício do direito de retenção não devendo a apelante as rendas que foi condenada a pagar aos RR.
Houve contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - Matéria de facto: 1.
De entre os poderes que a Relação deve exercer oficiosamente conta-se o de sindicar a decisão da matéria de facto, designadamente em casos em que...
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