Acórdão nº 018/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução03 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

B... requereu, no TAF de Braga, a suspensão de eficácia do despacho do Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, de 25/07/2005, na parte em que declarou a expropriação, por utilidade pública, com carácter urgente, da parcela 133 para, em execução do Plano de Pormenor do Centro Histórico de Viana do Castelo, ser demolido o "Edifício C..." nela edificado e ser construído o Mercado Municipal e um espaço público.

Tal providência foi deferida e, em consequência, a eficácia daquele acto foi suspensa.

Inconformado, o Sr. Ministro do Ambiente e a "A..., S.A." recorreram para o Tribunal Central Administrativo Norte mas sem êxito já que este negou provimento ao recurso e manteve aquela decisão.

A A... interpôs, então, o presente recurso de revista - a coberto do disposto no art.º 150.º do CPTA - o qual foi admitido por ter sido entendido que a matéria aqui controvertida tinha repercussão e relevância social e jurídica suficiente para justificar a intervenção deste Supremo Tribunal.

Nele se formulam as seguintes conclusões: 1. O presente recurso de revista deve ser admitido, uma vez que está em causa questão de grande relevância social, que se reveste de importância fundamental, porquanto: a) Está em causa o interesse público urbanístico e ambiental, tal como definido pelo legislador, pela Administração central e local e sufragado pelos eleitores de Viana do Castelo; b) Está em causa a qualidade de vida dos cidadãos residentes em Viana do Castelo, nomeadamente no que respeita às condições de circulação viária e pedonal, à revitalização do Centro Histórico (nomeadamente no que ao pequeno comércio diz respeito), à criação de oferta de estacionamento que actualmente é flagrantemente insuficiente e à reposição das características urbanísticas da zona que permitirá, para além do mais, a candidatura a património mundial; c) Está em causa o modelo de actuação do Estado e demais entidades públicas na satisfação das necessidades das populações, não só no âmbito de todo o Programa Polis, mas em termos globais.

  1. O presente recurso de revista deve ser admitido, uma vez que está em causa uma questão jurídica de significativa relevância e importância fundamental, porquanto: a) Está em causa a delimitação da possibilidade de intervenção de cada um dos poderes do Estado, em especial do poder judicial, no âmbito dos processos cautelares; b) Está em causa a definição dos limites da tutela provisória, por reporte à tutela definitiva e, consequentemente, a correcta interpretação do artigo 120.°, n.º 2, do CPTA; c) Está em causa a delimitação da tutela provisória em relação aos actos administrativos, na parte em que são vinculados.

  2. O presente recurso deve ser admitido, em virtude de estar em causa uma questão jurídica de complexidade e importância jurídica que se reporta, nomeadamente ao respeito pelo princípio da separação dos poderes do Estado, consagrado nos artigos 2.° e 111.°, n.º 1 da Constituição que, por si só, torna claramente necessária uma melhor aplicação do direito.

  3. O acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, violando o princípio da separação dos poderes do Estado, porquanto: a) Avaliou, em sede de ponderação de interesses, o mérito da actuação administrativa previamente definida por regulamento administrativo válido e eficaz; b) Afastou, em sede de ponderação de interesses, a utilidade pública e urgência da expropriação que havia sido previamente definida por lei, intervindo, assim, no exercício da função legislativa, no que constitui uma verdadeira derrogação da lei.

    Ora, O acórdão recorrido enferma de erro de julgamento, pois não interpretou o artigo 120.°, n.º 2 do CPTA em conformidade com a Constituição.

    Sendo tal preceito inconstitucional, na interpretação que lhe foi dada no acórdão recorrido.

  4. O acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do artigo 120.°, n.º 1, alínea b) do CPTA, porquanto se bastou com a mera circunstância de se assacarem, bem ou mal, vícios com alguma complexidade jurídica ao acto suspendendo, para julgar verificado o fumus non malus iuris, sem cuidar de apreciar, ainda que sumariamente, o mérito das mesmas.

  5. O acórdão recorrido fez uma errada interpretação do artigo 120.°, n.º 1, alínea b) do CPTA, porquanto considerou que se encontrava preenchido o requisito do periculum in mora, com fundamento em não se encontrar demonstrada nos autos, a existência de verbas para uma eventual reconstrução do edifício em causa, quando tal não só não era necessário, como é evidente a existência de tais verbas e diminuto o esforço financeiro que tal implicaria.

  6. O acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do artigo 120.°, n.º 2 do CPTA, porquanto: a) Entendeu prevalecer os interesses privados do aqui recorrido, em relação ao interesse de prossecução da qualidade ambiental e urbanística da cidade de Viana do Castelo, alheando-se totalmente da qualidade de vida dos restantes cidadãos da cidade; b) Avaliou o interesse público negativamente com base num eventual prejuízo para o erário público, quando tal juízo está excluído da função jurisdicional e nem sequer se verificaria; c) Confirmou a sentença de l ª instância na parte em que, contra legem, entendeu não existir urgência na execução do plano de pormenor que implementa o Programa Polis.

    O ora Recorrido contra alegou para formular as seguintes conclusões: 1. O que está em causa nos presentes autos não é o Programa Polis, nem as decisões políticas, urbanísticas, económicas e financeiras tomadas no âmbito e ao abrigo daquele, nem a sua prossecução a final, mas tão só a apreciação da existência ou não de "fundado receio na constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal" e se é ou não "manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo".

  7. E, em último caso, inserindo-nos no âmbito mais vasto com que a recorrente pretende conformar a situação, está apenas em causa a oportunidade e legalidade de uma, e uma só, das múltiplas intervenções previstas no Programa Polis de Viana do Castelo: a expropriação e demolição do Edifício C... 3. São inúmeras as intervenções previstas no Programa Polis de Viana do Castelo (ciclovia, Pavilhão Multi-usos, maior densidade de zonas verdes, eliminação de intrusões visuais e discrepâncias volumétricas - algumas criadas pelo próprio Programa Polis, restrição do tráfego automóvel, favorecimento das condições de trânsito pedonal, aumento de áreas de circulação restrita, etc..) que não foram realizadas - nem o serão - sem que daí advenha qualquer desvalor, prejuízo ou consequência quer para a recorrente, quer para o próprio Programa.

  8. O Programa Polis de Viana do Castelo, embora inserindo-se no conjunto de cerca de uma vintena de outros Programas Semelhantes, de Albufeira a Viana do Castelo, não tem qualquer ligação ou inter-conexão com eles, uma vez que todos são programas autónomos, localizados e independentes, prosseguidos por Sociedades Privadas (as Sociedades Polis) distintas, com calendários e intervenções díspares.

  9. No entanto, e isso é que importa aos presentes autos, não se trata aqui de colocar em causa "uma opção do Estado português, por intermédio dos seus órgãos competentes", nem o programa Polis, nem sequer ainda a legalidade ou validade de uma das decisões tomadas no âmbito daquela opção ou daquele programa, mas apenas os pressupostos de procedência e decretamento de uma providência cautelar, que visa preservar o direito constitucional de propriedade e habitação do recorrido.

  10. O recurso de revista de decisões proferidas em 2.ª Instância pelo TCA está sujeito a um filtro cujo objectivo é restringir a respectiva admissão aos casos em que se verificam os pressupostos do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, de modo que a regra geral é a do conhecimento de uma causa em apenas dois graus de jurisdição.

  11. Para uma questão de direito relativa a providência cautelar merecer o afastamento da referida regra geral devem verificar se os mesmos pressupostos, ainda que em grau especialmente intenso, dado que nestes casos a revista teria como objecto uma composição meramente transitória e instrumental da relação jurídica sem poder projectar efeitos na apreciação a efectuar na causa principal, nem no sentido da sua decisão.

  12. Ora, tendo presente que o Programa Polis marcou passo, durante anos, por inércia dos sucessivos governos (foi criado em 1999 e o despacho de expropriação só surgiu em 2005) não se percebe qual será a relevância social, agora tão importante e tão urgente, mas tão negligentemente tratada durante 7 anos.

  13. Por outro lado, "a melhor aplicação do direito" há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito.

  14. A questão da demolição do prédio ... (nos moldes em que teve a sua génese) é essencialmente factual e meramente conjuntural não sendo de prever mais erros (até porque a luta do deficit assim o exige) deste tipo.

  15. Finalmente, atente-se que o artigo 120.º não é de aplicação automática; mesmo quando se verificam os requisitos necessários para o decretamento da providência cautelar ainda será recusada quando os danos para o interesse público se mostrem superiores do que aqueles que adviriam da recusa, sem mais, da providência.

  16. No caso sub judice, estamos perante uma situação em que os três requisitos se verificam em pleno; uma situação em que, verificados os pressupostos legais, o Tribunal a quo se limita a aplicar, e bem, a lei.

  17. Ao ponderar os danos emergentes do decretamento da providência, de um e outro lado, o Tribunal procede a uma avaliação objectiva dos mesmos, e nem podia fazer de outra forma.

  18. Sem que, porém, tal apreciação objectiva colida com o mérito político da decisão suspensa; aliás, repete-se, apenas a nível da aplicação do requisito moderador dos interesses é que o Tribunal...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT