Acórdão nº 885/09.5T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Maio de 2012

Data15 Maio 2012
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

C… interpôs recurso ordinário de apelação da sentença do Sr. Juiz de Direito do Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro, Comarca do Baixo Vouga, que, do mesmo passo, julgando parcialmente tanto a acção, declarativa de condenação, com processo comum, ordinário pelo valor, que propôs contra J…, como a reconvenção deduzida por este:

  1. Declarou que a fracção autónoma correspondente ao rés-do-chão e andar do edifício principal poente, entrada 1, do prédio urbano sito na …, inscrito na matriz predial urbana sob o nº e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, pertence à autora; b) Declarou que o réu não tem qualquer direito a permanecer e habitar no referido prédio; c) Condenou o réu a restituir à autora os bens móveis constantes do arrolamento realizado no procedimento cautelar apenso.

  2. No mais, face ao direito do réu de retenção do imóvel até ao recebimento do valor do seu crédito relativo às obras realizadas no imóvel e identificadas nos autos, absolveu o réu do pedido de entrega do imóvel, de abstenção de actos que impeçam a autora de o fruir e de sanção pecuniária compulsória por cada dia que mediar até essa entrega.

  3. Condenou a autora a pagar ao réu as quantias de €35.000 (trinta e cinco mil euros) e de €6.000 (seis mil euros), relativas ao valor suportado para aquisição do imóvel e ao valor das obras nele realizadas pelo réu, acrescidas de juros de mora contados desde 11 de Setembro de 2009 até integral pagamento.

    A recorrente, que pede, no recurso, a revogação desta sentença, na parte posta em crise, condensou a sua alegação nestas conclusões: ...

    Na resposta o recorrido - depois de obtemperar, designadamente, que o momento relevante para o início da prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa surge quando cessa a união de facto e, por via disso, a fruição em comum dos bens adquiridos com participação de ambos os membros – concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.

    1. Factos provados.

    O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes: … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Na espécie do recurso, o recorrido, pediu, em reconvenção – no articulado de contestação, apresentado por via electrónica no dia 7 de Setembro de 2009 – a condenação da recorrente a pagar-lhe a quantia de € 64.800,00, tendo alegado como causa petendi, o enriquecimento sine causa da apelante, resultante do facto de parte do preço da fracção autónoma - € 35.000,00 – ter sido satisfeito com um crédito seu relativamente ao vendedor, de ter pago, desde a data da escritura – 16 de Janeiro de 2006 - até Dezembro de 2007, metade das prestações do empréstimo contraído, em nome da apelante, para aquisição da mesma fracção, e de ter realizado nela obras diversas no valor de € 25.000,00.

    A recorrente opôs ao recorrido, na réplica, a excepção peremptória da prescrição, por se terem passados mais de 3 anos entre a data da escritura e a data da apresentação do articulado de contestação.

    No tocante ao valor das obras realizadas pelo apelado, a decisão recorrida, por se saber que o réu não aplicou a totalidade da mão-de-obra, mas se ignorar se foi o réu que custeou, na totalidade, os materiais, pelo que a questão deveria ser decidida com apelo à equidade, julgou adequado fixar o valor a restituir ao réu em € 6.000,00; a mesma sentença, depois de observar que a alínea a) do artigo 318º do Código Civil é aplicável, seja por aplicação extensiva ou analógica, às situações de união de facto, e que a defesa pelo membro devedor do casal (em união) de que o prazo de prescrição correu independentemente e mesmo durante a união de facto, constitui um manifesto abuso de direito, por violação dos ditames boa-fé, que devem presidir sobremaneira nos relacionamentos pessoais – julgou improcedente a excepção peremptória da prescrição.

    São estes dois pontos que merecem a aberta discordância da recorrente. No seu ver, de um aspecto, todos os créditos do recorrido, reconhecidos pela sentença recorrida foram atingidos pela prescrição, não sendo abusiva a sua alegação, e de outro, o valor do crédito relativo à realização das obras, determinado por critérios de equidade, nunca poderá ser superior a um terço do seu custo global.

    Maneira que, tendo em conta os parâmetros de delimitação da competência decisória deste Tribunal representados pelo conteúdo da decisão recorrida e das alegações de ambas as partes, as questões concretas controversas que há que resolver são as de saber se:

  4. Os créditos cuja titularidade a sentença impugnada reconheceu ao apelado foram ou não atingidos pela prescrição; b) Ao alegar essa prescrição, a recorrente actua em abuso do direito; c) O valor das obras realizadas pelo recorrido deve ser fixado em valor não superior a um terço do seu custo global.

    A resolução destes problemas vincula naturalmente, à determinação do terminus a quo do prazo prescricional aplicável aos direitos de crédito do recorrido e ao exame do procedimento de decisão no caso de obrigação genérica.

    No julgamento do recurso importa, contudo, ter presente que a sua improcedência, e a consequente confirmação da decisão recorrida, podem resultar da modificação pelo tribunal do fundamento dessa mesma decisão. Quer dizer: o tribunal superior pode aceitar a procedência do recurso – mas encontrar outro fundamento, distinto daquele que foi utilizado pelo tribunal de que ele provém, para confirmar a decisão recorrida.

    3.2.

    Terminus a quo do prazo de prescrição aplicável.

    Como se notou, não se discute no recurso a obrigação de restituição, assente no enriquecimento sine causa em que a recorrente, segundo a sentença impugnada, se encontra constituída: a controvérsia gravita limitadamente em torno do problema de saber se o direito de crédito correspondente do recorrido foi ou não atingido pela prescrição.

    Realmente, cessada a união de facto, coloca-se frequentemente o problema da liquidação do património adquirido com o esforço comum dos seus membros e da restituição das atribuições patrimoniais feitas, na pendência dessa união, por um deles ao outro.

    De harmonia com certa doutrina, essa liquidação deve ser actuada de acordo com os princípios das sociedades de facto – quando os respectivos pressupostos se verifiquem[1]. Na jurisprudência, porém, havendo património adquirido com esforço comum, admite-se que a respectiva liquidação seja feita de harmonia com as regras do enriquecimento sem causa ou com os princípios das sociedades de facto[2].

    No entanto, a ausência da finalidade lucrativa da comunhão de vida[3] em que se traduz a união de facto, opõe-se ao uso da construção da sociedade de facto. Nestas condições, a composição dos interesses patrimoniais conflituantes deverá assentar no instituto do enriquecimento sine causa, que disponibiliza uma tutela adequada ao membro da união de facto que, por exemplo, contribuiu com dinheiro seu para que o outro interviesse como adquirente no contrato de compra e venda de um imóvel ou de um automóvel[4].

    Na espécie do recurso tudo está, pois, em saber se deve reconhecer-se à recorrente o direito potestativo de opor a prescrição ao direito à restituição por enriquecimento sem causa, alegado pelo recorrido e reconhecido pela sentença recorrida.

    A prescrição – de que o Código Civil não dá uma noção – assenta num facto jurídico involuntário: o decurso do tempo. A ideia comum que lhe preside é a de uma situação de facto que se traduz na falta de exercício dum poder, numa inércia de alguém que, podendo ou porventura devendo actuar para a realização do direito, se abstém de o fazer[5].

    Verificada a prescrição, o seu beneficiário tem a faculdade de, licitamente, recusar a prestação a que estava adstrito (artº 304 nº 1 do Código Civil).

    A prescrição não tem, portanto, uma eficácia extintiva, antes se limita a paralisar o direito do credor, dado que apenas confere o direito potestativo de a invocar: se este direito não for exercido, a obrigação mantém-se civil, não se produzindo quaisquer efeitos; se a prescrição for invocada, a obrigação converter-se-á em obrigação natural – como tal inexigível, mas com solutio retendi[6].

    É, naturalmente, sobre o devedor que recai o encargo de provar a prescrição da obrigação, ou melhor, os seus elementos estruturais: a não exigência do crédito pelo credor; o início e o decurso do lapso prescricional (artº 342 nº 2 do Código Civil).

    Se o demandado conseguir provar estes dois elementos estruturais da prescrição – prescrição que sendo um facto impeditivo do direito de crédito alegado pelo autor ou pelo réu reconvinte é, ao mesmo tempo, fonte do direito potestativo invocado pelo demandado (devedor) de extinguir a relação obrigacional – passa a ser sobre o autor ou réu reconvinte que recai o ónus de provar o facto extintivo – v.g. renúncia do devedor à prescrição ou a sua suspensão - do direito potestativo do direito invocado pelo demandado[7].

    Assim, no tocante à prescrição da obrigação de restituição por enriquecimento sem causa, é a parte que, perante a invocação pela contraparte, do direito à restituição, alegue a prescrição que deve provar o decurso do prazo, articulando, evidentemente, os factos relevantes[8].

    O direito à restituição por enriquecimento sem causa prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do...

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