Acórdão nº 08P422 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução03 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. O Tribunal Colectivo 1° Juízo do Tribunal de Santa Comba Dão (proc. n.º 180/02.0GCSCD) teve por estabelecida a seguinte factualidade.

    Factos Provados: A) 1)- Em dia não concretamente apurado do mês de Agosto de 2000, em casa do arguido (AA), sita na Rua ......, Pinheiro, Papizios, Carregal do Sal, o arguido AA convidou a BB para irem buscar água a uma fonte sita na freguesia de Travanca de São Tomé, Carregal do Sal, área desta comarca, ao que aquela acedeu, por ele ser seu tio e confiar nele.

    2)- O arguido transportou então a BB no seu veículo automóvel, até à mencionada fonte, após o que, conduziu o carro para um pinhal situado ali próximo.

    3)- Após ter imobilizado o cano, o arguido disse à BB que queria ter relações sexuais com ela, utilizando a expressão "dá-me a bicha", ao que ela respondeu negativamente, tendo, ainda, referido que tinha medo de engravidar.

    4)- Seguidamente, no banco traseiro do automóvel, o arguido, valendo-se da sua superior força física e das incapacidades físicas e mentais da BB, agarrou-a, despiu-se a si e a ela e em seguida introduziu-lhe o pénis erecto na vagina, ai o friccionando até ejacular.

    5)- Durante todo o lapso de tempo em que o arguido manteve a relação sexual, a BB foi sempre dizendo ao arguido que não queria.

    6)- Depois, o arguido disse à BB que lhe dava uns brincos e uma pulseira em ouro, se não dissesse nada à mãe e à tia.

    1. 7)- Em dia não concretamente apurado, mas localizado entre Agosto de 2000 e Setembro de 2002, da parte da tarde, a BB encontrava-se a regar flores no jardim da casa do arguido, sita na Rua ....., Pinheiro, Papizios, Carregal do Sal, tendo-lhe este dito para ir para o interior da casa, o que aquela não acedeu.

      8)- Em seguida, o arguido agarrou na BB, pegou-lhe ao colo e levou-a para o interior da residência, conduzindo-a para um quarto e deitando-a na cama, dizendo-lhe então que queria ter relações sexuais com ela, dizendo "dá- me a bicha", ao que a BB respondeu negativamente.

      9)- Acto contínuo, o arguido, valendo-se da sua superior força física e das incapacidades físicas e mentais da BB, levantou-lhe a saia, tirou-lhe as cuecas e introduziu-lhe o pénis erecto na vagina, aí o friccionando até ejacular.

      10)- Após o que a BB se dirigiu a casa de banho a fim de lavar a zona da vagina, vestindo-se em seguida.

      11)- Durante o período em que o arguido manteve a relação sexual, a BB disse-lhe que não queria e gritou por ajuda, mas ninguém a ouviu, uma vez que estavam sozinhos em casa e o arguido tinha fechado as portas, janelas e persianas da habitação.

      12)- Antes de o arguido deixar a BB ir embora, disse-lhe que lhe dava objectos em ouro, se não dissesse nada a ninguém.

    2. 13)- Em dia não concretamente apurado do mês de Agosto de 2002, a BB encontrava-se na cozinha da sua residência, sita em Rua das ......., Pinheiro, Papízios, Carregai do Sal, área desta comarca.

      14)- A dada altura, o arguido entrou na cozinha, após o que fechou as portas da habitação, e disse à BB que queria ter relações sexuais, dizendo "dá-me a bicha", tendo ela dito que não.

      15)- Em acto contínuo, o arguido agarrou a BB, e recorrendo à força física e aproveitando-se das incapacidades físicas e mentais daquela, obrigou-a a deitar-se no chão da cozinha, de barriga para baixo, levantou a saia, tirou-lhe as cuecas e introduziu-lhe o pénis erecto na vagina, aí o friccionando até ejacular, tendo também a dado momento introduzido o pénis no ânus da BB.

      16)- Durante o período em que o arguido manteve a relação sexual, a BB disse-lhe para parar e gritou por ajuda, mas ninguém a ouviu, uma vez que estavam sozinhos em casa e o arguido tinha fechado as portas da habitação.

      17)- No final, o arguido disse à BB que lhe dava objectos em ouro, se não dissesse nada a ninguém D) 18)- Em dia não concretamente apurado do mês de Setembro de 2002, da parte da tarde, a BB encontrava-se na cozinha da sua residência, sita em Rua das ......, Pinheiro, Papízios, Carregai do Sal, área desta comarca, tendo a dado momento chegado ao local o arguido, que, para tal, se introduziu no interior da habitação, fechando as portas desta.

      19)- Seguidamente, o arguido disse à BB que queria ter relações sexuais, dizendo "dá-me a bicha", tendo ela dito que não.

      20)- Em acto contínuo, o arguido agarrou a BB, e recorrendo à força física e aproveitando-se das incapacidades físicas e mentais daquela, obrigou-a a deitar-se no chão da cozinha, de barriga para baixo, levantou a saia, tirou-lhe as cuecas e introduziu-lhe o pénis erecto na vagina, aí o friccionando até ali ejacular, tendo também a dada altura introduzido o pénis no ánus da BB.

      21)- Após o arguido a ter deixado, a BB foi à casa de banho lavar a zona da vagina.

      22)- No final o arguido disse à BB que lhe dava objectos em ouro e perfumes, se não dissesse nada a ninguém e o deixasse manter relações sexuais.

      23)- Nessa data, o arguido deu a BB uma caixa contendo comprimidos "Prador", dizendo-lhe que os tomasse para não ficar grávida.

      24)- Tal medicamento não tem qualquer efeito anti-concepcional, tratando-se de um medicamento indicado para o tratamento, entre outros, de estados de gripe, constipações e febre.

      25)- A BB tem défice na acuidade visual, apenas se deslocando sozinha nos locais que conhece bem, sendo portadora de epilepsia com crises tónico-clónicas generalizadas, anoxia neonatal, e padecendo de défice intelectual moderado (deficiência mental moderada) e de depressão reactiva.

      26)- Esta situação limita a autonomia e a responsabilidade da BB, condicionando os seus comportamentos ao ponto de ser influenciada pelas ameaças e promessas do arguido, não lhe permitindo auto-determinar-se sexualmente, nem possuir o discernimento para entender o alcance e o significado do direito de queixa.

      27)- Em todas as situações supra descritas, o arguido AA agiu de forma deliberada, livre e consciente, querendo e conseguindo manter relações sexuais com outrem, com o intuito de satisfazer os seus desejos libidinosos e lascivos, sabendo que o fazia sem o consentimento e contra a vontade daquela, utilizando a força física para vencer a recusa e a impossibilitar de oferecer resistência e aproveitando-se da sua relação de parentesco e das incapacidades físicas e mentais da visada, que bem conhecia, de molde a conseguir satisfazer os seus instintos sexuais.

      28)- Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

      29)- Devido às suas limitações físicas e intelectuais a ofendida depende, no seu dia à dia da ajuda dos pais.

      30)- O arguido era casado com uma irmã da mãe da ofendida; 31)- A ofendida, em Setembro de 2002, temendo estar grávida, contou à sua mãe o que lhe tinha sucedido; 32)- A ofendida deslocou-se, em consequência dos factos, aos Serviços do Ministério Público de S. C. D., em 30-10-2002; 33)- Em consequência dos factos, a ofendida, no dia 18/11/2002, deslocou-se, acompanhada pela sua mãe, ao gabinete Médico Legal de V.; 34)- Para tal utilizaram autocarro de carreira, onde gastaram, na ida e volta 9 €; 35)- Em 11-02-2003, e para realização do exame junto aos autos a fls. 128 e Seg.s, a ofendida teve de se deslocar ao Hospital S. C., tendo despendido em transportes (ida e volta) o valor de 50,00€; 36)- Em 3 1/03/2003 a ofendida foi transportada de ambulância do Hospital de S. T. em Viseu para Pinheiro, tendo despendido o valor de 36,90€; 37)- Em 3 1/07/2003 a ofendida teve que ser transportada ao Hospital S. C. em Coimbra, tendo despendido em transportes (ida e volta) 50€; 38)- A ofendida, em consequência da conduta do arguido, teve dores físicas, 39)- A ofendida, em consequência da conduta do arguido, sentiu-se envergonhada, perturbada e inquieta; 40)- Em 23 de Março de 2003 a ofendida ingeriu comprimidos; 41)- Em consequência de tal foi transportada ao Hospital S. T. em Viseu; 42)- Voltou a ser consultada neste Hospital em 31 de Março de 2003 43)- Em 3 de Abril de 2003 a arguida foi internada no Hospital em C., onde permaneceu 10 dias; 44)- Em consequência da conduta o arguido a ofendida tornou-se mais desconfiada; 45)- Tem receio de sair de casa e de ficar sozinha; 46)- Sente vergonha quando alguém se aproxima; 47)- Sente medo e pânico; 48)- O arguido reside em França onde trabalha; 49)- Tem a 4ª classe; 50)- Tem dois filhos maiores; 51)- Tem um situação económica desafogada, possuindo, nomeadamente uma casa em Aveiro e outra em Pinheiro, concelho de Santa C. D.; 52)- Do CRC do arguido junto aos autos não constam quaisquer antecedentes.

      Factos não provados Para além dos factos supra referidos, e com interesse para a decisão, não se provaram mais quaisquer factos (nem da acusação, nem do pedido cível), nomeadamente: - Que a fonte referida na acusação a fis. 245 ficasse num lugar ermo; - Que o arguido depois de ocorridos os factos referidos em A) tenha dado um lenço à ofendida para ela se limpar; - Que aquando dos factos referidos em D) a ofendida se encontrava na varanda, - Que a ofendida tenha gasto 25 € quando se deslocou aos Serviços do Ministério Público, - Que o comportamento da ofendida referido em 40 dos factos provados tenha sido causado pelo comportamento do arguido, - Que o estado de depressão de que a arguida padece tenha sido causado pelo comportamento do arguido ou que o mesmo se tenha agravado em consequência do comportamento do arguido; - Que tenha sido o comportamento do arguido que levou ao internamento da ofendida de 3 de Abril de 2003; - Que tenha sido o comportamento do arguido que levou a que a ofendida tivesse de se deslocar a Hospitais em 31/3/2003 e 31/7/2003, - Que devido ao comportamento do arguido a ofendida só consiga dormir com medicação.

      O Tribunal formou da seguinte forma a sua convicção: «III- Convicção do Tribunal: a)- Nos factos Provados A convicção do Tribunal nos factos provados resultou da conjugação de toda a prova produzida em audiência de julgamento, a que não foram alheias as regras da experiência, nomeadamente: - Das declarações da ofendida que relatou em Tribunal a forma como os factos ocorreram...

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