Acórdão nº 0738/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução26 de Abril de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A……. e mulher B……, por si e em representação de seu filho menor C……, todos melhor identificados nos autos, intentaram, no Tribunal Administrativo do Circulo do Porto, acção de indemnização para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, pedindo a condenação do Estado Português em indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes, para os autores, do acidente sofrido pelo C……, em 3.4.2000, na Escola EB 2/3 Alpendurada e Matos – Marco de Canavezes, que então frequentava.

A fundamentar esse pedido, os autores alegaram, essencialmente, que, na referida data, o referido menor C……, então com cerca de 13 anos de idade, jogava futebol com outros colegas num recinto desportivo daquela Escola; para festejar um golo, que marcou e colocou em vantagem a respectiva equipa, dependurou-se na barra transversal da parte superior frontal de uma das balizas desse campo de jogos, que não estava fixada na base e tombou sobre ele, causando-lhe lesões corporais determinantes dos invocados danos patrimoniais e não patrimoniais; o acidente ficou a dever-se a conduta ilícita e culposa dos agentes do réu Estado (docentes e funcionários administrativos da escola), traduzida em omissão do dever de vigilância e de regras de experiência comum e de bom senso.

Por sentença proferida a fls. 425, e seguintes, dos autos, foi acção julgada parcialmente procedente e o Réu condenado a pagar - ao autor C……, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 173 000,00, acrescido de juros legais desse a citação, valor correspondente à diferença entre o montante total (€ 295 000,00) da indemnização atribuída ao mesmo A., a título de danos patrimoniais por perda de capacidade aquisitiva (€ 295 000,00) e a título de danos não patrimoniais (€ 70 000,00) e o valor da indemnização, no montante de € 121 000,00, anteriormente suportado pelo Réu Estado, a coberto do seguro escolar; e, ainda, ao pagamento de uma renda mensal equivalente a 50% do valor do salário mínimo nacional que em cada momento estiver em vigor, destinada a assegurar acompanhamento por terceira pessoa e devida desde o trânsito em julgado da decisão condenatória; - aos autores A…… e B……, respectivamente, as quantias de € 4 000,00 e € 5 000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros legais desde a data da citação.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, em representação do réu Estado Português, tendo os autores, por seu turno, interposto «recurso subordinado» restricto a matéria do quantum indemnizatório respeitante à renda fixada e às compensações por danos não patrimoniais.

O réu Estado Português apresentou alegação (fls. 467, ss.), com as seguintes conclusões: 1. Em acção destinada a efectivar responsabilidade civil por acto ilícito de gestão pública de que resultaram ofensas corporais decorrentes da queda de uma baliza, a obrigação de indemnizar depende da observância cumulativa dos pressupostos da responsabilidade civil geral: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo causal entre este e o facto.

  1. Não preenche o requisito ilicitude a colocação e manutenção, no recinto de uma escola, de balizas que, apesar de não se encontrarem cravadas no chão, constituíam, atento o seu peso e características, estruturas estáveis e não susceptíveis de derrube em circunstâncias de correcta utilização na sua normal função de delimitar a área de golo.

  2. Na hipótese de se considerarem preenchidos todos aqueles pressupostos, se para a queda da baliza contribuiu decisivamente uma conduta culposa do próprio lesado, o julgamento sobre a questão da indemnização não pode deixar de se operar na base da concorrência de culpas, pois que o lesado já era civilmente imputável.

  3. No confronto entre as condutas culposas do lesante, que não fixou as balizas ao chão, e do lesado, que, tendo-se lançado para a trave de uma delas, à qual se agarrou com as mãos, provocou o inevitável balanceamento do corpo em suspensão e o subsequente desequilíbrio e queda da estrutura da baliza, crê-se adequado fixar as culpas de cada um em 70% e 30%, respectivamente.

  4. Todavia, considerando que a decisão recorrida baseou a responsabilidade do lesante numa presunção de culpa, a situação de concorrência de culpas a que se impunha atender, e que a decisão recorrida não considerou, deveria ter levado à exclusão da indemnização.

  5. A atribuição de indemnização a terceiros que indirecta ou reflexamente tenham sofrido danos de ordem não patrimonial com facto ilícito que não envolveu lesão de morte carece de base legal.

  6. E ainda que fosse devida, não poderia vencer juros de mora a partir da citação, mas apenas a partir da sentença, uma vez que, fixada com recurso a equidade e necessariamente balizada por padrões actuais de justiça do julgador, tem que se considerar actualizada.

  7. A compensação de €70 000,00 arbitrada à vítima por danos não patrimoniais, apesar de adequada adentro da lógica da decisão recorrida, não pode vencer juros a partir da citação, mas tão-só desde a prolação da decisão, pois tem que se considerar actualizada, já que foi fixada com recurso à equidade, seguramente mediante padrões actuais de justiça do julgador.

  8. A indemnização de €225 000,00 atribuída ao lesado por danos patrimoniais, posto que fixada com recurso a critérios de equidade, mostra-se excessiva, considerando a sua finalidade e os factores objectivos a tomar em conta na sua fixação.

  9. Porque achada com recurso a juízos de equidade, também esta indemnização por danos patrimoniais foi necessariamente norteada por padrões actuais de justiça do julgador, não podendo vencer juros a partir da citação mas apenas a partir da sentença.

  10. A atribuição de uma renda mensal vitalícia no montante de 50% do salário mínimo nacional, destinada a permitir a contratação de assistência por terceira pessoa, mostra-se igualmente excessiva, atenta a sua finalidade e considerando os curtos períodos diários de tempo em que a assistência deve ser prestada.

  11. Representando essa renda uma expressão pecuniária global de €128 333,00, e tendo sido fixada autonomamente, sem ser imputada nos montantes condenatórios de €70 000,00 e €225 000,00 relativos a danos não patrimoniais e patrimoniais, respectivamente, o cômputo global da condenação excedeu o valor do pedido formulado pelo autor, que se cifrava em €400 000,00, dos quais €100 000,00 por danos não patrimoniais e €300 000,00 por danos patrimoniais.

  12. A douta sentença recorrida violou, por errada interpretação, os artigos 6.º do DL 48 051, de 21 de Novembro de 1967, 493.°, n.º 1, 488.°, n.º 2, 570.°, n.ºs 1 e 2, 496.°, n.º 2, 566.°, n.ºs 2 e 3, 567.°, n.º 1, do Código Civil, e ainda o artigo 661.°, n.º 1, do Código do Processo Civil, bem como o acórdão do STJ uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002, publicado no DR n.º 146, I Série - A, de 27 de Junho de 2002.

  13. Deve ser revogada e substituída por outra que absolve o Estado dos pedidos, por falta de ilicitude, ou, assim não se entendendo, que o absolva na parte relativa condenação por danos não patrimoniais reflexos e o condene nos moldes e montantes propugnados na presente peca de alegações, na base da concorrência de culpas e baixando os montantes atribuídos a título de danos patrimoniais e de renda vitalícia, abatendo-se a final o montante da redução do pedido oportunamente efectuada.

    Na resposta, que apresentaram, a fls. 493, ss., dos autos, os Autores formularam as seguintes conclusões: 1.ª - À data do acidente (23.05.2000) a baliza que se encontrava instalada no recinto desportivo da Escola frequentada pelo C……, constituída por uma pesada estrutura de ferro, não tinha os respectivos postes verticais fixados na base (entenda-se no solo em cimento).

    1. - Naquela data ainda não tinha sido publicado o Dec. Lei n.º 100/2003 de 23 de Maio; motivo pelo qual não existia nenhuma norma legal sobre a instalação e utilização de balizas em recintos escolares.

    2. - No entanto, o respeito pelas leis da física, acessíveis ao comum cidadão por regras de experiência, conjugadas com as normas do bom senso, tudo aferido pelo comportamento de um bom pai de família, obrigavam a que os postes das balizas fossem enterrados no solo em cimento porque, se tal não acontecesse, as mesmas poderiam cair quando algum aluno se dependurasse com o inevitável baloiçamento na barra transversal da parte superior da baliza.

    3. - Ao ser omitido aquele acto material, o Estado Português, por intermédio dos seus órgãos ou agentes, praticou um acto ilícito previsto no artigo 6.º do D.L 48051 de 21.11.1967 por violação às regras de ordem técnica e de prudência comum que devem ser consideradas nos actos materiais de gestão pública (in casu a instalação de balizas em recinto escolar frequentado por alunos de menor idade como a do C……) 5.ª - Por omissão, também existiu um segundo acto ilícito da responsabilidade do Réu porque, também por intermédio dos agentes da Escola, não vigiou a utilização do recinto escolar, nomeadamente no momento em que C…… foi vítima da queda da baliza, quando a tal estava obrigado pelo disposto no artigo 493.º, nº 1 do CC 6.ª - A aplicabilidade do disposto no artigo 493.°, nº 1 do CC presume a culpa do lesante e a consequente inversão do ónus da prova que o recorrente não conseguiu ilidir.

    4. - Perante os comportamentos dos órgãos e agentes do...

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