Acórdão nº 417/11 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução28 de Setembro de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 417/2011

Processo n.º 106/2011

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Cadilha

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. A. e outros, ora recorridos, intentaram acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra B. e outros, ora recorrentes, pedindo, no essencial, seja declarada a existência do direito dos Autores aos legados, deixados em substituição fideicomissária, instituídos no testamento de C., e à herança, aberta por óbito deste último, relativamente à “metade dos restantes títulos ou dinheiro que foram adquiridos na constância do matrimónio” pelo testador e sua mulher.

    Alegaram, em síntese, para tanto, que o referido C., de quem são sobrinhos, legou-lhes, em substituição fideicomissária, por testamento, os bens certos e determinados que ora reivindicam, e, bem, assim, instituiu-os como herdeiros da reclamada metade do remanescente, em termos que foram autorizados pela sua mulher, que nele teve intervenção, pelo que, sendo válidas tais disposições testamentárias, assiste-lhes o direito cujo reconhecimento ora peticionam.

    Seguiu a acção, após a fase dos articulados, seus termos processuais, após o que foi proferida sentença, julgando-a procedente e improcedente, por não provado, o peticionado pelos RR., em sede reconvencional.

    Os RR., inconformados, dela apelaram para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por Acórdão de 18 de Maio de 2010, julgou improcedente a apelação, confirmando, em consequência, embora com diversa fundamentação, a sentença recorrida.

    Ainda inconformados, interpuseram recurso de revista deste último acórdão, mas, mais uma vez, sem sucesso, pois que o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 16 de Dezembro de 2010, negou a revista.

    Interpõem, agora, deste último Acórdão, o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), para apreciação, segundo esclarecimento prestado nos termos do n.º 5 do artigo 75.º da referida lei, da inconstitucionalidade da «interpretação normativa que o Acórdão recorrido do Supremo Tribunal de Justiça adopta do n.º 1 do art.º 1730.º do CC, no sentido de que seria admissível estipulação em contrário à regra da metade prevista no citado nº 1 do art.º 1730.º por via de declaração de autorização prestada por um cônjuge no texto do testamento do outro cônjuge, conferindo-lhe deste modo natureza confirmativa», por violação das disposições conjugadas dos artigos 13.º (princípio da igualdade) e 36º, n.º 3 (igualdade dos cônjuges no seio da família), da Constituição da República Portuguesa (CRP).

    O Tribunal recorrido, por despacho de 5 de Fevereiro de 2011, admitiu o recurso, tendo os recorrentes, notificados para o efeito, apresentado alegações onde concluem:

    I. O regime familiar e sucessório consagrado entre nós encontra o seu fundamento último no respeito pelos princípios constitucionais cristalizados designadamente, na Constituição da República Portuguesa. Entre esses princípios, avultam o da tutela da dignidade dos membros da família e o da igualdade dos cônjuges (cf. artigo 36.º, n.º 3 da CRP) – princípio este que surge como corolário da directriz geral em matéria de igualdade, prevista no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

    II. O Direito da Família é pautado pelo predomínio de normas imperativas, como tais, derrogáveis por vontade dos particulares.

    São, pois, interesses supra privados que justificam muitos dos constrangimentos normativos ao nível do Direito matrimonial, e que se impõem quer em nome de um dos cônjuges em relação ao outro (evitando qualquer relação de ascendente ou de influência de um cônjuge relativamente ao outro), quer em homenagem à continuidade do património conjugal e familiar. Em particular, as normas do Direito da Família, mesmo no próprio plano da lei civil, visam tutelar, e de modo fundamental, a família conjugal na relação dos cônjuges entre si, procurando em particular evitar o perigo de «supremacia psicológica de um dos cônjuges sobre o outro, seja pela vontade mais fraca de um deles, seja pelos laços de afecto que a convivência matrimonial reforça entre eles». Neste sentido, a imperatividade funda-se, em boa medida, numa lógica de protecção de um cônjuge perante o outro. É isto que legitima a indisponibilidade de muitas das situações jurídicas familiares. Como refere certeiramente JORGE DUARTE PINHEIRO, pode bem afirmar-se, a este propósito, que «uma lógica de protecção preside a todo o Direito da Família: tutela de um cônjuge perante o outro, contra a desigualdade e a violência na constância do matrimónio (...)».

    III. O Direito da Família não prescinde, pois, de uma relação estreita com a Lei Fundamental, que delimita “o âmbito em que o legislador ordinário pode mover-se”. Numa palavra, a disposição dos bens mortis causa está sujeita à observância dos limites que resultam, designadamente, do estatuto das relações patrimoniais dos cônjuges – entre os quais, o princípio da protecção legal da meação.

    IV. A regra da meação na divisão do património comum tem natureza imperativa, não podendo ser derrogada por vontade das partes. A referida conclusão não se apoia apenas em elementos literais, sistemáticos ou teleológicos imanente à lei, sendo ainda um corolário da protecção constitucional conferida aos cônjuges nas relações patrimoniais. O legislador interveio manifestamente norteado pela preocupação de protecção de um cônjuge relativamente ao outro. É este desiderato fundamental que está na base do princípio de proibição de negócios que tenham por objecto a meação do outro cônjuge no património comum, bem como das limitações aos actos negociais entre cônjuges que possam conduzir ao enriquecimento de um em prejuízo do outro e a um desequilíbrio final das relações patrimoniais e das meações no património comum. Previnem-se, assim, situações de facto caracterizadas por um quadro de desequilíbrio, assente em negócios ruinosos para o outro cônjuge. Numa palavra, previne-se que um dos cônjuges possa sair beneficiado no momento da partilha, designadamente por força do ascendente exercido sobre o outro cônjuge. Significa isto que o artigo 1730.º do Código Civil –...

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