Acórdão nº 349/11 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Julho de 2011

Data08 Julho 2011
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 349/2011

Processo n.º 367/11

  1. Secção

Relator: Carlos Pamplona de Oliveira

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Notificado da Decisão Sumária n.º 301/2011, o recorrente Banco A., S.A. reclama para a conferência, nos termos seguintes:

    1 – Considerações introdutórias

  2. A Decisão sumária reclamada entendeu não conhecer do objecto do recurso, em relação a qualquer das normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada, essencialmente com o fundamento de que os critérios normativos enunciados pelo Recorrente não coincidiriam com aqueles que foram verdadeiramente usados na decisão do Tribunal da Relação sob recurso.

    Salvo o devido respeito, tal argumentação improcede, sendo manifestamente inexacto que as normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada não tenham sido aplicadas na decisão recorrida com o preciso sentido indicado pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso.

    II – A primeira questão de constitucionalidade

  3. No seu requerimento de recurso para esse Tribunal Constitucional, o recorrente indicou, como primeira norma de cuja constitucionalidade se pedia a apreciação, o artigo 389.º n.º 1. alínea a) do CdVM, ao prever que a prestação de toda e qualquer informação sem as qualidades referidas no próprio artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do CdVM, é punida com coima, sem identificar e delimitar o agente, objecto, natureza e/ou os efeitos sobre o mercado dessa mesma informação. Tal norma viola o princípio constitucional da legalidade em direito sancionatório punitivo, ao não assegurar o carácter certo e determinado do tipo contra-ordenacional, com violação do princípio da tipicidade.

  4. Diz o art. 389.º, n.º 1, alínea a), do CdMVM:

    Constitui contra-ordenação muito grave:

    a) A comunicação ou divulgação, por qualquer pessoa ou entidade, e através de qualquer meio, de informação que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita

    O Acórdão recorrido considerou não existir inconstitucionalidade da norma, dizendo, em síntese, que «a conjugação das normas dos art.º 389.º, n.º 1, alínea a) (enquadrado no capítulo dos ilícitos de mera ordenação social e secção dos ilícitos em especial) e art. 7.º (inserido no capítulo da informação das disposições gerais) do CdVM, reportando-se aquele à informação e este à qualidade da informação, levam-nos sem esforço à conclusão de que não há falta de determinação da norma, dado que o seu âmbito de aplicação é garantido pela dupla conexão, normativa e temática e o conceito de informação é claro e preciso.» (fls. 17.282 e 17.283 dos presentes autos).

    A recorrente transcreveu, no requerimento de recurso, a parte final do trecho referido.

    Conforme a recorrente mencionou no seu requerimento de recurso,

    o Acórdão recorrido aplicou efectivamente a referida norma, pois a mesma consubstancia o tipo contra-ordenacional pelo qual o arguido foi acusado e condenado (cfr. pág. 1 e 2 da sentença). Assim, ao confirmar a condenação do arguido, necessariamente, o Acórdão recorrido aplicou a referida norma (veja-se, também, sem margem para dúvidas, pág. 122 do Acórdão recorrido).

    O Acórdão recorrido enfrenta directamente esta questão de inconstitucionalidade tempestivamente suscitada – fazendo-o em termos que o arguido não considera correctos – ao alegar que «não há falta de determinação da norma, dado que o seu âmbito de aplicação é garantido pela dupla conexão, normativa e temática e o conceito de informação é claro e preciso» (págs. 129-130 do Acórdão recorrido, constantes das fls. supra citadas).

    Afirma a decisão sumária em reclamação:

    Pretende o recorrente que o tribunal recorrido aplicou, retiradas deste preceito, as seguintes normas:

    (i) “a prestação de toda e qualquer informação sem as qualidades referidas no próprio artigo 389º, nº 1, alínea a), do CdVM, é punida com coima, sem identificar e delimitar o agente, objecto, natureza e/ou os efeitos sobre o mercado dessa mesma informação. “e

    (ii) “toda e qualquer prestação de informação sem qualidade traduz, independentemente de quem a presta e do objecto, natureza e/ou os efeitos sobre o mercado dessa mesma informação, uma contra-ordenação “muito grave”.

  5. A decisão sumária está seguramente a pensar noutro processo. O que o recorrente fez foi arguir a inconstitucionalidade in toto do art. 389.º, n.º 1, alínea a), do CdVM.

    Os enunciados que a decisão sumária refere são fundamentos em abstracto da inconstitucionalidade. O Tribunal não aplica nem deixa de aplicar fundamentos de inconstitucionalidade. Aplica normas.

    III – A segunda questão de constitucionalidade

  6. A segunda questão de constitucionalidade tem por objecto a mesma norma anteriormente mencionada, isto é, o artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do CdVM, apenas variando o respectivo parâmetro constitucional. A este propósito, o que se pretendeu questionar, do ponto de vista da conformidade jurídico-constitucional da norma, foi o facto de se considerar que a contra-ordenação é sempre «muito grave», independentemente de qualquer distinção ou caracterização, nomeadamente a qualidade singular ou colectiva, ou de outra natureza, dos agentes que prestam a informação, o objecto e a natureza desta e ainda os seus efeitos sobre o mercado. Deste modo, viola-se o princípio da necessidade e o da proporcionalidade da punição, bem como o princípio da igualdade e o da culpa, previstos nos artigos 1.º, 13.º, 18.º, n.º 2, e 27.º da Constituição.

  7. Foi precisamente estes aspectos que a decisão recorrida entendeu serem irrelevantes, ao afirmar que a «opção dqgmática de que partiu o legislador do CdVM foi a de qualificar determinadas contra-ordenaçoes como “muito graves” e de seguida tipificar as condutas ou actuações de pessoas singulares ou colectivas que as podem integrar; uma delas é a “violação dos deveres de informação”, nos termos em que procedeu o recorrente (.. ). [N]ão vemos que a não distinção da qualidade singular ou colectiva do agente constitua qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade» (cf. Ac. recorrido, pág. 130, a fls. 17.283 dos autos). Só o pôde dizer porque considerou que o preceito não sofria de inconstitucionalidade. Se sofria ou não é o que aqui está em causa.

    Não se compreende, assim, como possa a decisão sob reclamação afirmar que «o critério normativo enunciado pelo recorrente não coincide com aquele que foi verdadeiramente usado na decisão sob recurso», O que se verifica, como se deixa demonstrado, é, mais uma vez, precisamente o contrário.

    IV – A terceira questão de constitucionalidade

  8. O Recorrente invoca também a questão da constitucionalidade da norma do artigo 360.º, n.º 1, alínea f) do CdVM, segundo a qual se incluem nas atribuições de supervisão da CMVM dar ordens e formular recomendações concretas, quando o exercício de tais poderes de supervisão coloca o arguido na situação de, inevitavelmente e em alternativa, confessar a prática de um ilícito, incorrer na prática de um crime ou incorrer na prática de uma contra-ordenação. Tal norma viola os direitos constitucionais à presunção de inocência, ao silêncio e à não auto-incriminação.

  9. Quanto a esta questão a decisão sob reclamação argumentou, sem qualquer explicação suplementar, que a decisão do Tribunal da Relação sustentou coisa diversa daquela que é referida no ponto anterior da presente reclamação, isto é, que «o recorrente tinha plena consciência de que na primeira vez prestara a informação referida, a mesma não correspondia à verdade e ainda assim, ao ser questionado, com vista à informação do mercado, sobre a mesma realidade, podendo corrigir o erro e assim prestar informação verdadeira, decidiu voltar a confirmar o que sabia não ser verdadeiro» (fls. 17.290 dos autos). Ora, sucede que foi precisamente nestas afirmações da decisão do Tribunal da Relação que o Recorrente se louvou para demonstrar que a mesma havia aplicado norma cuja inconstitucionalidade havia sido, anteriormente, por si suscitada, tendo ainda acrescentado que, à luz do entendimento em causa, a CMVM pode dar ordens aos supervisionados que os coloquem na situação de confessar um ilícito anterior ou praticar novo ilícito.

  10. Não se compreende, de facto, como possa a decisão sob reclamação vir sustentar que o Tribunal da Relação não aplicou a norma no sentido que lhe é imputado pelo Recorrente, pois parece claro que a prestação de informação supostamente verdadeira em resultado do exercício dos poderes de supervisão pela CMVM implicaria, ao mesmo tempo, a confissão da prática de um ilícito anterior.

    Ou seja: parece claro que, primeiro a CMVM, e depois o Tribunal da Relação, interpretaram o artigo 360.º, n.º 1, alínea ), do CdVM, no sentido de que seria legítimo dar uma ordem ao A. que o colocasse nesta situação: ou corrigia a informação anteriormente prestada e confessava um ilícito anterior ou, recorrendo às próprias palavras do Tribunal da Relação, “tendo plena consciência de que na primeira vez prestara a informação referida [e] a mesma não correspondia à verdade”, não corrigia a informação anteriormente prestada e praticava nova infracção.

    V – A quarta questão de constitucionalidade

  11. A quarta arguição de inconstitucionalidade reporta-se agora ao Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCOC) e à norma que resulta dos artigos 54.º, n.º 1 e 2, 50.º. 430 e 58.º. todos do RGCOC, quando interpretados no sentido de considerar que, nos processos contra-ordenacionais, a fase de investigação, e com ela as actividades de obtenção de prova, fora de casos de flagrante delito ou de manifesta simplicidade de provas, e iniciada após notícia do ilícito contra-ordenacional, pode ser realizada pelas entidades adniinistrativas fora da existência de um processo contra-ordenacional formalmente instaurado – sujeito aos princípios constitucionais aplicáveis e aos regimes jurídico-processuais concretamente aplicáveis – e, por conseguinte, que a sua inexistência ou a sua realização fora daquele não geram a sua nulidade absoluta, insanável...

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