Acórdão nº 45/12 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Catarina Sarmento e Castro
Data da Resolução26 de Janeiro de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 45/2012

Processo n.º 555/11

  1. Secção

Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Nos presentes autos, vindos da Comarca do Baixo Vouga – Ovar – Juízo de Instância Criminal, o aqui reclamante, A., veio interpor recurso do despacho, proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), datado de 23 de dezembro de 2010, ao abrigo da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).

    O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso de constitucionalidade, considerando-o intempestivo, por ter sido interposto após o prazo de dez dias previsto no artigo 75.º, n.º 1, da LTC, contado a partir do momento em que se tornou definitiva a decisão de 27 de janeiro de 2011, que não admitiu o recurso ordinário interposto do despacho de 23 de dezembro de 2010.

    É desta decisão, datada de 18 de maio de 2011, que o recorrente presentemente reclama, apresentando as seguintes conclusões:

    “I. O recurso para o Tribunal Constitucional não foi admitido;

    1. Mas ao contrário da fundamentação apresentada, o recurso não é extemporâneo, nos termos do artigo 75° da LTC;

    2. O Recorrente dirigiu uma reclamação pela não admissão de recurso de um despacho proferido pelo Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para o Pleno das Secções Criminais do STJ;

    3. Essa reclamação mereceu um despacho do próprio Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que não tinha competência legal para o efeito, nem tal era admissível;

    4. O Recorrente tentando enquadrar tal conduta em mero lapso e não em denegação de justiça, suscitou nulidades e demais vícios do despacho que não admitiu a reclamação;

    5. Logo, só após a decisão sobre as suscitadas nulidades do despacho que não admitiu a reclamação, é que a mesma poderia se considerar definitiva, nos termos do disposto no n°4 do artigo 425° do CPP;

    6. Mais, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 406° do CPP, a decisão do presidente do tribunal superior é definitiva, quando confirmar o despacho de indeferimento, e não como defende a decisão reclamada após decisão do tribunal recorrido;

    7. Pelo exposto, o recurso foi atempadamente apresentado pelo Recorrente;

    8. A não admissão do recurso viola, nomeadamente, o disposto nos artigos 69°, 401°, 406°, 425º do CPP e os artigos 2°, 13°, 18°, 20°, 202° a 205°, 209° e 210° da CRP;

    Pelo que deve DETERMINAR-SE A ADMISSÃO DO PRESENTE RECURSO INTERPOSTO, PARA APRECIAÇÃO PELO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL.”

  2. O Ministério Público, no Tribunal Constitucional, defendeu o indeferimento da reclamação, aderindo à fundamentação aduzida no despacho reclamado.

    Referiu, nesta sequência, – remetendo para o referido despacho – que, atenta a natureza processualmente não admissível da peça processual apresentada pelo assistente, aqui reclamante, em 9 de março de 2011, a decisão final, relativamente à interposição de recurso do despacho de 23 de dezembro de 2010, foi o despacho de 24 de fevereiro, tendo, deste modo, a decisão recorrida transitado em 14 de março de 2011, ou seja, em data muito anterior à da entrada em Juízo do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.

    Nestes termos, relembrando que constitui jurisprudência assente deste Tribunal Constitucional que um incidente processual anómalo – como o verificado – não tem a virtualidade de suspender ou interromper o prazo de impugnação de decisões judiciais, concluiu pela justeza da decisão reclamada e consequente indeferimento da reclamação.

    O Reclamante foi notificado para se pronunciar sobre a possibilidade de a reclamação não ser deferida por a norma indicada não ser ratio decidendi, por falta de suscitação prévia, ou por não ser questionado ou devidamente delimitado um verdadeiro critério normativo, não havendo sido identificado com rigor o objeto do recurso.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II – Fundamentos

  3. Para apreciar os fundamentos da reclamação e da decisão sobre a qual a mesma recai, torna-se necessário reconstituir a tramitação processual plasmada nos autos, o que passamos a fazer:

    Com data de 23 de dezembro de 2010, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu o seguinte despacho:

    “Os produtos enviados para apreciação pelo Excelentíssimo Juiz de Instrução Criminal de Aveiro são o resultado da interceção de comunicações (interceções telefónicas e sms) em que intervém o Senhor Primeiro-Ministro.

    Vários desses produtos são aliás cópias replicadas de interceções que tinham sido apreciadas juridicamente pelo Presidente do S.T.J.

    Na opinião expressa do Senhor Juiz de Instrução Criminal de Aveiro “as aludidas comunicações não apresentam qualquer interesse, remoto que seja, para os presentes autos”.

    Uma vez que, controlados um a um todos eles, se confirma que tais produtos são inteiramente estranhos à investigação dos autos a que se referem, aplica-se-lhes o regime fixado no artigo 188, n.°6 do C.P.P.

    Deste modo, retomando os fundamentos do despacho de 26 de janeiro de 2010 e de 18 de junho de 2010, ordeno a sua destruição imediata, nos termos do artigo 188, n.°6, al. c), do C.P.P.”

    Por tal despacho conter uma remissão integrativa para os despachos de 26 de janeiro e de 18 de junho de 2010, transcrevem-se igualmente os mesmos:

    “1. O Senhor Procurador-Geral da República remeteu uma certidão, extraída do inquérito n° 326/08.IJAAVR, da comarca do Baixo Vouga, para ser apreciada a interceção, no âmbito de diligências determinadas naquele inquérito, de uma conversação telefónica em que interveio o Primeiro-Ministro.

    Trata-se, de acordo com o que refere o despacho do Senhor Procurador-Geral, de uma comunicação que constitui o produto …, relativo ao alvo …, que ocorreu no dia 6 de agosto de 2009, pelas 11 h e 48 m, e que, segundo os investigadores, foi iniciada por Armando Vara como um tal “Carlos”, que passou o telefone a uma terceira pessoa, que veio a ser identificada como sendo o Primeiro-Ministro.

    Tendo-se verificado que na referida conversação intervinha o Primeiro-Ministro, o Senhor Procurador-Geral considera que a respetiva transcrição dependia de autorização do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que não ocorreu, com a consequente nulidade dos atos relativos à gravação e transcrição da conversação — artigos 187°, nºs. 1, 2 e 8 e 188°, 11º, n° 2, alínea b) e 190° do CPP.

  4. Nos despachos de 3 de setembro e de 27 de novembro, proferidos sobre requerimentos do Senhor Procurador-Geral, no uso da competência definida no artigo 11º, n° 2, alínea b) do CPP, foi já apreciada a regularidade de comunicações telefónicas em que intervinha o Primeiro-Ministro.

    A comunicação que vem agora referida, intercetada, gravada e objeto de relatório a que se refere o artigo 188°, n° 1 do CPP, em condições idênticas às que foram apreciadas nos referidos despachos, terá de ser objeto de solução idêntica.

    O Senhor Procurador-Geral não considera que o conteúdo do produto 191 possa ter alguma relação com a matéria investigada no processo de onde foi extraída a certidão, ou que possa constituir conhecimento fortuito nos termos do artigo 187°, n° 7 CPP.

    O conteúdo de tal produto cabe, assim, no âmbito do artigo 188°, n° 6, alínea c) do CPP, uma vez que a gravação da conversação, e a indicação de passagens no relatório elaborado, de conteúdo estranho ao processo, afetam direitos e liberdades das pessoas envolvidas, nomeadamente o direito fundamental à palavra e à autodeterminação informacional.

    Os respetivos suportes técnicos e os relatórios da conversação que constituem o produto 191 devem, assim, ser destruídos, como determina o artigo 188° n°6 do CPP.

    3-Nestes termos, determino a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios que constituem o produto 191 - art. 188° n° 6, alínea c) do CPP.”

    **

    “Os produtos enviados para apreciação são o resultado da interceção de duas comunicações (sms) em que intervém o Primeiro-Ministro.

    O juiz de instrução envia os produtos para apreciação, referindo, contudo, que “não têm qualquer interesse para a investigação em curso”.

    Refere, também, que foram conservados “em conformidade com o preceituado no artigo 188, n° 12 CPP”.

    Porque tais elementos são inteiramente estranhos à investigação em que foram intercetados, como resulta do seu próprio conteúdo, aplica-se-lhes o regime fixado no art. 188, n°6 CPP.

    Deste modo e retomando os fundamentos do despacho de 26 de janeiro de 2010, para situação idêntica, ordeno a sua “destruição imediata”, nos termos do art. 188, n°6, alínea c) CPP. ”

    Inconformado, o assistente – aqui, reclamante – interpôs recurso do referido despacho de 23 de dezembro de 2010, para as Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça.

    Por despacho de 27 de janeiro de 2011, proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, tal recurso não foi admitido, nos seguintes termos:

    “Não recebo o recurso interposto pelo assistente A. pelos motivos seguintes:

    1. ) tal recurso foi interposto na sequencia do despacho proferido em 28/12/2010 pelo Senhor Juiz do T.C.I.C. que mandava notificar aos intervenientes processuais o despacho proferido por mim em 23/12/2010;

    2. ) o despacho do Senhor Juiz do T.C.I.C. foi declarado nulo por incompetência material, por despacho por mim proferido em 27/1/11 já que — à face da lei — àquele magistrado não cabiam poderes legais para determinar a notificação de um despacho que o presidente do S.T.J. não mandara notificar;

    3. ) daí que não caiba recurso de despacho não notificável e de quem, por isso, é parte ilegítima para o interpor;

    4. ) nunca — de qualquer forma - caberia recurso, neste caso, para as Secções Criminais do S.T.J.;

    5. ) por último, e a latere, dir-se-á que não cabe recurso de qualquer despacho do M.ºP.º (maxime do PGR) porque não estamos perante um ato jurisdicional.

    Notifique. ”

    O assistente apresentou, então, requerimento de arguição de irregularidades, concluindo pela invalidade do referido despacho de não admissão.

    Igualmente, reclamou, nos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT