Acórdão nº 277/11 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução06 de Junho de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 277/2011

Processo n.º 16/11

  1. Secção

    Relator: Conselheiro João Cura Mariano

    Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

    Relatório

    O Conselho Superior da Magistratura, na Sessão Plenária de 19 de Janeiro de 2010, deliberou instaurar um processo disciplinar e suspender preventivamente de funções, nos termos do artigo 116.º, da Lei 21/85, de 30 de Julho, que aprovou o Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), a Juíza A., então a exercer funções na Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal.

    Esta juíza interpôs recurso da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão proferido em 16 de Dezembro de 2010, considerou inútil a prossecução da lide, declarando extinta a instância.

    Inconformada com esta decisão, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, nos seguintes termos:

    “As normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada são as dos artºs 116º e 158º, nº 3 da EMJ, 135º do Cod. Proc. Administrativo, e também os dos artºs 287º al. e) do CPC e 1º do CPTA.

    E os preceitos e princípios constitucionais que se entende terem sido violados pelas referidas normas, se e quando interpretadas e aplicada na vertente normativa em que o foram no Acórdão recorrido, são os dos artºs 6º da CEDH (recebido na ordem jurídica interna cx vi do artº 8º da CRP) e bem como 268º, nº 4 e 212º, nº 3, 2º, 20º nºs 1 e 5 e 32º, nºs 1, 2 e 10 bem como 268º, nº 4 e 212º, nº 3 todos da CRP.”

    Convidada a completar o requerimento de interposição de recurso de forma a indicar qual o conteúdo das interpretações normativas sustentadas pela decisão recorrida, cuja constitucionalidade pretendia ver fiscalizada, a Recorrente apresentou novo requerimento, com o seguinte teor, além do mais:

    “…A decisão recorrida fez uma interpretação e aplicação do artº 116º do EMJ com uma vertente normativa no sentido de possibilitar que um Juiz de Direito (para mais sem processo disciplinar e sem proposta do respectivo instrutor, mesmo depois de aquele ter sido instaurado e este ter sido notificado) possa ser imediatamente suspenso do serviço sob a mera invocação de uma mera fórmula abstracta e tabelar de juízos valorativos e conclusivos, e sem a indicação de um único facto concreto mas a partir de uma mera “informação e de uma “proposta” apresentadas por quem não tem poderes de instrutor, e não sujeitas a qualquer espécie de contraditório ou de controle de legalidade (tendo-se mesmo revelado de todo incorrectas) e que tal acto administrativo não padeceria de qualquer vício, interpretando e aplicando também o artº 135º do CPAd. de modo que inutiliza por completo a sindicabilidade contenciosa e a tutela jurisdicional efectiva contra os actos lesivos, previstas no artº 268º, nº 4 da CRP,

    Tal vertente normativa viola o conteúdo essencial dos direitos fundamentais às máximas garantias de defesa nos processos de natureza sancionatória, ao acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, a um processo justo equitativo e à presunção de inocência, consagrados nos já citados artºs 6º, nº 1 e 2 do CEDH e 2º, 20º, nº 1, 5 e 32º, nº 1, 2 e 10 da CRP.

    Por outro lado, a decisão recorrida aplicou também o artº 168º, nº 1 e 2 do EMJ na vertente normativa de que esta procede à atribuição de competência para conhecer da impugnação contenciosa dos actos administrativos praticados pelo CSM, como o são as decisões em matéria disciplinar do Conselho Superior da Magistratura, não aos Tribunais Administrativos e Fiscais como determina o artº 212º, nº 3 da CRP mas ao Supremo Tribunal de Justiça e, mais especificamente ainda, a uma Secção “ad hoc” deste – constituída pelo mais antigo dos seus Vice-Presidentes, que tem voto de qualidade, e por um Juiz de cada uma Secção, anual e sucessivamente designado pelo Presidente do STJ, que é simultaneamente o Presidente do Conselho Superior da Magistratura (artº 137º, nº 1 do EMJ) ! – e assim tal norma é, no entender do recorrente, desde logo materialmente inconstitucional por violação do supracitado artº 212º, nº 3 da CRP.

    É que as relações que se estabelecem entre os magistrados judiciais e o órgão competente para sobre eles exercer a acção disciplinar [ou seja o CSM, “ex vi” do artº 149º, al. a) do EMJ] são, inequivocamente, relações administrativas e os actos em tal sede claramente verdadeiros e próprios actos administrativos, sendo que o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto a impugnação de tais actos está constitucionalmente atribuído, pelo já diversas vezes citado artº 212º, nº 3 da CRP, aos Tribunais Administrativos e, logo excluído dos Tribunais Judiciais, cuja jurisdição só abrange as áreas atribuídas a outras ordens judiciais (artº 211º, nº 1 da mesma CRP).

    E, por outro lado, o mesmo artº 168º, nº 2 do EMJ, ao atribuir a competência para julgar os actos do CSM que é presidido pelo Presidente do STJ a uma Secção do mesmo STJ, presidida pelo mais antigo dos Vice-Presidentes deste e constituída por ele e por Juízes das Secções designados pelo mesmíssimo Presidente, violenta por completo o artº 6º do CEDH (inteiramente vigente na Ordem Jurídica interna portuguesa por força do artº 8º, nº 2 da CRP) na vertente do direito de todos os cidadãos, incluindo os Juízes, a um processo justo e equitativo, até por a entidade “ad quem” não ser verdadeiramente, e muito menos aparecer como tal aos olhos da comunidade, como distinta e, sobretudo, como distanciada da Entidade a quo, como o imporia a salvaguarda da exigência do julgamento desses processos por um Tribunal independente e imparcial.

    E afigura-se meridianamente evidente que Justiça não aparece à comunidade como sendo feita com a atribuição à Secção “ad hoc” do STJ da competência para julgar os recursos das decisões, em matéria disciplinar, do CSM, no âmbito das relações administrativas que em tal campo, se estabelecem entre aquele órgão (CSM) e os magistrados judiciais.

    Por outro lado, a recorrente mantinha, e mantém, pleno e legítimo interesse em obter uma decisão que, desde logo, declarasse a falta de fundamento legal do acto aqui impugnado, não apenas para definição da sua situação jurídica futura [Juíza no pleno exercício das suas funções ou Juíza com a “capitis diminutio” de meramente adstrita exclusiva e parcelarmente (apenas) à Jurisdição cível], mas que também esclarecesse e definisse, com poder de autoridade, se o acto impugnado tinha ou não fundamento legal e, consequentemente, qual a sua situação jurídica face ao mesmo.

    Havendo o acto recorrido atingido os direitos e interesses legítimos da recorrente nos termos e com os fundamentos alegados no próprio requerimento de recurso – e os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos – o recurso jurisdicional efectivo contra actos lesivos como o aqui impugnado é um direito fundamental consagrado nos artºs 268º, nº 4 e 20º, nº 1 da CRP, beneficiando, à luz do artº 17º da vinculação e força jurídica afirmada no artº 18º da mesma Lei Fundamental,

    Assim, a norma da al. e) do artº 287º do CPC – interpretada e aplicada pela decisão recorrida, sob a invocação da remissão do artº 1º do CPTA, na exacta vertente normativa que conduz a esse resultado (considerando verificada uma pretensa inutilidade ou impossibilidade superveniente da presente lide, por os efeitos da decretada suspensão preventiva objecto do recurso terem alegadamente sido – e não o foram, muito menos de modo completo – entretanto extintos pela supra-referenciada deliberação da entidade a quo), padece de óbvia inconstitucionalidade material (por violação dos já citados artºs 268º, nº 4 e 20º, nº 1, ambos da CRP),

    Ficam assim suficientemente explicitadas as interpretações dos preceitos oportunamente indicados pela recorrente, que foram sustentadas na decisão recorrida e que representam, como se viu, a interpretação e aplicação de normas que, nessa vertente normativa, se revelam violadoras dos preceitos e princípios constitucionais igualmente já supra – indicados.”

    Apresentou posteriormente alegações com as seguintes conclusões:

    “1ª As normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, os preceitos e princípios constitucionais que elas – na vertente normativa em que foram aplicadas pelo Acórdão recorrido – violaram e as peças processuais onde tal inconstitucionalidade foi arguida foram clara e suficientemente indicados no requerimento de interposição do presente recurso.

  2. O qual respeitou integralmente os requisitos formais e substanciais do artº 75º-A da LTC.

  3. E foram de novo e mais amplamente explicitados na peça de resposta ao despacho liminar do Sr. Juiz Conselheiro Relator. Por seu turno,

  4. A advertência feita no despacho de fixação de prazo para alegações acerca da possibilidade de não conhecimento do mesmo recurso não tem bastante fundamento legal e antes corporiza uma versão hiper-formalista do processo (que a Lei e o Direito não admitem) e um verdadeiro pretexto para o não conhecimento do mérito das questões.

  5. O actual regime de custas do Tribunal Constitucional – nos termos do qual é possível a este fixar custas muito superiores às que resultariam do regime geral e de valor extremamente elevado, e, além disso, tais custas constituem receita corrente do próprio TC, torna esta entidade objectivamente interessada num dado desfecho (desfavorável aos recorrentes) dos recursos em apreciação e contraria o direito de todo o cidadão, consagrado no artº 6º do CEDH, ao julgamento da sua causa num processo justo e equitativo perante uma entidade isenta e imparcial.

  6. Além de possibilitar que os Tribunais “a quo” possam eximir-se à fiscalização da constitucionalidade das normas usando do subterfúgio de não invocar expressamente em seu abono a aplicação de qualquer norma (embora esta, evidentemente, ocorra).

  7. A tese consagrada no Acórdão recorrido é a de que o CSM pode livremente suspender juízes do exercício das suas funções, sem...

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