Acórdão nº 077/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA MAÇÃS
Data da Resolução12 de Abril de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

I. Relatório 1.

A………, identificada nos autos, deduziu impugnação judicial, no TAF de Aveiro, contra a liquidação adicional de IRC de 2001, 2002 e 2003, bem como à liquidação de juros de mora e de juros compensatórios, que foi julgada procedente pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, com a consequente anulação das liquidações impugnadas.

  1. Inconformada, a Fazenda Pública veio recorrer para este Supremo Tribunal terminando as alegações com as seguintes conclusões: “1. De acordo com o preceituado no artigo 1º do CIRC, o Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Colectivas incide sobre todos os rendimentos obtidos por determinadas pessoas colectivas durante um certo período de tempo.

  2. A impugnante é uma sociedade comercial, sujeito passivo de IRC, pelo que os seus rendimentos estarão, em princípio, sujeitos à tributação daquele imposto.

  3. O artigo 7.° do CIRC determina que não estão sujeitos a IRC os rendimentos directamente resultantes do exercício de actividade sujeita ao Imposto Especial de Jogo, pelo que, todos aqueles que escapam ao campo de incidência deste último imposto já estarão sujeitos a IRC.

  4. A douta decisão recorrida, suportada na prova testemunhal produzida, concluiu que a impugnante exerce as actividades de exploração de jogo e hoteleiras.

  5. Logo, estando esta última actividade sujeita a IRC, é evidente que tributação nesta sede terá necessariamente que abranger as despesas confidenciais.

  6. A douta sentença recorrida, partindo da inexistência de qualquer indício capaz de revelar outra actividade para além das que estão contempladas no contrato de concessão, exclui a possibilidade de tributação em sede de IRC, acabando por eleger, como único critério para avaliar a conexão de uma actividade com a exploração do jogo, a simples circunstância da dita actividade ser ou não imposta pelas cláusulas do contrato de concessão.

  7. Porém, o desenvolvimento da actividade económica do sector hoteleiro, ainda que esteja previsto no contrato de concessão, não se pode confundir com os rendimentos provenientes dos jogos de fortuna e azar, pois está sujeito e não isento de IRC.

  8. A exclusão em sede de IRC, bem como a sua sujeição dos rendimentos oriundos do jogo a um regime distinto, prendem-se com a especial acuidade que deve estar subjacente a esta tributação.

  9. Nada se sabendo quanto à natureza, origem e finalidade de tais despesas, as mesmas deverão ser tributadas autonomamente, por força do artigo 4.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 192/90, de 9 de Junho, e do artigo 31.° da Lei n.° 87-B, de 31 de Dezembro, uma vez que a Impugnante não logrou provar que os encargos concretamente decorrentes destas despesas confidenciais estão relacionados com a exploração do jogo”.

  10. A………, S. A., veio contra-alegar, concluindo nos termos que se seguem: “A. O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou totalmente procedente a impugnação.

    1. Para tal decisão, entendeu o tribunal a quo que nos autos foi produzida prova susceptível de permitir a constatação como facto de que “a impugnante exerce actividades de exploração de jogo e actividades hoteleiras” e de que “tais actividades derivam única e exclusivamente do contrato de concessão de exploração de jogo celebrado entre o Estado Português e a impugnante”. Para o referido tribunal ficou claro, pois, que “tendo em atenção o regime estipulado por tais contratos, a impugnante unicamente, mediante contrapartidas, explora a lucrativa actividade de jogo e, sequencialmente, também unicamente, por força de tais contratos, desenrola actividade económica no sector hoteleiro”.

    2. Com base nestas acepções, e no disposto no artigo 84° do Decreto-Lei n° 422/89, de 2 de Dezembro, concluiu o tribunal “que apesar da impugnante ser uma sociedade e, como tal, sujeita de IRC, uma vez que nenhum indício resulta de que exerce qualquer actividade económica que não aquelas a que está obrigada pelos já referidos contratos, não pode a mesma ser tributada em sede de IRC”, designadamente ao nível das suas despesas confidencias.

    3. No entanto, entendeu a Fazenda Pública que, contrariamente ao decidido, e “admitindo que a impugnante desenvolvia a actividade de jogo e hoteleira, as despesas confidenciais que não se enquadrassem na primeira hipótese seriam tributadas em sede de IRC, de acordo com o regime geral”.

    4. De acordo com a fundamentação respectiva, é imputado à impugnante, ora recorrida, o exercício de duas actividades, uma delas, de jogo, obviamente excluída de tributação em sede de IRC, e outra, de gestão hoteleira, que, não sendo directamente conexa com aquela, embora com dela directamente resultante — porque decorrente do mesmo contrato de concessão —, deve considerar-se sujeita e não isenta deste imposto.

    5. Para reforço desta sua argumentação, veio a Administração fiscal colocar em crise o critério que presidiu à avaliação, pelo tribunal recorrido, daquele que considerou ser o elemento essencial à definição do correcto enquadramento fiscal dos encargos confidenciais incorridos pela impugnante. Com efeito, de acordo com a recorrente, o tribunal a quo avaliou mal o elemento “conexão de uma actividade com [a actividade de] exploração de jogo”: em vez de avaliar a conexão de uma actividade com a exploração do jogo com base na “simples circunstância da dita actividade ser ou não imposta pelas cláusulas do contrato de concessão, o tribunal recorrido deveria, na opinião da Administração fiscal, tê-lo feito com base no critério da “confundibilidade” (isto é, o tribunal recorrido deveria ter verificado se “o desenvolvimento da actividade económica do sector hoteleiro, ainda que esteja previsto no contrato de concessão, [se pode ou não] confundir com os rendimentos provenientes dos jogos de fortuna e azar”).

    6. Na sua alegação, a Fazenda Pública invoca, contudo, designadamente no ponto 9 das suas conclusões, matéria de facto que contraria a estabelecida no probatório. Esta circunstância obsta, desde logo, ao conhecimento do mérito do presente recurso por este Supremo Tribunal Administrativo, devendo, pois, este tribunal, a título prévio, ser declarado incompetente em razão da hierarquia.

    7. Além disso, a recorrente erra na mobilização dos conceitos legais aplicáveis por força das disposições normativas convocadas na fundamentação jurídica da decisão recorrida.

      I. No caso em análise, e ao contrário do que propugna o digníssimo Representante da Fazenda Pública, está em causa, para efeitos da aferição do tratamento fiscal a conferir às despesas confidenciais registadas pela impugnante, o exercício de uma actividade sujeita ao imposto especial de jogo e, bem assim, de uma actividade a que impugnante está obrigada a exercer nos termos dos contratos de concessão que celebrou — e pelo período em que estes se mantêm em vigor — e que, por isso, não pode senão deixar de se considerar uma actividade geradora de rendimentos directamente resultantes do exercício da actividade sujeita ao imposto especial de jogo, na acepção dos normativos legais contidos nos citados artigo 7° do CIRC e artigo 84.° do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro.

    8. O exercício que se impõe não é, por isso, o de aferir se os rendimentos gerados pelo exercício da actividade hoteleira são ou não “confundíveis” com os rendimentos gerados pelo exercício da actividade de jogo: eles são naturalmente especializáveis e susceptíveis de um apuramento analítico, K. mas antes o de determinar se os rendimentos gerados pelo exercício da actividade hoteleira são directamente resultantes — se são causa de/gerados em virtude de — do exercício da actividade de jogo, sujeita a imposto especial de jogo.

      L. E, naturalmente, esta aferição não pode ser desassociada da verificação in casu da circunstância de o exercício daquela primeira actividade constituir uma decorrência das obrigações assumidas pela impugnante no âmbito dos contratos de concessão que estão na base do exercício desta última.

    9. Uma coisa é saber se as actividades em causa são confundíveis — bem como os respectivos rendimentos —‘ no sentido de que constituem partes de um todo indissociável. Coisa diferente é saber se as actividades em causa são relacionadas, se convivem numa relação de dependência do tipo causa/efeito, meio/resultado.

    10. Ora, foi este o critério que o tribunal a quo utilizou na douta sentença que proferiu: o tribunal recorrido cuidou — e bem — da verificação dos factos que tomassem possível a aplicação em concreto do direito com base no qual o legislador fez depender a tributação em sede de IRC dos rendimentos provenientes de uma ou outra actividades (e, concomitantemente, a tributação nesta sede das despesas confidenciais relacionadas com qualquer uma delas).

    11. Ao assentar na factualidade descrita nos pontos 1 a 15 do Capítulo III da sentença, o tribunal recorrido orientou a sua decisão no sentido de enquadrar fiscalmente os rendimentos provenientes do exercício das actividades de jogo e hoteleira à luz da configuração legal que lhe teria sido atribuída em termos contratuais (por força dos contratos de concessão que lhes dão causa). Nesta sede, concluiu que, nos termos dos contratos de concessão celebrados com o Estado português, à impugnante é concedida a exploração de jogos em determinadas circunscrições territoriais e, por causa dessa concessão, imposta a actividade de exploração hoteleira, como acessória ou estritamente conexa (relacionada/complementar) com aquela (de exploração de jogos).

    12. Assim, o tribunal mais não fez do que ir ao encontro das exigências legais de configuração de ambas as actividades como actividades excluídas de tributação para efeitos de IRC: o tribunal subsume criteriosamente a situação fáctica ao direito mobilizável, concluindo que não estão sujeitos a TRC os rendimentos directamente resultantes do exercício de actividade sujeita ao imposto especial de logo, entendendo-se estes como os rendimentos relativos ao exercício da actividade do jogo e de outra actividade a que a empresa...

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