Acórdão nº 03920/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Abril de 2012
Magistrado Responsável | TERESA DE SOUSA |
Data da Resolução | 19 de Abril de 2012 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Vem interposto recurso do despacho do TAF de Almada que ordenou “a suspensão da instância até ser proferida decisão sobre a questão que integra a excepção da compensação invocada pelo R.”.
Em alegações são formuladas as seguintes conclusões: 1. Ao contrário do decidido pelo douto despacho recorrido, é de concluir pela inadmissibilidade da pretendida compensação invocada pelo Recorrido, em face da proibição consagrada na alínea c) do n.º 1 do artigo 853.º do Código Civil.
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Conforme decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, Ac. de 7/7/2005 (R. 47 540), tf Acs. Dout. STA, 527, 1719: "A proibição contida na alínea c), do n° 1, do artigo 853°, do C.C., de que não podem extinguir-se por compensação, aos créditos do Estado ou de outras pessoas públicas, excepto quando a lei o autorizar», abrange não só as situações em que os particulares invocam a compensação do seu crédito sobre o Estado, como a situação inversa." 3. Com efeito, se a razão genericamente invocada para a proibição da compensação do tipo de créditos em causa é a da perturbação que da sua admissibilidade adviria para as contas públicas, igual razão haverá para proibir, quer a compensação de créditos contra as entidades públicas, quer a compensação por elas invocada.
Subsidiariamente...
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Não é também possível ao Recorrido invocar a compensação de créditos nos presentes autos, porquanto tal invocação comporta a violação das regras da litispendência.
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Na verdade, o Município de Setúbal (ora Recorrido), por um lado como Autor, no pedido que formulou na acção 708/05.4 BEALM, e por outro, como Réu, no pedido implicitamente formulado, correspondente ao (contra)crédito que invocou como fundamento da compensação que declarou por via da presente acção, pediu exactamente o mesmo, contra a mesma contra parte e com o mesmo específico fundamento de facto e de direito (e, portanto, com a mesma causa de pedir).
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A esta "situação": pendência, entre as mesmas partes, do mesmo pedido, com a mesma causa de pedir, em acções diferentes simultaneamente em curso, chama-se, em Processo Civil, inquestionavelmente, litispendência.
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Não tem qualquer relevância para o efeito que, quanto a nós, "contra legem" (cfr. artigo 274.°, n.°1, al. b), do CPC: "A reconvenção é admissível (...) quando o réu se propõe obter compensação (...)") e dogmaticamente mal, tal compensação venha qualificada e processualmente enquadrada como excepção peremptória.
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Tal litispendência seria, é verdade, perfeitamente evidente se, cumprindo-se a letra da lei, a compensação tivesse, como devia, sido processualmente tratada como reconvenção, dado que o pedido reconvencional é formalmente uma nova instância, como uma nova acção enxertada em acção pendente (v., por exemplo, o regime da desistência do pedido, que não prejudica o pedido reconvencional, cf. artigo 296.°, n.°2, do CPC).
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Para boa parte da doutrina, a compensação alegada pelo Réu tem, com efeito, sempre natureza de reconvenção. Veja-se, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9a Edição, Almedina, pág. 1034: "Inclinamo-nos para considerar que a declaração de compensação, efectuada em processo pendente, se enquadra melhor no regime da reconvenção, abstraindo por completo do confronto de valores entre o crédito principal e o contracrédito. Importa, na verdade, ter presente a natureza do fenómeno compensatório, que se traduz/ numa auto-realização do crédito do compensante e não em mera invocação, ou seja, como excepção de um facto extintivo do crédito principal. Esta doutrina, mais conforme à letra da lei, parece preferível do ponto de vista dogmático, enquanto evita distorções entre o direito substantivo e o direito adjectivo, e oferece a vantagem da simplicidade prática." 10. Mas mesmo que assim não seja, e se qualifique, "primae facie", a compensação como excepção (peremptória), avisadamente diz o Professor Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2a Edição, Coimbra Editora, pp. 330 a 333, o seguinte: o contracrédito deduzido pelo réu, em compensação, não pode ser judicialmente apreciado à margem dos pressupostos processuais, como a competência, a legitimidade, a capacidade judiciária, a litispendência ou o caso julgado, que directamente lhe respeitem (...) " [sublinhado nosso].
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Ora, no caso em apreço, o ora Recorrido confessou, logo no artigo 1.° da Contestação, corresponderem à verdade todos os factos alegados pela ora Recorrente na Petição Inicial e, para fundamentar a excepção de compensação alegada, o Réu teve necessidade de dar por reproduzidos os fundamentos constantes da petição inicial que motivaram a sua pretensão contra a aqui Autora no âmbito do processo 708/05.4 BEALM.
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A identidade entre a presente causa e aquela foi, aliás, reconhecida pelo próprio despacho recorrido, onde se lê: "Acontece que o conhecimento da excepção invocada, na presente causa, corresponde ao conhecimento da acção n.º 708/05.4 BEALM (…," cfr. último parágrafo de fls. 21 do douto despacho.
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Com efeito, a causa de pedir naquela acção é a mesma causa de pedir que fundamenta a excepção neste processo invocada - do ponto de vista do ora Réu, a pretensão deduzida por este em ambas as acções procede exactamente dos mesmos factos jurídicos (o Crédito é o mesmo); tanto assim é que o Réu dá por reproduzidos neste processo os factos que sustentaram o pedido naquele processo.
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Por seu turno, os pedidos (o do Réu, implicitamente, na presente acção e aquele que formula enquanto Autora naquela acção) são coincidentes, pelo menos, até à medida do crédito da Autora sobre o Réu, posto que, numa e noutra acção, o Município de Setúbal pretende operar a satisfação do seu crédito, seja por via da obtenção do pagamento, seja por operando a compensação.
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De igual modo, as partes são as mesmas e encontram-se, do ponto de vista da sua qualidade jurídica, exactamente na mesma posição - em ambos os casos, o Município se apresenta como credor e a Águas do Sado, como devedora.
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Estão, pois, rigorosamente preenchidos os requisitos da litispendência previstos no artigo 498.° do CPC, circunstância que, aliás, é reconhecida, de passagem, pelo Réu no artigo 7.° da Contestação.
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Ademais, note-se que a cumulação simultânea das posições presentemente assumidas pelo Município de Setúbal nas duas acções em causa conduz, em caso de procedência das suas posições creditícias, a um resultado abusivo.
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O Município de Setúbal reconhece, substancialmente, no presente processo ser, quando muito (e mesmo assim sem razão), credor da ora Autora apenas no montante correspondente à diferença entre o crédito por aquele reclamado na acção com o n.° 708/05.4 (€1.245.564,94) e o crédito reclamado pela ora Recorrente nos presentes autos (€ 716.327,10). Ou seja, considera-se credor no montante de € 529.237.84.
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Todavia, no plano estritamente processual, o Município de Setúbal cumula pretensões que vão muito para além do seu reflexo substantivo, mesmo considerando apenas (e sem conceder, obviamente) a tese materialmente por si adoptada.
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Repare-se, o Município de Setúbal opõe à Recorrente o mesmo crédito que integralmente invoca no outro processo supra referido, com a finalidade de extinguir o contra-crédito desta, o que faz nos presentes autos por via da declaração de compensação. E correspondendo a declaração de compensação, para mais, ao "exercício de um direito potestativo, cujos efeitos se produzem na esfera jurídica da outra parte mesmo sem o seu consentimento ou contra a sua vontade" [cfr. Ac. STJ n.° 98811, de 51.12.1998, in www.dgsi.pt] verifica-se que o Município de Setúbal potestativamente extinguiu o seu crédito infundado na exacta medida do contracrédito da Recorrente. Ou seja, da posição processual por si assumida decorre necessariamente que, para o Município, o seu crédito é apenas de € 529.237,84.
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Mas, simultaneamente, continua a reclamar esse mesmo crédito por inteiro nos auto: com o n.º 708/05.4 BEALM. Com efeito, o Município de Setúbal não procedeu à redução dó pedido nesses autos. Deste modo, o alegado crédito de que o Município de Setúbal se reclama titular seria artificialmente inflacionado, passando a corresponder ao montante de €...
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