Acórdão nº 358/2008-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Março de 2008
Magistrado Responsável | ANA LUÍSA GERALDES |
Data da Resolução | 06 de Março de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
ACÓRDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - 1. "Tr... - ...Lda." instaurou a presente acção declarativa condenatória, de impugnação pauliana, com a forma de processo ordinário contra: "M...., Lda." A... e L..., Pedindo a condenação dos RR. a reconhecer que o contrato de compra e venda que celebraram entre si, dos imóveis identificados nos autos, é ineficaz em relação à A. e que os RR. sejam condenados à restituição desses bens imóveis ao património da 1ª Ré, bem como a reconhecerem que a A. os pode executar até integral satisfação do montante do seu crédito e legais acréscimos. Ou, em alternativa, pedem a condenação dos 2º e 3ºs RR. a pagar à A. a quantia de € 53.843,39, acrescida dos juros supletivos legais comerciais à taxa de 12%, calculados desde 13-09-2002, sobre a quantia de € 50.320,93, até integral e efectivo pagamento.
Para tanto, alega a A. que: A A. tem por objecto o transporte nacional e internacional de mercadorias e a 1ª Ré organiza todo o expediente de cariz burocrático de contratação de transportes de mercadorias dentro e fora do território nacional.
A A. e a R. M..., Lda., estabeleceram diversas vezes relações comerciais entre ambas, nomeadamente no período compreendido entre Setembro de 1992 e Agosto de 1994, tendo o saldo da conta corrente atingido, em 15.10-1994, o montante de Esc. 10.088.442$70 (€50.320,93 Euros), débito que a empresa Ré manteve com a A. sem demonstrar qualquer intenção na sua liquidação.
A A. viu-se forçada a solicitar o seu crédito judicialmente, tendo a empresa Ré sido condenada em 28-01-2002, na acção ordinária nº 166/1999, por decisão transitada em julgado, a pagar à A. a quantia de Esc. 10.088.442$70 = 50.320,93 Euros, acrescida dos respectivos juros comerciais.
Porém, a empresa Ré não pagou a quantia em que foi condenada, apesar de instada, várias vezes a fazê-lo, tendo a A. instaurado execução de sentença peticionando o pagamento daquela importância, onde nomeou todos os bens móveis susceptíveis de penhora encontrados na sede da empresa ora Ré.
A Ré enquanto dona e legitima possuidora do imóvel urbano, sito na Rua ..., no qual estava e continua a estar instalada a sua sede, transferiu os únicos bens que integravam o seu património à data da constituição do débito para com a aqui A., tendo a empresa Ré, por escritura pública de compra e venda outorgada em 31-7-96, no ... Cartório Notarial de Lisboa, e ali representada pelo Réu marido, vendido à Ré mulher L..., o dito imóvel, e ficado sem património capaz de cabalmente responder perante os credores.
Sendo certo que os bens objecto da escrituram valiam bem mais de Esc. 30.000.000$00, ou seja, € 150.000,00.
O 2º Réu e a Ré mulher constituem um casal, casados entre si, são ambos os únicos sócios da empresa Ré, sendo o 2º Réu o seu único sócio gerente.
Com tal conduta os 2º e 3º RR. quiseram esvaziar a empresa Ré de todo o seu património para que a A. não pudesse receber o que lhe pertencia e assim, impedir a satisfação do crédito da A.
E tanto assim que, apesar de transmissão, a empresa Ré vem mantendo no 3º andar direito (fracção D) os seus escritórios, onde, até hoje e desde a sua fundação, ali recebem os seus clientes e tem lugar todo o expediente do seu negócio.
Pelo que deve ser julgada procedente a acção.
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Contestaram os RR., por excepção e por impugnação, nos seguintes termos: - o foro competente para apreciar o pleito é o de Lisboa; - a petição inicial é inepta porque a A. formula um pedido adequado a uma acção de condenação e não pode pedir a procedência da impugnação pauliana e, em alternativa, a condenação dos 2°s RR. no pagamento do valor correspondente ao seu crédito, porquanto viola o art. 468° do CPC; - o direito de impugnação caducou pois a escritura de compra e venda objecto de impugnação foi outorgada em 31-07-96 e a presente acção só foi proposta em 12-12-02; - a 2ª Ré não é nem nunca foi gerente da empresa Ré, carecendo de legitimidade substantiva para ser demandada pela A., pelo que deve improceder o 2° pedido.
- a conduta dos 2° e 3ºs RR. ocorreu na data em que foi outorgada a respectiva escritura pública de compra e venda, isto é, em 31-07-96, pelo que o alegado direito da A. se extinguiu em 31-07-01, muito antes da propositura da presente acção (12-12-02).
Argumentam, ainda, quanto à venda efectuada, que a mesma só ocorreu porque a empresa Ré não tem possibilidades de fazer face à quantia em que foi condenada (e que reconhece dever à A. - no valor de 10.088.442$70, acrescida de juros de mora) e porque ainda não fora notificada do requerimento executivo.
O negócio resultou de uma opção de gestão da 1ª Ré que acreditava que com a sua realização poderia garantir a sua sobrevivência, pois precisava de realizar rapidamente um encaixe financeiro significativo.
Acresce que os imóveis em causa não eram os seus únicos bens com valor, pois integravam o património da 1ª Ré, bens móveis, saldos bancários, direitos de crédito, nomeadamente sobre clientes, etc., cujo valor total excedia o dos referidos imóveis e em montante mais do que suficiente para fazer face ao crédito invocado pela A.
A escritura de compra e venda foi outorgada antes da empresa Ré ter sido citada para contestar a acção ordinária - Proc. nº 166/1999.
Concluem, assim, os RR. pedindo a procedência da excepção de incompetência territorial e que seja declarada inepta a petição inicial e nulo todo o processo, absolvendo-se os RR. da instância.
Pedem, ainda, que sejam julgadas procedentes as excepções de: - caducidade do direito de impugnação pauliana, absolvendo os RR. do pedido; - ilegitimidade substantiva da Ré L..., absolvendo-a do segundo pedido; - prescrição, absolvendo os RR. do 2° pedido.
Em qualquer caso, os RR. propugnam pela improcedência da acção e pela consequente absolvição dos pedidos.
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Replicou a A. invocando, a propósito, que inexiste contradição nos pedidos, não sendo inepta a p.i., pois pretende a declaração de ineficácia do acto em relação à A.
Enquanto a escritura da venda não se registou, não havia qualquer possibilidade de os credores saberem da sua efectivação, o que só se efectuou em 8-2-98.
Também só há cerca de cinco/seis meses é que a Ré retirou do imóvel identificado a sua sede, transferindo-a para a Rua..., onde não está nenhum gerente, nem nenhum funcionário e onde simplesmente instalaram uma pequena mesa.
Conclui como na petição inicial, pedindo a improcedência das excepções, bem como a junção aos autos de cópia do extracto de conta bancária referida no art. 77° da contestação, a fim de averiguar o destino dada à importância depositada naquela conta no montante de Esc: 15.000.000$00.
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O Tribunal Judicial da Comarca Ansião declarou-se incompetente para apreciar o presente pleito.
Distribuídos os autos às Varas Cíveis e elaborado, oportunamente, despacho de condensação, decidiu-se: a) Julgar improcedentes a excepção de ilegitimidade; b) Julgar improcedente a invocada ineptidão do pedido; c) Relegar para decisão final o conhecimento da alternidade dos pedidos, bem como as excepções peremptórias alegadas.
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Inconformados, os RR. Agravaram do despacho saneador que julgou improcedentes a ilegitimidade e a ineptidão do pedido.
São as seguintes as conclusões formuladas: 1. A agravada formula um pedido adequado a uma acção de condenação com base nos fundamentos de uma acção de impugnação pauliana, a qual constitui uma acção constitutiva.
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Assim, existe uma contradição do pedido, próprio de uma acção de condenação, com a causa de pedir constituída pelos fundamentos de uma acção pauliana.
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A petição inicial é inepta, nos termos do art. 193°/2b), do CPC, e, consequentemente, é nulo todo o processo, nos termos do n° 1 do mesmo artigo; a nulidade de todo o processo constitui uma excepção dilatória, de acordo com o art. 494°/b) do CPC, que, como tal, importa a absolvição da instância, nos termos do art. 493°/2 do mesmo Código.
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O art. 193°/3 do CPC, invocado pelo Tribunal "a quo" para fundamentar a sua decisão, aplica-se apenas ao caso previsto no n° 2, a), do mesmo artigo.
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Ora, os agravantes arguiram a ineptidão da petição inicial com base no fundamento previsto no n° 2 b) e não no n° 2 a), pelo que, no caso sub judice, não tem aplicação o disposto no art. 193°/3 do CPC.
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Na presente acção, a agravada pede a procedência da impugnação pauliana ou, em alternativa, que os 2°s RR. sejam condenados, com base no disposto no art. 78°/1 do CSC, a pagar-lhe a quantia de € 5.1843,39.
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Como é evidente, o direito de impugnação pauliana e o direito de responsabilizar os 2°s RR., nos termos do art. 78°/1 do Cód. das Soc. Com., não são por natureza ou origem alternativos, nem podem resolver-se em alternativa.
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A formulação de pedidos alternativos fora dos casos previstos no art. 468°/1 do CPC torna a petição inicial inepta.
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No que respeita ao segundo pedido do disposto no art. 78º/1 do CSC, resulta, claramente, do art. 780/1 do Cód. das Soc. Com. que apenas os gerentes, administradores ou directores poderão incorrer em responsabilidade perante os credores da sociedade.
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A A. limita-se a dizer, no art. 25° da p.i., que a R. L... é sócia da 1a R.
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Ora, a simples qualidade de sócia, ali invocada pela A., nunca possibilitaria a responsabilização da R. L... nos termos do art. 78°/1 do Cód. das Soc. Com.
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De qualquer modo, conforme resulta da certidão comercial junta, sob doc. 1, a R. L... não é, nem nunca foi, sócia ou gerente da 1a R., pelo que não possui a qualidade de que depende a responsabilidade prevista no art. 78º/1 do CSC, carecendo, consequentemente, de legitimidade substantiva relativamente ao segundo pedido.
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A ilegitimidade substantiva constitui uma excepção peremptória, a qual, no caso concreto, poderá ser conhecida imediatamente, uma vez que o estado do processo o permite, sem necessidade de mais provas; com efeito, a falta da qualidade exigida pelo art. 78°/1 do CSC, da qual resulta a ilegitimidade substantiva invocada, encontra-se provada pela certidão comercial junta à p.i. sob doc. n° 1.
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