Acórdão nº 00756/07.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelCarlos Lu
Data da Resolução30 de Março de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO MA. …, EM. …, GI. …, MJ. …, MD. …, AM. …, AG. …, JF. …, AA. …, JM. …, MM. …, JR. …, CM. …, MC. …, PC. …, JS. …, AD. … e AF. …, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 18.03.2010, que julgou improcedente a ação administrativa especial pelos mesmos deduzida contra o “FUNDO GARANTIA SALARIAL, IP” (doravante apenas «FGS»), na qual peticionavam, por um lado, a anulação dos atos de indeferimento proferidos pelo Presidente do «FGS», em 21.12.2006 e 26.12.2006 [que recaíram sobre os respetivos requerimentos de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho que haviam apresentado junto dos serviços do Instituto de Solidariedade e Segurança Social na Póvoa de Varzim], e, por outro lado, a condenação do R. no pagamento das quantias ali peticionadas.

Formulam os AA., aqui recorrentes jurisdicionais, nas respetivas alegações (cfr. fls. 130 e segs. - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. A interpretação que o tribunal a quo faz do art. 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, conduz a resultados de manifesta injustiça, resultados esses que o legislador não quis, e que são contrários à razão de ser da existência do próprio Fundo.

  2. Em casos como o presente, em que os trabalhadores recorrem aos tribunais do trabalho antes de requererem a insolvência da entidade patronal, a ação a que se refere o mencionado art. 319.º é a ação laboral.

  3. Uma interpretação conforme ao direito comunitário não pode tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o acesso ao Fundo.

  4. A interpretação que o acórdão recorrido faz da referida norma viola a alínea a) do art. 59.º, n.º 1 da Constituição, em conjugação com o n.º 3 do mesmo artigo e com o princípio da igualdade (art. 13.º da CRP).

  5. Assim sendo, o acórdão recorrido violou o referido art. 319.º, e as mencionadas normas comunitárias e constitucionais.

  6. Os atos administrativos impugnados são ainda inválidos por falta de fundamentação …”.

    O R., aqui recorrido, devidamente notificado veio produzir contra-alegações onde pugna pela manutenção do julgado (cfr. fls. 171 e segs.

    ), formulando conclusões nos termos seguintes: “… ... A questão objeto do presente recurso prende-se com a interpretação da norma contida no n.º 1, do art. 319.º, da Lei n.º 35/2004, de 29/07.

    … O n.º 1, do art. 319.º, da Lei n.º 35/2004, de 29/07, estabelece que «O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior».

    … A única interpretação que resulta da lei é a de que, o período de referência, a partir do qual o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, conta-se a partir da data em que foi interposta a ação judicial de insolvência ou da entrada do requerimento do procedimento de conciliação, pois só nestas duas situações é que, de acordo com o n.º 1 e 2, do art.º 318.º, da citada lei, o Fundo de Garantia Salarial intervém …”.

    O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA não emitiu qualquer pronúncia (cfr. fls. 197 e segs.

    ).

    Por despacho do Juiz Relator inserto a fls. 201 dos autos foi aberto contraditório quanto à possível utilidade/suscetibilidade de dedução de pedido de reenvio prejudicial junto do Tribunal Justiça da União Europeia (abreviadamente «TJUE») nos termos do art. 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (doravante «TFUE») (ex-art. 234.º do TCE), tendo os AA. vindo manifestar expressa posição concordante com a necessidade de proceder àquele reenvio nos termos do requerimento de fls. 206/207 que, notificado, não mereceu qualquer discordância por parte do R..

    Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência.

  7. DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A APRECIAR Cumpre nesta sede aferir e decidir da admissibilidade do pedido de reenvio prejudicial nos autos “sub judice” e, verificados os respetivos pressupostos, formular o competente pedido.

    I.

    Estipula-se no art. 267.º do TFUE que o “… Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. (…) Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie. (…) Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. (…) Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível …”.

    II.

    Em termos do quadro normativo interno em matéria de recursos jurisdicionais relativos às decisões proferidas pelos Tribunais Centrais Administrativos (abreviadamente TCA) temos que decorre do art. 150.º do Código Processo nos Tribunais Administrativos (vulgo CPTA), sob a epígrafe de “recurso de revista”, que das “… decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito …” (n.º 1), que a “… revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual ...

    ” (n.º 2), que aos “… factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado …” (n.º 3) e que o “… erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova …” (n.º 4), sendo que a “… decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo …” (n.º 5).

    III.

    Presente o regime normativo interno acabado de reproduzir temos que o recurso de revista nele previsto vem sendo interpretado e aplicado pelo STA como sendo um recurso excecional, entendimento este que materialmente tem conduzido a que as decisões dos TCA’s surjam habitualmente como a última pronúncia de mérito quanto às questões em discussão nos litígios judiciais no âmbito da jurisdição administrativa.

    IV.

    Inequívoca demonstração do aludido caráter excecional do referido recurso de revista resulta de recente acórdão do STA de 08.03.2012 (Proc. n.º 0167/12 in: «www.dgsi.pt/jsta») quando na sua fundamentação se afirmou que a “… excecionalidade deste recurso tem sido reiteradamente sublinhada pela jurisprudência do STA, referindo que só pode ser admitido nos estritos limites fixados no referido preceito legal. (…) A intervenção do STA é considerada justificada apenas em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador. (…) A jurisprudência desta formação tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo artigo 150.º n.º 1 do CPTA, se verifica tanto em face de questões de direito substantivo, como de direito processual, sendo essencial que a questão atinja o grau de relevância fundamental. Nos termos daquela jurisprudência, o preenchimento do conceito indeterminado verifica-se, designadamente, quando se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina. (…) E, tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando tenha repercussão de grande impacto na comunidade. (…) A admissão para uma melhor aplicação do direito tem tido lugar relativamente a matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo, isto é, que o recurso não visa primariamente a correção de eventuais erros judiciários em aspetos que não assumam relevância fora do contexto da causa considerada em concreto …”.

    V.

    Daí que pese embora formalmente as decisões deste órgão jurisdicional nacional sejam suscetíveis de recurso judicial nos termos previsto no direito interno e como tal o reenvio prejudicial não se apresentar como obrigatório temos, todavia, que, como na realidade dos factos material e...

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