Acórdão nº 08B395 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelCUSTÓDIO MONTES
Data da Resolução13 de Março de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça Relatório AA P.L.C.

(1).

Intentou contra BB Providência cautelar de apreensão de veículo automóvel e respectivos documentos, nos termos do art. 15.º do DL 54/75, de 12.2, na comarca de Lisboa, em cuja Conservatória do Registo Automóvel foi constituída reserva de propriedade a favor da A.

O veículo foi vendido ao R., residente em Ílhavo, com recurso ao crédito, sendo constituída garantia por contrato de financiamento com garantia da referida reserva de propriedade.

O tribunal considerou-se incompetente em razão do território, por ter considerado que era competente o da residência do R., face ao disposto no art. 74.º do CPC, redacção do DL 14/2006, de 26.4, em vigor à data da instauração da providência cautelar, que revogou inequivocamente a lei especial que regulava a matéria - art. 21.º do DL 54/75.

A requente agravou para a Relação que confirmou a decisão recorrida.

Interpõe agora recurso de agravo para o STJ com fundamento na contradição de acórdãos - art. 754.º, 2, 2ª parte do CPC, formulando as seguintes Conclusões A. A Agravante requereu, nas Varas Cíveis de Lisboa, o presente procedimento cautelar nos termos do artigo 15.° do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, e ao abrigo do artigo 21.° do mesmo que determina que "o processo de apreensão e as acções relativas aos veículos apreendidos são da competência do tribunal da comarca em cuja área se situa a residência habitual ou a sede do proprietário".

  1. Sendo que a Agravante é titular do registo de reserva de propriedade que impende sobre o veículo automóvel marca Peugeot 206 com a matrícula ..-..-.., e tem a sua sede em Lisboa.

  2. O Tribunal a quo manteve a decisão do Tribunal de 1.ª instância que se havia julgado territorialmente incompetente para a apreciação do Procedimento Cautelar intentado, fazendo uso da interpretação da Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, nos termos do n.º 1 do artigo 9.° e para efeito do n.º 3 do artigo 7.°, ambos do Código Civil, considerando assim revogado o referido artigo 21.° do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro; D. Considerou o Tribunal a quo que a aludida revogação não afectava as finalidades procedimentais e de direito material que são visadas nos diplomas de natureza especial onde se consagra o especial regime de competência territorial.

  3. Considerou assim inequívoca a intenção do legislador em revogar o referido artigo 21.°, dado que a alteração legislativa trazida pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril tem por base, a protecção do consumidor contratualmente mais desfavorecido bem como reduzir as consequências nocivas da litigância de massa.

  4. Contudo, a expressão intenção inequívoca deverá reportar-se a situações que não se mostrem dúbias, que não sejam passíveis de várias interpretações ou que revelem claramente um determinado propósito, não suscitando, desse modo, dúvidas.

  5. Na fixação da palavra inequívoca, deve o intérprete ser particularmente exigente.

  6. Tal entendimento encontra-se plasmado de forma elucidativa no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.02.2007 (que serviu de fundamento para interposição do presente recurso, uma vez que se revela contraditório relativamente ao Acórdão ora recorrido), quando entende que "A existência de intenção inequívoca do legislador deve assentar em referência expressa na própria lei ou, pelo menos, em um conjunto de vectores incisivos que a ela equivalham, pelo que, quando se pretenda, através de uma regra geral revogar leis especiais, designadamente quando se vise firmar um regime genérico e homogéneo, há que dizê-lo, recorrendo à revogação expressa ou, no mínimo, a uma menção revogatória clara, do género, são revogadas todas as leis em contrário, mesmo as especiais. (Meneses Cordeiro, "Da aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias, em Cadernos de Ciência da Legislação, INA, nº. 7, 1993, págs. 17 e ss, apud, Abílio Neto, Código Civil Anotado, 13.ª edição actualizada, 2001, pág. 20.4)" I. No mesmo sentido também se pronuncia o Acórdão da Relação de Lisboa de 22.03.2007 quando diz que "Face a tais princípios, há desde logo e em primeiro lugar que ter presente que o legislador ao longo do tempo procedeu a várias alterações ao referido Decreto-Lei n°. 54/75 (Dec.Lei nº. 403/88, de 9.11, Dec.-Lei nº. 182/02 de 20.08 - com a Declaração de Rectificação nº. 31-B/2002 de 31.10 e Dec.-Lei nº. 178-A/2005 de 28.10) sendo certo que, querendo, poderia ter alterado a norma atributiva de competência territorial nele prevista, tanto mais que o último dos diplomas de alteração é quase contemporâneo com a Lei 14/2006(distam um da outra de cerca de seis meses), pelo que já então existiriam as razões que levaram às modificações introduzidas por tal Lei".

  7. Mais recentemente, decidiu ainda o Tribunal da Relação de Lisboa, sobre esta questão, em douto Acórdão de 25.10.2007, no seguinte sentido: "Trata-se efectivamente duma lei especial que, não tendo sido expressamente revogada pela referida Lei 14/2006 no que ao artigo 21 ° diz respeito, mantém a regra de competência territorial ai prefigurada (sede da proprietária do veiculo/Lisboa) ".

  8. "que se compreende, pois regulando o registo de propriedade automóvel, foi sucessivamente alterado pelos DL403/88 (de 9-11), DLl78A/05, (de 28-10), DLl82/02, (de 20-(8) - com a Declaração de Rectificação nº. 31 B/02 (de 31-10) e pelo DLl07-A/05 de 28-10, mas nunca in totum." L. Concluindo que: " Por outro lado, no que se reporta ao artigo 2l.º desse diploma legal, nunca o mesmo sofreu qualquer alteração, o que não foi inocente".

  9. Essa foi também a opinião do Tribunal da Relação de Lisboa no seu recente Acórdão de 4.12.2007 onde entende que "aquele artigo 21.º (do Decreto-Lei 54/75...

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