Acórdão nº 055/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelVALENTE TORRÃO
Data da Resolução21 de Março de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I- A Fazenda Publica, veio recorrer do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a acção administrativa especial interposta por “A……, S.A”., com os sinais dos autos, contra o despacho proferido pelo Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, que indeferiu a reclamação por si deduzida, do acto de retenção na fonte no valor de € 398.160,43 apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui: A) O, aliás, douto Acórdão recorrido, incorreu em excesso de pronúncia, o que o inquina no vício de nulidade, nos termos da al. d) do nº 1 do art. 668° do CPC, bem como, fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos, não se podendo, pois, manter.

  1. Considerou, em primeiro lugar, o Tribunal “a quo”, em decisão interlocutória, despacho saneador a fls. 160 a 163, que ora também se impugna, nos termos do disposto no nº 5 do artº. 142° do CPTA, que a B……, SA, sociedade de direito francês, tinha legitimidade activa para, através da sua representante fiscal “A……, SA”, intentar a presente acção administrativa especial.

  2. Ora, está provado nos autos, que a reclamação graciosa apresentada ao abrigo do artº. 132°, nº 4 do CPPT, no âmbito da qual foi proferido o acto impugnado, foi interposta pela “A……, SA”,- cfr. alíneas d) e e), do ponto III, do segmento fáctico, do Acórdão a fls. 196. E, tal reclamação, foi apresentada em nome próprio e na qualidade de substituto tributário da C…….

  3. De acordo com o artº. 9º, nº 1 do CPTA, a primeira conclusão a retirar, em matéria de legitimidade activa, é a do que, por regra, tem legitimidade para litigar em Tribunal quem invoque ser o titular da relação jurídica administrativa donde emerge o conflito.

  4. O titular da relação jurídica administrativa que foi objecto da presente acção administrativa especial é a C…… que, na qualidade de substituto tributário veio, perante o órgão administrativo, requerer a anulação das retenções na fonte por si efectuadas e a restituição do correspondente imposto.

  5. Pese embora o artº 55º, nº 1, al. a), do CPTA também confira legitimidade para impugnar um acto administrativo a quem seja titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e o artº. 68°, nº 1, al. a), também do CPTA, a legitimidade para pedir a condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido, a quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão desse acto, não basta, como fez o Tribunal “a quo”, atribuir legitimidade a quem tem um interesse, supostamente directo, na anulação do acto ou na emissão do mesmo, por se pressupor que foi ele quem suportou o prejuízo.

  6. Donde, a segunda conclusão a retirar é a de que, à luz do regime da legitimidade constante do novo contencioso administrativo, embora se possa recorrer a juízo sem se ser titular da relação jurídica administrativa, tem, no entanto, que provar-se sempre um interesse directo, pessoal e legitimo, sendo certo que, no preenchimento de tais conceitos, se deve atender ao princípio do acesso ao direito e à tutela judicial efectiva.

  7. Por outro lado, pode não haver qualquer dúvida quanto à questão de saber se quem está em juízo é parte na relação material controvertida, como o Autor a configurou e questionar-se a existência efectiva de uma tutela judiciária, pelo que, em terceiro lugar, pode-se concluir que alguém só tem legitimidade quando ocorre uma situação de lesão que se repercute na sua esfera jurídica, causando-lhe directa e imediatamente prejuízos e quando dai decorra uma necessidade de tutela judicial que justifique a interposição da acção.

  8. No caso em concreto, a B……, que é quem figura como A. na presente acção, não foi parte na relação jurídica administrativa, pelo que, a sua legitimidade nunca decorreria do princípio geral constante do nº 1 do artº. 9° do CPTA.

  9. E aquela não tem interesse pessoal, por a anulação do acto não se reflectir, desde logo, na sua esfera jurídica, mas sim, na da C……, enquanto substituto tributário com legitimidade, ou não, para reclamar das retenções na fonte e, mais decisivo ainda, por a tutela judicial efectiva e o princípio do acesso ao direito estar devidamente acautelado com a interposição de acção judicial pela C…….

  10. Ainda para mais quando a questão jurídica, em análise na presente acção, é uma questão de legitimidade, de saber se as retenções na fonte podiam ser reclamadas pelo substituto, pelo que, só este tem interesse pessoal e directo em discutir tal questão.

  11. Donde, devia o Tribunal “a quo”, ter absolvido a entidade demandada da Instância, por ilegitimidade activa da B……. Ao não o ter feito e ao concluir que o substituído tributário e então A., detinha legitimidade processual para discutir em juízo a outra questão da legitimidade do substituto tributário para, no âmbito do procedimento administrativo, poder reclamar das retenções na fonte por si efectuadas, procedeu o mesmo, salvo o devido respeito, a uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 9º, nº 1, al. a) e 55º, n°1, al. a), ambos do CPTA, aos factos.

  12. Deliberou-se, depois, no Acórdão recorrido, que a C……., enquanto substituto tributário, tinha legitimidade para reclamar das retenções na fonte por si efectuadas, aquando da colocação à disposição da B…… de dividendos no montante de €3.981.604,33.

  13. Ora, salvo o devido respeito, pensamos que a interpretação que o, aliás, douto Acórdão recorrido fez dos referidos artigo 18°, nº 3 da LGT, 9° nº 1 e 4 do CPPT, bem como do nº 1 do artº. 132° do mesma CPPT, não tem, na letra ou no espírito das normas, um mínimo de correspondência.

  14. É que, o legislador não pretendeu multiplicar situações de legitimidade em casos de retenção na fonte, ao substituto e ao substituído tributário, mas apenas conferir tal legitimidade a um dos mesmos e sempre que o carácter lesivo do acto se repercuta directa e imediatamente na esfera jurídica do substituto ou do substituído tributário.

  15. Deste modo, a retenção na fonte só se assume com um carácter lesivo para o substituto tributário quando este entrega imposto superior ao que reteve, só aqui, efectivamente, ele pode ficar lesado na sua esfera jurídica, por ser ele e, não o substituído tributário, que fica privado dessas quantias e, ainda assim, desde que não lhe seja possível corrigir os montantes a mais entregues nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano do pagamento indevido,- cfr. nº 2 do referido artº. 132° do CPPT.

  16. Tal interpretação literal ou, se quisermos restritiva, do nº 1 do artº 132° do CPPT, de que a retenção na fonte só é susceptível de impugnação, por parte do substituto, em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido é aquela que corresponde à ratio legis da norma.

  17. Podendo dizer-se, igualmente, que este regime da legitimidade, contemplado na mesma norma, cumpre o princípio constitucional de tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos sendo assegurado sempre, quer ao substituto tributário quer ao substituído tributário, a faculdade de reclamar ou impugnar sempre que sejam potencialmente afectados na sua esfera jurídica por determinado acto de retenção na fonte.

  18. Salvo o devido respeito, a interpretação que o, aliás, douto Acórdão recorrido faz dos artigos 18°, nº 3 da LGT e dos artigos 9°, nº 1 e 4 do CPPT, descurou o elemento sistemático, histórico e teleológico na interpretação das mesmas normas em conjugação com o artº. 132° do CPPT, do que resulta uma verdadeira interpretação abrogante deste último artigo.

  19. Assim, a conclusão a que o Tribunal “a quo” chegou, é certo que com base em alguma jurisprudência desse STA, sacrifica por completo a norma do artº. 132° do CPPT e, chegar a tal conclusão, quando nem sequer existe uma contradição insanável entre os artigos 18°, nº 3 da LGT e 9°, nº 1 do CPPT com o art.º 132º do mesmo CPPT, mas apenas uma complementação e desenvolvimento dos primeiros pelo último é, no mínimo, ir muito para além do fim visado pelo legislador.

  20. Por outro lado, a responsabilidade pelo incumprimento da obrigação tributária, também não pode servir para estender o âmbito da norma que confere ao substituto legitimidade para reclamar ou impugnar, até porque, no caso em concreto, não estamos perante uma situação de incumprimento, perante a AT, por parte do substituto tributário.

  21. E, no que toca à responsabilidade civil que o substituto possa ter perante o substituído ela não importa para a relação que, quer o substituto quer o substituído, têm perante a AT, sendo só esta aquela que tem que ser acautelada pelas normas processuais tributárias.

  22. Entendeu, finalmente, o Acórdão recorrido condenar a AT à prática do acto de restituição do imposto retido por ter considerado não só que as retenções eram indevidas, como também que o Tribunal se podia substituir à AT porquanto “não se configura admissível a identificação pela Administração de uma qualquer outra solução como legalmente possível, em face dos factos provados e da solução por nós preconizada” X) Ora, salvo o devido respeito, ao assim considerar, o Tribunal “a quo”, cometeu nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos do nº 1 da al. d) do artº. 668° do CPC, ao ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento, tendo sempre, mesmo que assim não se entenda, feito uma incorrecta interpretação e aplicação do artº. 71°do CPTA.

  23. E, tão ou mais grave é essa interpretação e aplicação quando é certo que, ao...

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