Acórdão nº 0208/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução14 de Março de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A………, S.A.” (adiante Executada, Reclamante ou Recorrida), invocando o disposto no arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou junto do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto da decisão do órgão da Administração tributária (AT) que lhe indeferiu o pedido de prestação de garantia através de fiança (Apesar de no relatório e na parte inicial da fundamentação a sentença referir que o pedido formulado pela Executada ao órgão de execução fiscal foi de «substituição de garantia bancária por fiança de igual valor», não é isso que resulta da matéria de facto que foi dada como assente.

    ) (A prestação de garantia foi pedida, ao abrigo do disposto no art. 169.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em ordem à suspensão da execução fiscal por a Executada ter manifestado a intenção de impugnar administrativa ou judicialmente contra a liquidação do imposto que está na origem da dívida exequenda.

    ) com o fundamento de que, em face da legislação em vigor e das instruções veiculadas pelo Ofício-Circulado n.º 60.076, de 29 de Julho da 2010, da Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários (DSGCT) (Ofício que pode ser consultado na íntegra em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/DE11F847-5746-4142-ADFC-EEA0F609DCF9/0/OFICIO_60076_.pdf.

    ), a fiança não é um meio legalmente admissível de prestação de garantia.

    A Executada pediu que aquela decisão fosse anulada com o fundamento de que a mesma enferma de violação de lei. Alegou, em resumo e no que ora nos interessa, que a Administração tributária (AT) não pode excluir a fiança como meio de prestação da garantia.

    1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a reclamação procedente e, em consequência, anulou o acto reclamado.

    Para tanto, louvando-se num acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, considerou, em síntese, que · a enumeração das garantias a que alude o art. 199.º, n.º 1, do CPPT não é taxativa nem gradativa, mas exemplificativa; · a mesma norma não veda o reconhecimento da fiança como meio de prestação da garantia; · a idoneidade da fiança como garantia deve ser aferida pelo órgão de execução fiscal caso a caso, considerando os elementos que lhe sejam oferecidos, os que tenha em seu poder em virtude do cumprimento das obrigações acessórias do fiador ou de actos de inspecção realizados e aqueles que fundadamente solicitar no âmbito dos seus poderes de investigação oficiosa, com vista à determinação da capacidade do fiador para pagar o valor garantido.

    1.3 A Fazenda Pública (adiante também Recorrente) não se conformou com essa sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Por facilidade de transcrição, vamos reproduzir as notas de rodapé no próprio texto, entre parêntesis rectos.

    ): « A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal deduzida contra o despacho proferido em 10.08.2011, pelo substituto legal do Director de Finanças do Porto no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1805201101026364, (adiante designado PEF), que corre termos no Serviço de Finanças da Maia e que indeferiu a prestação de garantia para efeito de suspensão da execução através de fiança, por inidoneidade da mesma.

    B. O despacho reclamado, concluiu, que atendendo à legislação em vigor e às instruções difundidas no ofício-circulado n.º 60.076, de 29.07.2010, da DSGCT, tal pedido merecia indeferimento, por considerar que a garantia assim oferecida (fiança) não consubstancia uma garantia que proporcione o necessário grau de liquidez, atendendo, quer à prossecução do interesse público da regular cobrança dos tributos devidos ao Estado, quer ao facto do valor monetário que lhe está subjacente não ser realizável de forma certa e célere, em sede da respectiva execução, não sendo assim a fiança uma garantia idónea.

    C. A douta sentença recorrida julgou então a presente reclamação procedente, com a consequente anulação do despacho reclamado, por entender que o mesmo se encontre inquinado pelo vício de violação de lei, sustentando o Tribunal a quo tal conclusão nas considerações constantes da transcrição do extracto do douto acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no processo que identifica como sendo o n.º 0539/11, de 30/11/2011. [ Uma vez que a decisão de tal processo com o n.º 0539/11 de 30.11.2011, poderá não ter sido publicitada no sítio www.dsi.pt, não podendo assim a Fazenda Pública imputar ao Tribunal a quo a ocorrência de um lapso na identificação do n.º de processo do TCA Norte, refere-se, porém, que caso seja um lapso, do conspecto daquela base de dados, constata-se estar disponível um Acórdão do TCA Norte dessa mesma data, com igual fundamentação, mas com o n.º 01423/11.5BEPRT, em que é relator Álvaro Dantas] D. Contrariamente ao sentenciado, e com o devido respeito que nos merece a fundamentação expendida pelo Venerando Tribunal superior, perfilha a Fazenda Pública o entendimento, já defendido na sua contestação, de que não padece o acto controvertido de qualquer ilegalidade, padecendo a sentença recorrida de erro de julgamento de direito.

    Vejamos, E. O art. 52º da LGT, nos seus nºs 1 e 2, permite a suspensão da cobrança da prestação tributária efectuada no processo de execução fiscal nos casos de pagamento em prestações o reclamação, recurso, impugnação da liquidação e oposição à execução, que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, desde que acompanhada da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.

    Por sua vez, F. O art. 169º do CPPT condiciona a suspensão da execução à constituição de garantia, em conformidade com o art. 195º do mesmo diploma, à sua prestação, nos termos do disposto no art. 199º, também do CPPT ou à penhora em bens suficientes para garantir o pagamento da dívida exequenda e respectivo acrescido.

    G. Especifica este último preceito que a garantia a prestar deverá ser idónea, consistindo em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos da Fazenda Pública.

    H. Esta redacção tem motivado uma leitura, quer doutrinal quer jurisprudencial, de que a enunciação daqueles tipos de garantia é meramente exemplificativa, pois a redacção da parte final daquele número amplia essa possibilidade a todas as outras garantias, desde que de valor suficiente para assegurar os créditos do exequente.

    I. Tem a Fazenda Pública entendimento distinto.

    J. Questão que se coloca então será se uma fiança se inclui como uma garantia prevista pelo legislador no art. 199.º como idónea em sede de execução fiscal com vista à suspensão dos processos executivos.

    Assim, K. No n.º 1 do art. 199.º do CPPT, o legislador enuncia expressamente os três tipos de garantia que a administração terá de aceitar como idóneas: garantia bancária, caução, seguro-caução, terminando, no entanto, a redacção desse número com um conceito aberto: “qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”, que importa então concretizar.

    L. Concretização essa, no nosso entendimento, que acontece logo de seguida, no nº 2 desse mesmo preceito: “a garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária”.

    M. E no nº 4 acrescenta uma última situação passível de integrar o conceito de garantia idónea: “vale como garantia para os efeitos do nº 1 a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado”.

    N. A redacção do artigo 199.º do CPPT define então com exactidão os tipos de garantia aceitáveis.

    O. No n.º 1 refere especificamente: a garantia bancária, a caução e o seguro-caução. E acrescenta o conceito aberto, não para mostrar que se trata de uma configuração meramente exemplificativa (se assim fosse, seria desnecessário o nº 2, pois a hipoteca e o penhor seriam incluídas no nº 1 por qualquer intérprete que prosseguisse a leitura com mais exemplos de garantias), mas para dizer que além destes três tipos existem outros, que o legislador especifica nos números seguintes, P. ou seja, entendemos, ao contrário do entendimento vertido na sentença recorrida, que o n.º 2 e o n.º 4 do art. 199.º do CPPT, serviram para o legislador especificar, então, o que se entende por “qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”, Q. desde logo porque em ambos os números é feita referência ao nº 1: quer no nº 2, onde se diz que “a garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda” [destacado nosso], quer no nº 4, dizendo que “vale como garantia para efeitos do nº 1”, R. entendendo nós que aquele “ainda” só pode significar “para além da garantia bancária, caução e seguro-caução”, sendo ilógico e contraditório entender como “para além de todos os meios susceptíveis de assegurar os créditos do exequente”, onde já se incluiriam o penhor e a hipoteca que o legislador de seguida repetia.

    S. O quadro então definido é de tipificação das garantias atendíveis, com um tratamento diferenciado que se justifica pela posição da administração tributária em relação a cada uma: - garantia bancária, caução e seguro-caução, estando a administração fiscal vinculada à sua aceitação, sempre que o valor assegure o cumprimento da obrigação; - penhor e hipoteca voluntária, “mediante concordância da administração tributária” e penhora, por actuação da administração tributária na constituição da garantia, T. pelo que, concluímos não ser de incluir a fiança como uma garantia admitida pelo legislador nos exactos termos em que preceituou no artigo em análise.

    Porém, sem prescindir, e caso se...

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