Acórdão nº 01007/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Março de 2012
Magistrado Responsável | DULCE NETO |
Data da Resolução | 14 de Março de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.
A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido que sociedade A……, LDA, deduziu contra o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (por extemporaneidade da sua apresentação) do acto de liquidação de IRC n.º 200400001137417, condenando a entidade demandada a proceder à apreciação do pedido de revisão por o mesmo ser tempestivo.
1.1.
As alegações dos recursos mostram-se rematadas com o seguinte quadro conclusivo: A- A douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, ao interpretar erroneamente as regras legais que regulam o pedido de revisão dos actos tributários, ou seja, o art° 78° da LGT, na medida em que considera tempestivo o pedido de revisão oficiosa apresentado pela autora para além do prazo de 120 dias previsto no n° 1 daquele preceito legal.
B- A sentença do Tribunal a quo considerou como assente a factualidade elencada nas alíneas a) a d) do probatório, baseando a sua convicção na análise da prova documental produzida nos autos e na posição assumida pelas partes nos seus articulados, concluindo pela procedência dos presentes autos e condenando a AT a proceder à apreciação do pedido de revisão apresentado pela autora, por o mesmo ser tempestivo.
C- Sustentou tal conclusão com base na consideração de que, não obstante o disposto no n° 1 do art° 78° da LGT “(…) tal não significa que o contribuinte não possa, no prazo da revisão oficiosa, ou seja, no prazo de 4 anos, pedir essa mesma revisão”, fazendo apelo à jurisprudência emanada neste sentido, mais concretamente o Acórdão de 2007/11/28, processo n° 0532/07.
D- Acontece que, ressalvado o devido respeito com o que desta forma vem decidido, não se conforma a Fazenda Pública, porquanto perfilha o entendimento de que o pedido de revisão foi efectuado para além do prazo previsto no art° 78° da LGT, sendo como tal intempestivo.
E- Dispõe o artigo 78° da LGT, no seu n° 1, que “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade; ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.
F- Propugna a autora pela ilegalidade da liquidação controvertida, por falta da sua fundamentação.
G- Se é certo que o sujeito passivo pode alegar qualquer ilegalidade verificada no procedimento, também é certo que apenas o pode fazer no prazo normal de reclamação (120 dias), H- não se afigurando à Fazenda Pública que no conceito do “erro imputável aos serviços”, a que o art° 78° da LGT faz referência, esteja abrangido o erro de direito na liquidação.
I- E, a verificar-se o vício de forma que a autora alegadamente imputa à liquidação em crise (falta de fundamentação), o certo é que não se pode concluir pela existência de erro imputável à AT.
J- O art° 78° da LGT, distingue claramente entre a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou desencadeada por iniciativa do contribuinte ou por iniciativa da AT (oficiosamente), K- sendo que o pedido de revisão dos actos tributários por iniciativa do contribuinte, nos termos previsto na 1ª parte do n° 1 do art° 78° da LGT, deverá ser efectuado no prazo de 120 dias (“prazo da reclamação administrativa”), com fundamento em qualquer ilegalidade.
L- De acordo com a 2ª parte daquele n° 1 do referido art° 78°, a AT pode iniciar um procedimento de revisão oficiosa, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
M- Não nos parece, porém, que o procedimento de revisão oficiosa, por iniciativa da administração (mesmo admitindo-se que o particular o poderá desencadear) possa englobar juízos de legalidade ou ilegalidade da liquidação, limitando-se a AT à apreciação e eventual correcção de erros materiais.
N- Assim, mesmo a aceitar-se que, não obstante o teor daquele n° 1 do art° 78° da LGT, aos contribuintes assistirá a faculdade de pedir a revisão oficiosa dos actos tributários de liquidação dentro do prazo em que a AT a poderia efectuar (4 anos), o certo é que tal apenas ocorre com fundamento alegado de erro imputável aos serviços.
O- E o procedimento de revisão oficiosa, por iniciativa da AT, não pode englobar juízos de legalidade ou ilegalidade da liquidação.
P- A não ser assim entendido, parece-nos que estaremos face a uma interpretação totalmente contrária ao espírito da lei e contrária ao princípio da segurança jurídica.
Q- Em conformidade com o regime de anulabilidade do acto, que impede que os actos tributários de liquidação possam ser impugnados a todo o tempo, mas apenas no prazo de 90 dias a contar da data do pagamento das liquidações impugnadas (art° 102°, n° 1 do CPPT), o contribuinte pode invocar qualquer ilegalidade verificada no procedimento, no prazo normal de reclamação graciosa (120 dias).
R- Assegura-se assim a estabilidade dos actos de liquidação de tributos (e como tal, do princípio da segurança jurídica), uma vez que a possibilidade de utilização do regime da revisão oficiosa do acto tributário como meio de impugnação indirecta de actos de liquidação já há muito estabilizados tem como consequência a total supressão dos prazos de impugnação e reclamação para todos os actos da AT praticados em violação de lei, S- ressalvados os casos excepcionais de injustiça grave e notória manifestamente causada na esfera patrimonial do contribuinte.
T- Qualquer juízo de legalidade efectuado pela AT fora dos prazos de reclamação ou impugnação judicial é extemporâneo, logo, insusceptível de ser efectuado.
U- Como refere Alberto Xavier, o processo de impugnação é “um processo de anulação do acto tributário que tem por objecto necessário demonstrar a sua desconformidade com a lei. Esgotados os prazos que a lei lhe assinala, caduca o direito processual do contribuinte de obter a invalidação do acto, que adquire a sua eficácia preclusiva plena” (in Conceito e Natureza do Acto Tributário, Coimbra, Almedina, 1972, pp. 587).
V- A expressão “erro imputável aos serviços” encontra-se directamente relacionada com a actividade operacional da Administração (o erro de facto, operacional ou material) e não com o erro de direito, não podendo a AT actuar de forma mais ampla em matéria de revisão oficiosa dos actos tributários do que em sede de revogação fundada em ilegalidade, sob pena de total incoerência.
W- Por tal motivo, optou o legislador por distinguir, dentro do n° 1 do art° 78° da LGT, uma parte que regula a revogação provocada por iniciativa do contribuinte, com fundamento em ilegalidade geradora de invalidade e uma parte que regula a possibilidade da AT poder revogar o acto em razão de erro imputável ao serviço - que não a ilegalidade.
X- Quando a lei distingue, o intérprete também está...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO