Acórdão nº 1765/06.1 TBPBL.C1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução15 de Março de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I C instaurou acção declarativa, com processo ordinário, contra M, pedindo cumulativamente: a) a declaração de que o contrato-promessa de cessão da quota que detinha na sociedade Agência de Viagens e Turismo Lda foi ilicitamente resolvido pela Ré; b) a declaração do incumprimento definitivo do contrato-promessa e que tal incumprimento se ficou a dever a culpa exclusiva da Ré; c) a condenação da Ré a devolver-lhe a quantia de € 176.000,00, a título de sinal em dobro, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação; d) a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 25.000,00.

Alegou para o efeito e em síntese, que por contrato promessa de cessão de quota, outorgado, por escrito, em 14 de Setembro de 2005, a Ré prometeu ceder ao Autor, pelo preço de € 200.000,00, uma quota que detinha na sociedade Agência de Viagens e Turismo Lda, tendo este entregue, a título de sinal, o montante de € 88.000,00.

A Ré (promitente vendedora) não cumpriu o contrato porque, injustificadamente, por carta de 17 de Março de 2006, declarou resolvido o referido contrato promessa, alegando perda de interesse na realização do contrato prometido, não se verificando tal perda objectiva do interesse, tanto mais que chegaram a acordar que a escritura se efectivaria no primeiro trimestre de 2006.

Além disso, a Ré andou a espalhar na cidade de Pombal que a não concretização do negócio se ficou a dever a dificuldades financeiras do Autor, afirmando que estava falido, o que é ofensivo do seu bom nome e do crédito social que possui, deixando-o humilhado, angustiado e ofendido.

A Ré contestou, concluindo pela improcedência da acção e em reconvenção pediu a condenação do Autor a pagar-lhe, a título de indemnização por danos de natureza patrimonial e não patrimonial, a quantia de € 30.000,00.

A final foi proferida sentença a declarar totalmente improcedente a acção, por se considerar resolvido o contrato-promessa objecto dos autos devido a incumprimento definitivo por parte do Autor C, absolvendo a Ré, M, de todos os pedidos formulados por aquele, referentes a esse contrato, bem como, ainda, do pedido indemnizatório pelo mesmo formulado e absolvendo o Reconvindo, C, do pedido indemnizatório formulado pela Reconvinte, M.

Inconformado, o Autor recorreu de Apelação a qual veio a ser julgada improcedente, com a confirmação da sentença recorrida.

De novo inconformado, vem o Autor recorrer de Revista, apresentando as seguintes conclusões: - O contrato promessa tem por objecto uma obrigação de contratar, ou seja, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido, reconduzindo-se a uma obrigação de facto positiva.

- Ao contrato promessa são aplicáveis as normas relativas ao contrato prometido, com excepção das relativas à forma (princípio da equiparação), pelo que, lhe são aplicáveis as regras gerais do cumprimento das obrigações, nomeadamente, as que impõem que todo o negócio jurídico dever ser pontualmente cumprido e as que impõem que as partes, no cumprimento do contrato, devem proceder de boa- fé.

- Constitui pressuposto condicionante do exercício do direito de resolução do contrato o incumprimento definitivo imputável a um dos contraentes, incumprimento que tanto se pode reportar à prestação principal como aos deveres acessórios de conduta.

- A mora apenas legitima a resolução quando convertida em incumprimento definitivo.

- A recorrida resolveu o contrato promessa de cessão de quotas através da carta de fls. invocando ter perdido o interesse na realização do negócio.

- Para justificar a perda do interesse na realização do negócio a recorrida alegava na carta de fls. o seguinte: “... atento o incumprimento levado a cabo por V. Excia no que concerne à concretização do contrato prometido” - A perda do interesse do credor significa o desaparecimento objectivo da necessidade que a prestação visa satisfazer.

- Para avaliar se a perda do interesse do credor na realização do negócio é objectiva e não meramente um capricho do credor devemos distinguir dois tipos de situações: i) Se a prestação tem por objecto uma prestação vinculada a um fim e este se frustrou em consequência da mora, desde o momento da frustração do fim a prestação tornou-se pura e simplesmente impossível. ii) O desaparecimento do interesse do credor está ligado a uma finalidade que não entrou a fazer parte do conteúdo do negócio mas que na sequência da mora do credor pode vir a relevar.

- Para aferir da objectividade da perda do interesse do credor deve atender-se aos interesses ou motivos dignos de tutela, a cuja satisfação se destinava a prestação do devedor.

- A resolução do contrato promessa levada a cabo pela recorrida não está fundamentada, impedindo o tribunal de apreciar objectivamente a perda do interesse na realização do negócio.

- Nenhum interesse objectivo do credor se encontra demonstrado nos autos que permita ao Tribunal validar a posição assumida pela recorrida quando resolveu o contrato promessa.

- Não existe no contrato promessa qualquer cláusula que impedisse a recorrida de tomar livremente decisões na sociedade Agência de Viagens, Lda, enquanto não fosse efectuada a escritura de cessão de quotas.

- A recorrida sabia que o recorrente não tinha recebido o seu e-mail de dia 9 de Fevereiro de 2006 quando lhe enviou a carta de declaração de resolução do contrato, pois conforme está provado, o recorrente só recepcionou esse e-mail a 20 de Março de 2006.

- Justificar a perda do interesse na realização do negócio com a falta de contacto com o recorrente constitui mero capricho da recorrida.

- A invocação do direito de resolver o contrato, com base na perda do interesse na realização do negócio, cerca de um mês depois de ter sido manifestada a vontade séria e firme de celebrar o contrato prometido pela recorrida solicitando ao recorrente a marcação da escritura de cessão de quotas, quando a recorrida sabia que o recorrente não tinha recebido essa comunicação, constitui abuso de direito, pois fere os mais elementares ditames da boa-fé negocial.

- O silencio da recorrida, que bem podia ter remetido ao recorrente uma comunicação por escrito, através dos correios por meio de notificação avulsa, fez inculcar a ideia de que, apesar do atraso na celebração da escritura, a recorrida mantinha o interesse no negócio.

- A resolução do contrato promessa sem que se prove a alegada perda de interesse na realização do negócio prometido leva à i1icitude da resolução do contrato.

-Sendo a resolução do contrato, uma...

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