Acórdão nº 019/07 de Tribunal dos Conflitos, 20 de Fevereiro de 2008

Data20 Fevereiro 2008

Acordam no Tribunal de Conflitos: A... intentou no Tribunal Judicial de Arouca contra a EP - Estradas de Portugal, EPE, acção - com o n.° 731/05.9TBARC- sob a forma ordinária, pedindo a sua condenação ao pagamento de uma indemnização pelos danos que sofreu em consequência de acidente de viação de que foi vítima, por, na estrada onde circulava, se achar lama e água, decorrentes da omissão do dever de manutenção, fiscalização e administração que à Ré incumbe.

I . A Ré, contestou, desde logo, por excepção, arguindo a incompetência absoluta do tribunal comum, por se tratar de questão de responsabilidade civil extracontratual de pessoa colectiva de direito público, do âmbito das atribuições dos tribunais administrativos, por força do art.° 4° n.° 1, al.g), do ETAF.

Por impugnação alegou o desconhecimento de parte do acervo factual alegado, incluindo o montante dos danos, invocou como causa do acidente facto de terceiro e culpa do próprio A.

Termina por pedir que seja declarada procedente a excepção invocada, absolvendo-se da instância, prosseguindo no Tribunal de Arouca a acção quanto aos restantes RR, ou, se assim se não entender, julgar-se improcedente a acção com todas as legais consequências.

II . Por despacho judicial de 25.7.2006 julgou-se que, por aqueles danos serem decorrentes da gestão privada da Ré, é competente para a sua apreciação o sobredito Tribunal de Arouca, declarado competente em razão da matéria.

III . Do despacho assim proferido interpôs a Ré recurso de agravo para o Tribunal da Relação, concluindo pela incompetência em razão da matéria dos tribunais cíveis, para apreciação do pedido contra aquela formulado, por estar-se em presença de caso de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, e, por isso, deferida aos tribunais administrativos, levando aquela incompetência, nos termos do art.° 4º n.° 1 g), do ETAF, pela verificação da excepção de incompetência absoluta, à correspondente excepção dilatória, de conhecimento oficioso, e à subsequente absolvição da instância, nos termos dos art.°s 105.°, 288.° n.° 1, a), 493º n.°s 1 e 2, 494.° a) e 510.° n.° 1 a), do CPC, ou, se assim se não entender, à sua absolvição do pedido.

IV . O Tribunal da Relação, por seu acórdão de 12 de Abril de 2007, concedendo provimento ao agravo, julgou procedente a invocada excepção dilatória de incompetência absoluta, absolvendo da instância a demandada Ré.

V . Inconformado com a decisão proferida interpôs, agora, o A., A..., recurso para este STJ, concluindo que: A lei aplicável é o anterior ETAF e não o que se encontrava em vigor na presente data, pelo que se está perante uma questão de sucessão de leis no tempo, só regendo a lei para o futuro, presumindo-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos que a lei se destina a regular - art.° 12.° n.° 2, do CC.

A lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro, na disposição transitória do seu art.° 2, refere inequivocamente que as decisões proferidas ao abrigo do anterior ETAF são impugnáveis para o tribunal competente de acordo com o respectivo estatuto.

Uma coisa é o exercício do direito outra bem diferente é a prática dos factos.

Deve, pois, ser aplicada a lei vigente na data do acidente e não a data da instauração da acção.

A distinção entre actos de gestão pública e acto de gestão privada assenta na questão de saber se a conduta tida como ilícita integra actividade regulada pelo direito público ou pelo direito privado.

Os actos de que se faz emergir o direito à indemnização constituem actos de gestão privada e não gestão pública.

Colocado assim o relacionamento entre as partes na acção porque a relação jurídica a apreciar se integra num acto privado e, por isso, arredado ao Tribunal Administrativo e Fiscal, por força do art.° 66.°, do CPC, a competência para o julgamento é dos tribunais comuns.

A relação jurídica tal como é alegada pelo A. integra-se no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e o pedido sujeito exclusivamente a regras de direito privado.

Quer o pedido quer a causa de pedir não assentam nas atribuições de um acto administrativo nem reguladas como tal pelo direito administrativo.

Estamos perante um conflito de direito privado em que intervém uma pessoa de direito público como qualquer particular.

A actuação da Ré, por omissão do seu dever de fiscalização e manutenção de estradas não se dá ao abrigo de um acto de gestão pública nem o A. reclama uma responsabilidade civil administrativa.

A sua actuação não traduz qualquer manifestação de autoridade e nem reveste qualquer significado que possa diferenciar o ente público do ente particular colocado na mesma posição.

A questão posta pelo A. é uma questão de direito privado, de lesão desse direito e de dano e nunca de apreciação de legalidade administrativa.

E tanto assim que o A. intentou a acção contra a Ré mas também contra 2.°s RR que são particulares.

Por força dos art.°s 211.° n.° 1 e 212.° n.° 3, da CRP, não pode deixar de reconhecer-se que os tribunais são materialmente incompetentes, como, de resto, resulta dos art.°s 4º n.° 1 f) e 51º n.° 1 h) (a contrario), do ETAF.

De todo o modo o Tribunal Judicial de Arouca sempre seria materialmente competente para apreciar a responsabilidade dos 2.°s RR. pelos danos originados ao A..

Devia, pois, quanto a tais RR., prosseguir a acção no Tribunal Judicial de Arouca.

O Acórdão recorrido violou o disposto nos art.°s 212.° n.° 1, 214.° n.° 3, da CRP, 66.°, do CPC, 1.º,4.º, 51.º n.° 1 h) (a contrario) do ETAF, bem como 483.°, 500.º, 501.° e 562.°, do CC.

Deve ser julgado procedente o recurso e declarado materialmente competente o Tribunal de Arouca para o julgamento da acção.

VI . Em contra-alegação, a Ré, EP.- Estradas de Portugal, Entidade Pública Empresarial, suscitou a questão prévia da indevida interposição do recurso para o STJ, visto o...

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