Acórdão nº 0179/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA MAÇÃS
Data da Resolução07 de Março de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

A……, com a identificação constante dos autos, interpôs recurso, no TAF do Porto, da decisão de avaliação da matéria colectável por métodos indirectos, em sede de IRS, relativo ao ano de 2008, proferida pelo Director de Finanças do Porto, em 26/04/2011, que foi julgado procedente por sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal e anulando o despacho recorrido.

2.

Não se conformando com tal decisão, veio o Director de Finanças do Porto interpor recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos conjugados do disposto na alínea b) do artigo 26º do ETAF e dos artigos 280º a 283º do CPPT, concluindo das suas alegações o seguinte: “I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, julgou procedente o recurso à margem referenciado com as consequências aí sufragadas, e consequentemente, determinou a anulação da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, escorando a sua decisão na jurisprudência vertida no Acórdão do STA, proferido no âmbito do Proc. 0734/09, de 19.05.2010.

II - Todavia, somos da opinião que o douto Tribunal a quo, esteou a sua decisão na errónea interpretação do artº 89º-A e art.º 8º ambos da LGT, e, concomitantemente, em clara e manifesta violação dos princípios constitucionais da separação de poderes, da legalidade fiscal, da administração da justiça e da sujeição à lei - cfr. artº 2., 103º n.º 2, 202º e 203º todos da CRP.

III - Com efeito, e de harmonia com o citado artº 89º-A da LGT, sempre que o contribuinte “declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão” resultante da tabela prevista no nº 4 do art. 89º-A, e não efectue a prova prevista no nº 3 daquele normativo legal, encontram-se preenchidos os requisitos legais pura se proceder à avaliação indirecta da matéria colectável em sede de IRS. (Veja-se a este propósito o entendimento vertido no Parecer n.º 75/2005 do Centro de Estudos Fiscais, proferido por João Menezes Leitão).

IV — Ora, defende quer o douto tribunal a quo, quer o Acórdão do STA de 19.05.2010 proferido no Proc. 0734/09, que na quantificação do rendimento tributável, ao valor padrão - 20% do valor de aquisição do imóvel -, deverá abater-se o valor justificado, ou seja, propugnam as referidas decisões judiciais que, quando o sujeito passivo não faça - como se lhe impõe -, a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados, o valor padrão de rendimento tributável - 20% do valor de manifestações de fortuna evidenciadas - seja diminuído até ao montante da prova justificativa que ele faça, dessas manifestações de fortuna.

V - A sindicar-se tal entendimento, implicaria prima facie, estar-se por hipótese a permitir, que em caso de o sujeito passivo fazer prova justificativa de 20% do valor das manifestações de fortuna evidenciadas, então não haveria lugar a rendimento tributável, entendimento esse, que se encontra manifestamente fora da voluntas legis consagrada no artº 89º-A da LGT (sublinhado nosso).

VI - Concomitantemente, o entendimento perfilhado improcede desde logo, face à redacção do art.º 89º-A da LGT, porquanto, não encontra assento ou guarida nem no espírito da lei nem na letra da norma, (como se exige no disposto no artº 9º do Código Civil) e por esse facto, tal interpretação não goza de validade jurídica.

VII - Não encontra assento no espírito da lei, atendendo a que as manifestações de fortuna constituem um instrumento jurídico de luta contra a fraude e evasão fiscais, que se materializa num método substitutivo, em que não sendo possível apurar os rendimentos efectivamente auferidos pelo sujeito passivo este é tributado de forma indirecta, através de um rendimento padrão, que resulta da valoração dos bens adquiridos, designados como manifestações de fortuna.

VIII - Não encontra guarida na letra da lei, ou seja, não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, porque na letra da lei – artº. 89º-A da LGT -. não se prevê nem se consagra que se subtraia ao valor de aquisição o valor justificado por quaisquer outras fontes nara efeitos de cálculo do rendimento padrão.

IX — Donde colhemos, que em observância ao elemento literal, em nenhuma situação a lei permite subtrair ao valor de aquisição o valor justificado por outras fontes para calcular o rendimento padrão.

X - Convém referir que, no art.º 89º-A da LGT, o rendimento padrão se apura determinando 20% do valor de aquisição e serve, numa primeira fase para verificar se o rendimento declarado é desproporcionado em pelo menos 50% desse valor, pelo que, a ocorrer tal apuramento, estão verificados os pressupostos legais para recurso à avaliação indirecta da matéria colectável.

XI - Retira-se com manifesta clareza que a lei faz incidir o ónus de comprovar a totalidade da proveniência do capital dispendido, não sendo aceitável a possibilidade de comprovação parcial do valor de aquisição, por quaisquer outras fontes, a fim de ser tomado como referência para o rendimento padrão (veja-se neste seguimento, o entendimento sindicado por Xavier de Basto in Revista Fiscalidade n.° 5 — o Princípio da Tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária).

XII - Refira-se que, nos termos da lei uma realidade é o valor de aquisição das manifestações de fortuna evidenciadas, e outra realidade é o rendimento padrão, que a lei presume e fixa em 20% apenas daquele valor de aquisição.

XIII - Note-se que, para efeitos de combate à evasão fiscal — augúrio do artº 89º-A da LGT — a única solução é a exigência da prova de meios ou rendimento igual, no mínimo ao valor de aquisição das manifestações de fortuna evidenciadas, sendo manifestamente inaceitável que se tenha de provar, não o valor das manifestações de fortuna evidenciadas, mas o rendimento padrão, o qual já é legalmente presumido.

XIV - Deste modo, a lei estaria precisamente a consentir a evasão fiscal que justamente pretende travar por meio do mecanismo legal em foco, porquanto, este rendimento padrão é um rendimento presumido na suposição, conforme ao senso comum (id quod plerumque accidit), da existência de evasão fiscal fortemente indiciada por manifestações de fortuna em franca discrepância com os rendimentos declarados.

XV - Atente-se ainda que, segundo a lei, o valor padrão não pode ser “descontado” ou baixado, pelo contrário: tal «valor padrão» poderá ser aumentado, se a Administração Tributária estiver na posse de elementos que lhe permitam lixar um rendimento superior (este propósito aderimos ao entendimento vertido no voto de vencido do Ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lino R Alves de Sousa, no âmbito do citado Acórdão Proc. n.° 0734/09 de 19.05.2005).

XVI — Realce-se ainda, em abono desta posição o entendimento sufragado pela jurisprudência desse Supremo Tribunal Administrativo, mormente o Acórdão do STA do Pleno Contencioso Tributário, no âmbito do Processo n.° 0761/08 datado de 28.01.2009, em que é Relator o Ilustre Juiz Conselheiro Pimenta do Vale, o Acórdão do STA referente ao Proc nº 390/07 datado de 06.06.2007, cujo Relator é o Juiz Conselheiro António Calhau, e ainda entre outros, os seguintes acórdãos: o Acórdão do STA, Processo n.º 0234/08, de 16.04.2008; Acórdão TCAS, Processo 01678/07, de 20.03.2007; Acórdão TCAS, Processo 03083/09, de 21.04.2009; e Acórdão TCAS, Processo 01090/06, de 20.04.2006 (todos disponíveis in www.dgsi.pt).

XVII - Atendendo ao exposto, o entendimento sufragado pelo douto Tribunal a quo e o Acórdão do STA de 19.05.2010 proferido no Proc. 0734/09, é desprovido de qualquer suporte legal, por desconformidade com o elemento literal e com o espírito do art.º 89º-A da LGT, não colhendo, concomitantemente, apoio à luz da doutrina e jurisprudência citada.

XVIII - Ao pugnar pela incorporação dos valores parcialmente justificados no cálculo do rendimento padrão - calculando-o apenas sobre o remanescente não justificado do valor da manifestação de fortuna - o Acórdão do STA, que serviu de referência fundamentadora à sentença recorrida, colide com a letra do nº 4 do artigo 89º-A e, igualmente, com o seu espírito.

XIX - Isso mesmo parece reconhecer o Acórdão datado de 19.05.2010 proferido no Proc. 0734/09 quando anuncia que se apoia no “espírito do sistema, conformado pelos princípios constitucionais e legais pertinentes atendendo à natureza das normas em causa” o que, só por si, constituiria apoio escasso, considerando a natureza das normas em causa que são normas de incidência tributária e/ou normas de determinação substantiva da matéria tributável com repercussão directa na quantificação do imposto devido.

XX - A interpretação jurídica da citada norma do art.º 89º-A da LGT, vertida no entendimento do douto Tribunal a quo e no Acórdão do STA de 19.05.2010, Proc. 0734/09, além de extravasar o sentido literal da norma, porquanto, não encontra nem no espírito nem na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, viola os princípios constitucionais da separação dos poderes, da legalidade tributária, da administração da justiça e da obediência à lei a que aludem os art. 2º, 103º nº 2, 202º e 203º todos da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP e no art. 8º da LGT.

XXI - O princípio da separação e interdependência dos poderes, enquanto princípio fundamental constitutivo do Estado de Direito democrático, tem subjacente a ideia clássica de que é através da divisão e separação de poderes que se asseguram as dimensões democrática e de juridicidade estatal e assenta na premissa de que os titulares constitucionais do poder legislativo têm o monopólio em matéria de aprovação de actos legislativos, pelo que, numa sociedade democrática. Aberta, plural e fraccionada, a invocação da injustiça da lei não pode abrir a porta ao despotismo judicial.

XXII - No que ao caso contende, as considerações tecidas pelo douto Tribunal a quo, ancorando-se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT