Acórdão nº 0480/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelMIRANDA DE PACHECO
Data da Resolução16 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 - A..., Lda., com sede em Coimbra, vem recorrer do acórdão do TCA Sul que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Coimbra que, por sua vez, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IVA e IRC dos exercícios 1991 a 1994, formulando as seguintes conclusões: A. A decisão recorrida é nula nos termos do disposto no artigo 668. °, n.º 1, al. d), do CPC, por incorrer em omissão de pronúncia.

  1. De facto, a decisão recorrida não se pronunciou sobre a matéria vertida nas conclusões "E" e "G" do recurso interposto para o TCA.

  2. Omitindo também pronúncia quanto à questão falta de fundamentação do acto de liquidação em face do conteúdo acta da Comissão de Revisão na qual se estribou a liquidação [cf. conclusões C e D do recurso interposto para o TCA].

  3. O Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao considerar fundamentada a liquidação com base no relatório da inspecção, inexistindo, em sede de liquidação, qualquer remissão para os fundamentos constantes desse relatório.

  4. O relatório de inspecção não consubstancia a fundamentação do acto de liquidação, entendido como a decisão administrativa final do procedimento, razão pela qual o facto desse relatório se encontrar fundamentado não elimina o dever de fundamentação expressa da decisão final que determina o quantitativo do imposto exigido ao contribuinte.

  5. Não pode admitir-se como válida uma fundamentação implícita ou uma remissão implícita ou presumível para os elementos constantes do procedimento.

  6. No caso de uma fundamentação por remissão, a declaração de concordância com os fundamentos a que se adere tem de ser clara e inequívoca e individualizar, em concreto, qual o discurso fundamentador acolhido, de forma a possibilitar ao destinatário uma apreensão acessível das razões determinantes da actuação administrativa, pelo que o cumprimento do dever de fundamentação não pode, assim, ser aferido através da consideração de elementos constantes do processo administrativo para os quais não existiu expressa remissão.

  7. O critério normativo inferido dos artigos 81° e 82. ° do CPT (com correspondência actual no artigo 77.° da LGT) interpretado no sentido de admitir que a decisão final do procedimento seja fundamentada implicitamente por remissão não expressa para o processado anteriormente à liquidação, viola o disposto no artigo 268.°, n.º 3, da CRP.

    I. Padecendo também de inconstitucionalidade, pelos mesmos motivos, o critério normativo resultante da interpretação das normas supra citadas interpretadas no sentido de fazer equivaler a fundamentação do relatório de inspecção à fundamentação da liquidação sem existência de qualquer remissão para aquele.

  8. Estribando-se as liquidações em crise na decisão da Comissão de Revisão, lavrada em acta, é no seu teor que importa perscrutar o cumprimento do dever de fundamentação.

  9. Ora, essa acta não contem um discurso apto a esclarecer o contribuinte quanto à motivação do valor acordado, designadamente quanto à indicação clara e congruente dos elementos e critérios utilizados na sua determinação e quanto à razão de terem sido recalculadas as margens de comercialização para os valores constantes da acta e não para outros (maiores ou menores) e a razão da manutenção da margem de lucro para o exercício de 1991.

    L. A avaliação indirecta pressupõe a impossibilidade de comprovação directa da matéria tributável, não bastando que se dê como provado a existência de irregularidades, cabendo à AF o ónus de demonstrar fundamentadamente que as irregularidades detectadas impossibilitam o recurso à avaliação directa.

  10. O Tribunal a quo apenas considerou provada a mera existência de irregularidades, nada tendo consignado, no probatório, quando à subsistência desse requisito fundamental para aplicação dos métodos indiciários e, bem assim, quanto à sua prova por banda da AF e quanto ao seu controlo jurisdicional, tal como requerido.

  11. Não se tendo dado como provado que as irregularidades detectadas impossibilitavam o recurso à avaliação indirecta, incorre o Tribunal a quo em erro de julgamento pois considera suficiente para a aplicação de métodos indirectos a prova de meras irregularidades e anomalias, desacompanhada da demonstração da citada impossibilidade.

  12. Sendo esse erro bem patente ao admitir a aplicação dos métodos indirectos ao exercido de 1991, dando como provado que os elementos fornecidos pelo sujeito passivo permitiam um controlo efectivo da sua situação fiscal.

  13. O critério de quantificação mobilizado pela AF é ilegal, por inidóneo para quantificar presuntivamente o rendimento real da recorrente.

  14. No entanto, o Tribunal a quo escusou-se a sindicar a validade dos critérios de quantificação porque "tendo a Administração Tributária indicado também o critério de quantificação, cabia à recorrente o ónus de provar o excesso na quantificação." R. Ora, a legalidade dos critérios de quantificação dos rendimentos está sujeita a controlo jurisdicional que afira da sua adequação material, sendo esta uma questão diferenciada do problema do ónus da prova do excesso da concreta quantificação.

  15. O critério normativo, acolhido pelo Tribunal a quo, extraído do artigo 346.º do Código Civil (no sentido do actual 74. °, n.º 3, da LGT), com referência ao artigo 52. ° do CIRC (actual 90.°, n.º 1, da LGT), interpretado no sentido de precludir a sindicabilidade jurisdicional da legalidade do critério de quantificação indirecta do rendimento tributável, nos casos em que o sujeito passivo não prove um excesso na quantificação, será patentemente inconstitucional, por violação do Princípio da Legalidade Fiscal, do Princípio da Tributação de acordo com o Rendimento Real (ainda que presumido) e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, nos termos do disposto no artigo 268.°, n.º 4, da nossa norma normarum. O mesmo se dizendo da norma do artigo 52. ° do CIRC quando considerada impeditiva da sindicabilidade jurisdicional do critério de quantificação indirecta dos rendimentos.

  16. Em todo o caso, o probatório é radicalmente insuficiente para permitir um controlo jurisdicional adequado do critério de quantificação, dele constando, apenas, que "a falta de identificação dos bens (...) inviabilizou a determinação (...) das margens de lucro praticadas""tendo a mesma sido determinada tomando por base valores existentes à data da visita inspectiva, 1995"; e que "a amostragem incidiu sobre 30 produtos diferentes, com preços variáveis", sem que constem os critérios de selecção da amostra a fundamentação da sua escolha e se relevem as condições concretas de exercício da actividade.

  17. A decisão recorrida exigiu, para que fosse demonstrada a subsistência de uma fundada dúvida que a recorrente provasse a existência de um efectivo excesso na quantificação.

    V. O que traduz uma contra contraditio in integrum que interpreta revogatoriamente a norma, por quanto tendo o contribuinte demonstrado o excesso na quantificação a anulação da liquidação não tem por fundamento a existência de "fundada dúvida", mas sim a plena satisfação do ónus da prova que lhe competia.

  18. A aplicabilidade do regime considerando deve bastar-se com a valoração de elementos que permitam evidenciar essa "dúvida" em termos de poder concluir-se que "existem indícios de que a quantificação é errada", só assim se salvando a intencionalidade prático-normativa da norma.

    X. O tribunal a quo não avaliou o material probatório na lógica de verificar, a partir dele, se esses indícios existiam ou não, e não o fez porque, erradamente, fez depender a aplicação da norma do CPT da prova absoluta do excesso de quantificação quando deveria ter perscrutado se os elementos aduzidos pela recorrente permitiam gerar indícios de que a quantificação se mostrava excessiva.

  19. Sendo o princípio da unidade do corpus iuris uma dimensão essencial do Estado-de-direito na medida em que aquele traduz uma exigência de unitária coerência normativo-sistemática e o dever de metodologicamente se relevar esse sentido "de unidade" - princípio este inferido do artigo 2.°...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT