Acórdão nº 0717/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelJORGE LINO
Data da Resolução16 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1.1 O Director da Alfândega de Setúbal vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, nestes autos de providência cautelar de suspensão da eficácia «do acto de execução de accionamento de garantia bancária», em que é requerente a ora recorrida "A...", antecipando o juízo sobre a causa principal, julgou verificada a «prescrição da dívida em causa nos presentes autos» e anulou «os actos de execução de accionamento da garantia bancária».

1.2 Em alegação, a entidade recorrente apresenta as seguintes conclusões.

  1. A decisão recorrida que anulou os actos de execução de accionamento da garantia bancária n° ... do ..., por ter julgado verificada a prescrição da dívida exequenda, relativa a direitos aduaneiros e a imposto sobre o tabaco, na sequência de pedido de decretamento de providência cautelar de suspensão da eficácia da decisão de execução, que foi notificada a 24 de Abril de 2007, não se limitou a suspender a eficácia do acto, visto que antecipou o juízo sobre a causa principal, embora não possa deixar de ser tida como uma decisão "respeitante à adopção de providências cautelares", para efeitos de imediata produção de efeitos jurídicos, face à necessária interpretação extensiva do n° 2 do art° 143° do CPTA, na redacção dada pela Lei n° 4-A/2003, de 19 de Fevereiro.

  2. Assim sendo, a decisão judicial de que se recorre tem por efeito impedir, com efeitos imediatos, a execução da decisão de cobrança de direitos aduaneiros e imposto sobre o tabaco, o que constitui grave violação do disposto nos art°s. 70º e 244° do CAC, visto que ao abrigo dessa regulamentação comunitária só as autoridades aduaneiras têm competência para adoptar, em primeira mão, a medida cautelar aí prevista, quanto mais não seja a requerimento do interessado, o qual poderá, apenas posteriormente, interpor recurso judicial de decisão administrativa desfavorável através de acção principal e sem prejuízo também de interposição de providência cautelar, apenas nessa fase, que venha a ser acompanhada da competente acção principal, intentada em reacção à decisão das autoridades aduaneiras, a que se reporta o art. 244° do CAC (Cfr. as doutas anotações de Jorge Lopes de Sousa in "Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado", Vol. I, Áreas Editora, 2006, a págs. 1093 - nota 13 - "Tutela cautelar no Código Aduaneiro Comunitário" Cfr. também, Nuno Aleixo, Pedro Rocha e Ricardo de Deus, in Código Aduaneiro Comunitário Anotado e Comentado", Editora Rei dos Livros, 2007, a págs. 1031; Ac. do STA de 28 de Janeiro de 1998, proferido no Proc. N° 022401, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n° 473, pág. 260, em Acórdãos Doutrinais, ano XXXVII n° 443, Novembro de 1998, pág. 1409, e ainda em Ciência e Técnica Fiscal n° 389, pág. 217).

  3. Logo, a sentença recorrida ao anular os actos de execução, ao abrigo do n° 2 do art° 121° do CPTA, desrespeitou manifestamente a regulamentação comunitária, designadamente os arts. 7° e 244° do CAC, em clara violação do n° 4 do art° 8° do CRP, o qual consagra o princípio do primado do direito comunitário.

  4. Para além do mais, a sentença recorrida ao anular os actos de execução da garantia, decidiu antecipar o juízo sobre a causa principal, por efeito da conversão do processo de providência cautelar num processo para decisão de mérito, fazendo aplicação de um regime que não é de todo aplicável ao contencioso tributário, pois nem o n° 6 do art. 147° do CPPT, aplicável ao caso dos autos, remete globalmente para as normas do CPTA que regulam as providências cautelares, nem sequer o n° 4 do art.º 268° da CRP exige a possibilidade de os processos cautelares serem convolados em processos principais, sendo por outro lado certo que, de qualquer modo, a aplicabilidade do art. 121° do CPTA ao contencioso tributário estará à partida afastada, pela circunstância de a aplicação do regime aí previsto se encontrar limitada aos casos em que "atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos" se impõe com manifesta urgência a resolução definitiva do caso, o que não ocorre quando estão em causa interesses de natureza patrimonial, ainda para mais de uma entidade garante (recorrida) nos termos de Convenção Internacional, a qual seria suposto que honrasse os seus compromissos, para garantia da segurança jurídica das operações de trânsito e do cumprimento das obrigações fiscais às mesmas associadas, não se socorrendo, ao invés, de sucessivas interposições de recursos, que acabou aliás por perder concludentemente, para vir afinal invocar a prescrição de dívida tributária, tentando dessa forma beneficiar do adiamento sucessivo da resolução judicial definitiva.

  5. Acresce que, tendo o pedido de pagamento sido dirigido à recorrida, a 12 de Agosto de 1996, dentro do prazo de 2 anos a que alude a primeira parte do n° 2 do art.º 11° da Convenção TIR, na qualidade de associação fiadora, responsável conjunta e solidariamente pela dívida aduaneira constituída, a prescrição nunca ocorreu.

  6. Por outro lado, tendo presente o preceituado no n° 2 do art° 11°, in fine, da Convenção TIR, a prescrição nunca operaria no caso sub judice, mesmo que não se considerassem aqueles pedidos de pagamento iniciais, pois foi ainda dirigido à ora recorrida, em 24 de Abril de 2007, em sede de procedimento de cobrança, novo pedido de pagamento dos montantes em dívida, muito antes do decurso do prazo de um ano a contar da data em que a decisão judiciária se tornou executória, tendo em conta que o Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, que decidiu em última instância a impugnação judicial deduzida pela recorrida, foi proferido em 28 de Fevereiro de 2007.

  7. Efectivamente, ao contrário do que afirma a sentença de que agora se recorre, o prazo ínsito no n° 2 do art° 11º da Convenção TIR, deve ser entendido como um prazo de prescrição, por um lado porque, por contraposição, os prazos indicados no n° 1 do mesmo preceito vêm sendo considerados, pela jurisprudência comunitária e nacional, prazos de caducidade, aplicáveis à situação da recorrida, enquanto associação responsável conjunta e solidariamente com os devedores principais (Cfr. Ac. do TJCE de 23 de Setembro de 2003, proferido no Proc. C - 78/01; e Ac. do STA de 26 de Janeiro de 2005, no Proc. n° 0582/04, que decidiu a impugnação judicial contra a ora recorrente), e por outro lado, tendo em conta os termos inequívocos do preceito em causa, que utiliza a expressão "pedido de pagamento das quantias visadas nos parágrafos 1 e 2 do art° 8°", o que só pode ser contextualizado no âmbito do procedimento de cobrança a que alude a alínea h) do n° 1 do art° 54° da LGT, no seio do qual cabe antes falar de prescrição, tanto mais que as quantias em causa já haviam sido liquidadas e comunicadas à recorrente a 28/05/1996 e a 12/09/1996, conforme consta aliás do probatório da sentença recorrida.

  8. Em abono da qualificação do prazo previsto no art° 11°, n° 2 da Convenção TIR, como prazo de prescrição, refira-se ainda que o art° 454°, n° 2, das DACAC, previa que a cobrança dos direitos e demais imposições devidas fosse realizada nos termos das disposições comunitárias ou nacionais, o que não podia deixar de constituir já uma clara alusão aos prazos de caducidade previstos no art° 221° do CAC, entendimento que veio a ser confirmado pela redacção do art° 455º-A, introduzida posteriormente nas DACAC, pelo Regulamento n° 2454/93, da Comissão, que remete quanto ao processo de cobrança para os arts. 217° a 232° do CAC, atenta a omissão do CAC quanto à regulamentação da prescrição, circunstância essa que levará necessariamente a concluir que o n° 2 do art° 11° da Convenção TIR contém um prazo de prescrição e não de caducidade, ao invés do que considerou a sentença recorrida.

  9. Refira-se ainda que, o equilíbrio que os art°s. 221° e 233° do CAC pretendem acautelar, entre, por um lado, a necessidade de proteger os recursos próprios da Comunidade e, por outro, a preocupação de garantir a protecção dos interesses legítimos dos operadores económicos ao nível da segurança jurídica, ficaria seriamente comprometido com o entendimento, adoptado pela sentença recorrida, de que o n° 2 do art° 11° da Convenção TIR consagra um prazo de caducidade, tendo presente o desfasamento manifesto daí decorrente para com os prazos de caducidade previstos nos n°s 3 e 4 do art° 221° do CAC, o que teria por efeito introduzir um tratamento diferenciado dos operadores económicos, sem que existam interesses constitucionalmente relevantes que o justifiquem, em violação clara do princípio da igualdade consagrado no art° 13° da CRP, aplicável ex vi do n° 2 do art° 266° da CRP e do art° 55° da LGT.

  10. Ao invés, impõe-se antes considerar, em sede de interpretação conforme à Constituição, que o art° 11°, n° 2, da Convenção TIR, consagra antes um prazo de prescrição e não de caducidade, assim se conseguindo também a compatibilização desse preceito legal com as disposições conjugadas dos n°s. 3 e 4 do art° 221° do CAC e dos artºs 454° e sgs. das DACAC, atentos inclusivamente os termos da remissão actual constante designadamente do art° 455°-A das DACAC, quanto ao processo de cobrança, para os arts. 217° a 232° do CAC.

  11. De qualquer forma, ainda que não fosse de acolher a qualificação do prazo ínsito no n° 2 do art° 11° da Convenção TIR como prazo de prescrição, aplicável no caso dos autos, o que de todo o modo não se concede, verifica-se que a sentença ora recorrida fez errada aplicação do art.º 297° do Código Civil, no que toca à aplicação dos prazos de prescrição decorrentes das disposições de direito interno.

  12. Com efeito, ainda que se desconsiderasse o prazo de prescrição previsto no n° 2 do art° 11º da Convenção TIR, o qual deveria prevalecer do ponto de vista da hierarquia das fontes de direito, nos termos do n° 2 do art° 8º da CRP, verifica-se que, ainda que se aplicassem os prazos previstos no direito interno, o prazo de prescrição que começou a correr a 1 de Janeiro de...

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