Acórdão nº 07S3667 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução23 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA propôs, no Tribunal do Trabalho de Gondomar, a presente acção contra o BB, pedindo que se declarasse a ilicitude do despedimento de que foi alvo por parte do réu, em 28 de Setembro de 2004 e que o réu fosse condenado: i) a reintegrá-la no seu posto de trabalho ou a pagar-lhe a indemnização de antiguidade, se ela por esta vier a optar; ii) a pagar-lhe a quantia global de € 6.521,60 (€ 5.000,00 a título de danos morais, € 380,40 a título de retribuição relativa aos 30 dias que antecederam a data de propositura da acção e € 1.141,20 a título de retribuição e subsídio das férias vencidas em 1.1.2004 e de subsídio de Natal de 2004), acrescida de todas as prestações, retribuições e subsídios vencidos desde a data do despedimento até ao trânsito da decisão final; iii) a pagar-lhe os juros de mora, desde a citação; iiii) a pagar-lhe os descontos para a Segurança Social desde a data da sua admissão, em 1998 até à presente data, bem como os subsídios, abonos, baixas, subsídio de maternidade e outros que deixou de auferir, por falta de descontos dos aludidos descontos, a liquidar em execução de sentença.

Em resumo, a autora alegou que foi admitida ao serviço do réu, em 1998, para, sob as suas ordens e direcção e mediante retribuição, efectuar a limpeza das zonas comuns do condomínio, com sujeição a horário de trabalho, contrato esse que o réu fez cessar, por carta datada de 24.9.2004, sem justa causa nem processo disciplinar, o que a deixou profundamente aflita, infeliz, angustiada e humilhada, por ter ficado sem meios para fazer face às suas despesas normais e às do seu agregado familiar, vendo-se na necessidade de pedir dinheiro emprestado a terceiros, e lhe causou um grande choque emocional e foi motivo de depressão.

O réu contestou, alegando, em resumo, que o vínculo jurídico estabelecido com a autora era de prestação de serviço e não de contrato de trabalho, não tendo, por isso, direito aos créditos peticionados.

No articulado de resposta, a autora reafirmou a natureza laboral do vínculo contratual estabelecido com o réu e, nesse sentido, alegou que, em Agosto e Novembro de 2003, o réu lhe pagou horas extraordinárias, o que só ocorre quando o trabalho é prestado de forma subordinada, que as quantias pagas pelo réu eram apelidadas de "vencimento", pelo menos desde 1999, e que sempre recebeu subsídio de férias e de Natal, o que é incompatível com o contrato de prestação de serviço.

Proferido o despacho saneador e seleccionada a matéria de facto admitida por acordo e elaborada a base instrutória, procedeu-se a julgamento, sem gravação da prova, e, posteriormente, foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente, com o fundamento de que a autora não tinha logrado fazer a prova da existência do contrato de trabalho.

A autora apelou da sentença, sustentando que os factos dados como provados eram suficientes para concluir pela existência do contrato de trabalho.

Apesar da decisão proferida na 1.ª instância sobre a matéria de facto não ter sido objecto de impugnação, o Tribunal da Relação do Porto alterou aquela decisão nos termos que adiante serão referidos e, em consequência dessa alteração, julgou procedente o recurso, no que diz respeito à existência do contrato de trabalho e ao despedimento, e condenou o réu a pagar à autora: i) a indemnização de antiguidade correspondente a 35 dias de retribuição por cada ano completo ou fracção de antiguidade até ao trânsito em julgada da sentença, a liquidar oportunamente, acrescida dos juros de mora, desde a data da liquidação até efectivo e integral pagamento; ii) as retribuições que a autora teria auferido desde o 30.º dia que antecedeu a dada da propositura da acção (ou seja, desde 2.7.2005) até à data do trânsito da decisão final, a liquidar oportunamente, acrescidas de juros de mora, desde a data da liquidação até efectivo e integral pagamento.

Inconformado com a decisão da Relação, o réu interpôs o presente recurso de revista, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

  1. Os Senhores Juízes Desembargadores, ao contrário do que é habitual, fizeram letra morta da factualidade dada como provada pelo M.mo Juiz da 1.ª Instância.

  2. Não sendo os Juízes do julgamento em 1.ª instância, não tiveram acesso a toda a prova testemunhal produzida, acabando por alterar a matéria de facto dada como provada, eliminando parte e aditando outra matéria, de forma que se nos afigura abusiva, conclusiva e sem sustentação na realidade da prova que se produziu em audiência de julgamento.

  3. Violando a própria lei substantiva e processual.

  4. A decisão do M.mo Juiz da 1.ª instância baseou-se na prova produzida e na convicção que formou de determinada realidade, de factos com os quais foi confrontado, em certezas que deu como provadas.

  5. A decisão do Tribunal da Relação, ao contrário, baseou-se, salvo o devido respeito, que é muito, em suposições, em juízos meramente conclusivos, partindo de pressupostos e de uma realidade diversa da efectivamente vivida, fazendo uma interpretação dos factos tendenciosa e discricionária.

  6. No douto acórdão recorrido foi decidido alterar o n.° 9 da matéria de facto dada como provada, pretendendo-se com tal alteração tirar a conclusão de que o facto de nos documentos de fls. 92 e 95 constar "horas extraordinárias" configura a existência de um contrato de trabalho, que não de prestação de serviços.

  7. Conclusão abusiva e que contraria a prova produzida em audiência de julgamento, bem como a alegação que foi produzida pela recorrente em sede de oposição à resposta da recorrida.

  8. Em tal oposição, a recorrente afirmou que o facto de constar em tais documentos que o pagamento é proveniente de "horas extraordinárias" significa, apenas, que a recorrente pagou à recorrida trabalhos que não estavam incluídos na prestação mensal a que se havia obrigado contratualmente.

  9. Neste contexto, o M.mo Juiz da 1.ª instância valorou certamente tais documentos, mas, tendo em atenção a demais prova produzida, decidiu que tal menção nos documentos não se devia a verdadeiro pagamento de horas extraordinárias, como se existisse um vínculo laboral.

  10. E andou bem o M.mo Juiz ao assim decidir, não tendo o mesmo violado qualquer disposição legal, mormente o invocado art. 376.º do Cód. Civil e o n.° 3 do art. 659.º do Cód. Proc. Civil.

  11. Afigura-se no mínimo estranho, por contraditório, que, relativamente aos demais documentos juntos com a contestação como os n.os 1 a 52, à excepção dos de fls. 92 e 95, o Tribunal da Relação não tenha dado como provado que existia um contrato de prestação de serviços entre a recorrente e a recorrida, posto que em tais documentos consta escrito "proveniente de serviços de limpeza", "prestação de serviços".

  12. Aplicando o mesmo raciocínio e não tendo tais documentos sido objecto de impugnação e de arguição de falsidade, devem os mesmos fazer prova plena da existência de um contrato de prestação de serviços, que não laboral.

  13. Assim sendo, o acórdão recorrido enferma de violação da lei substantiva e processual - ut. art. 376.° do Cód. Civil e 646.º, n.° 4 e 659.°, n.° 3 do Cód. Proc. Civil.

  14. Quanto à eliminação da palavra "apenas" constante do n.° 12 da matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância, afigura-se à recorrente que ao Tribunal da Relação não assiste razão ao pretender eliminar a mesma, dando-a como não escrita, pois mais uma vez o acórdão recorrido enferma de falta de conhecimento concreto da realidade por que tal palavra foi escrita, e bem se entende o porquê, posto que não assistiu à prova produzida, bem como não atentou nos articulados.

  15. Sendo o prédio em causa constituído por uma parte comercial e uma parte habitacional, a recorrida foi contratada para prestar os seus serviços de limpeza na parte comercial.

  16. Assim, a palavra "apenas" deverá ser mantida escrita no n.° 12 da matéria de facto dada como provada.

  17. Não pode ou não deve o Tribunal da Relação substituir-se ao Tribunal da 1.ª instância relativamente à matéria dada como provada, sem que para que tal existam factos que sejam do seu conhecimento e baseados na prova produzida.

  18. O acórdão recorrido procedeu à eliminação da matéria de facto dada como provada no n.° 13.

  19. Diz o acórdão: "No n.° 13 da matéria de facto assente consta «sem sujeição a qualquer horário de trabalho». Tal afirmação tem, porém, natureza conclusiva, uma vez que se extrairia de factualidade que não consta de matéria de facto alegada e dada como provada, tanto mais que não só a questão da existência (ou não) de um horário de trabalho era controvertida, como também é a própria Ré quem, alegando embora na contestação que «não foi fixado qualquer horário de trabalho para a mesma prestar o seu serviço», refere igualmente que a A. tinha que o fazer «todos os dias, mesmo aos sábados e domingos» e que, embora não necessitando «da execução permanente de trabalhos nesse sentido», a limpeza teria que se encontrar efectuada «à hora de abertura».

  20. Com o devido respeito, afigura-se que quem faz afirmação conclusiva é o Tribunal da Relação, que não o M.mo Juiz da 1.ª instância.

  21. O que ficou provado em audiência de julgamento, e bem, é que a recorrida só precisava de um número de horas reduzido para executar o serviço para que tinha sido contratada, número esse muito aquém das oito horas diárias.

  22. Quando se afirma que a zona comercial bastava que se encontrasse limpa à hora da abertura, quer-se dizer que, como é natural em qualquer comercial ou centro comercial, o mesmo esteja limpo à hora de abertura.

  23. Após essa hora de abertura, a recorrida não tinha que fazer qualquer trabalho ou limpeza, como não fazia.

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  24. Ao dizer-se que a recorrida não estava sujeita a qualquer horário, quer dizer-se, e foi o que ficou provado, que a mesma só tinha que ter o centro comercial limpo à hora de abertura, podendo a mesma efectuar o serviço durante a noite e gastando o tempo necessário para o efeito, podendo uns dias demorar mais tempo, outros menos...

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