Decisões Sumárias nº 308/05 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Setembro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução27 de Setembro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 308/2005

Processo n.º 710/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

1. O representante do Ministério Público no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa interpôs recurso para o Tribunal Constitucional – ao abrigo dos artigos 280.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e 70.º, n.º 1, alínea g), e 72.º, n.º 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC) – da sentença de 11 de Novembro de 2003, daquele Tribunal, que aplicou as normas constantes dos artigos 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, publicitado no Edital n.º 35/92, publicado no Diário Municipal, n.º 16 366, de 19 de Março de 1999, e dos artigos 27.º e 28.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais do ano de 2002, correspondentes aos artigos 24.º e 25.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais publicada no Edital n.º 80/90, normas essas já julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional (nos Acórdãos n.ºs 63/99, 32/2000, 346/2001 e 39/2003), na interpretação de que é devida taxa de publicidade ainda que os anúncios sejam afixados em propriedade privada e desde que visíveis de espaços públicos.

Tratando-se e questão que pode ser qualificada como “simples” por já ter sido objecto de anteriores decisões do Tribunal Constitucional, justifica-se a prolação de decisão sumária, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

2. A sentença ora recorrida assentou na seguinte fundamentação fáctica e jurídica:

“É o seguinte o elenco factual colectado nos presentes autos e apensos:

a) Em 19 de Março de 1990, em 1998 e em 2001, a ora impugnante requereu à Câmara Municipal de Lisboa (CML) licenças para instalação de anúncios publicitários e frisos luminosos nas fachadas dos prédios sua propriedade e arrendado, sitos na Rua … e na Avenida …, torneja Avenida …, em Lisboa, com os dizeres «…», «Rossio» e «Avenida da República», bem como publicidade na viatura automóvel …, as quais lhe foram deferidas nos processos n.º 430/PUB/90, 4755/GM/98 e 5266/01, de carácter anual, automaticamente renovável desde que não se verifique o seu cancelamento;

b) Os prédios identificados em a) que antecede, o identificado em 1.º lugar é propriedade da impugnante e o 2.° é arrendado, que ali desenvolve a sua actividade comercial, sendo também propriedade da impugnante a viatura automóvel, constituindo tais reclamos uma forma de comunicação e promoção junto do público dos bens e serviços que ali a impugnante comercializa;

c) Pelos serviços da CML foi liquidada, para pagamento até 30 de Junho de 2002, à impugnante, a título de taxa pela renovação de licença de publicidade sobre anúncios e frisos luminosos, referente ao ano de 2002, a quantia de Esc. 1 383 530$00, € 6901,02, ao abrigo dos artigos 27.° e 28.° da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais;

d) No Diário Municipal, n.º 16 336, de 19 de Março de 1992, foi publicado o Edital n.º 35/92, que contém o Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa – cfr. fls. 22;

e) A ora impugnante procedeu ao pagamento do montante referido em c) que antecede em 6 de Junho de 2002.

Estes os factos. Apliquemos-lhes o direito.

A questão suscitada nos presentes autos é a seguinte: indagar qual a natureza jurídico-tributária da quantia liquidada pela CML por via da concessão de uma licença de publicidade: se se trata de um imposto, como defende a impugnante e o Ministério Público, ou se se trata de uma taxa, como sustenta a CML e a representante da Fazenda.

Refira-se, antes de mais, que «as autarquias locais dispõem de poder regulamentar próprio nos limites da Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com poder tutelar», conforme dispõe o artigo 242.° da CRP.

O artigo 239.° da CRP dispõe ainda que «as atribuições das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei».

A. Queiró, in Revista do Direito e de Estudos Sociais, ano XXVII, p. 15, refere que o poder regulamentar tem, portanto, como limite o domínio reservado à lei. Nesse âmbito, só é permitida a intervenção do legislador ou a do Governo, quando titular de uma autorização legislativa.

O regulamento, nomeadamente o dos órgãos autárquicos, só é permitido quando for de simples execução. A lei (formal) pode facultar às autarquias locais a intervenção regulamentar no domínio reservado, designadamente no dos direitos, liberdades e garantias.

Os órgãos das autarquias locais só podem deliberar no âmbito da sua competência e para a realização das atribuições das respectivas autarquias, nos termos do disposto no artigo 76.° do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março (princípio da especialidade).

Por outro lado, a atribuição da autonomia financeira às autarquias locais vem reforçar o grau de descentralização administrativa. As autarquias locais gozam, conforme o disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 1/87 (Lei das Finanças Locais), de autonomia financeira.

O artigo 27.° da Lei n.º 1/79, de 2 de Janeiro, revogou os artigos 723.° e 724.° do Código Administrativo, bem como a tabela anexa que fixava as taxas.

Mas a alínea h) do n.º 1 do artigo 13.° manteve a possibilidade de os municípios cobrarem taxas «pela autorização para emprego de meios de publicidade destinados a propaganda comercial». Ou seja, recuperou, fazendo-a sua, a estatuição do artigo 723.°, n.º 8.°, do Código Administrativo, que normatizava no sentido de poderem as câmaras municipais cobrar taxas «pela autorização para o emprego de meios de publicidade destinados a propaganda nas vias públicas do concelho».

O mesmo viria a fazer a Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, permitindo que os municípios cobrassem taxas por «autorização para o emprego de meios de publicidade destinados a propaganda comercial» – artigo 11.°, alínea h).

Por outro lado, a alínea j) do n.º 1 do artigo 13.° da Lei n.º 1/79, de 2 de Janeiro, manteve a possibilidade de os municípios cobrarem taxas «por quaisquer licenças da competência dos municípios que não estejam isentas por lei». Isto é, recuperou, fazendo-a sua, a estatuição do artigo 723.°, n.º 10.°, do Código Administrativo.

O mesmo viria a fazer a Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, permitindo que os municípios cobrassem taxas por «qualquer outra licença da competência dos municípios» – artigo 11.°, alínea o).

De resto, as taxas «cobradas pela utilização dos seus serviços» constituem «receitas próprias das autarquias locais», por força do n.º 3 do artigo 240.° da Constituição.

Nos termos da alínea l) do n.º 2 do artigo 39.° do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, compete às assembleias municipais «estabelecer, nos termos da lei, taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos».

Assim, a expressão «nos termos da lei» não limita a fixação dos quantitativos das taxas, mas o estabelecimento dessas taxas. Ou seja, as taxas só podem ser estabelecidas desde que a lei o preveja. Mas, se puderem ser estabelecidas – e já vimos que podem, sempre que haja autorização para o emprego de meios de publicidade destinados a propaganda comercial – cabe às assembleias municipais, e só a elas, fixar os seus quantitativos. Os quais não têm outro limite além do resultante do carácter sinalagmático que distingue a taxa: hão-de corresponder à contrapartida, que são os serviços prestados.

Pode, ainda, chamar-se a terreiro o n.º 2 do artigo 106.° da Constituição, o qual, impondo que seja a lei a criar os impostos e a determinar a sua taxa, não estabeleceu igual reserva quanto às taxas.

De resto, é abundante a doutrina no sentido de que o princípio constitucional da legalidade dos impostos não abrange as taxas – cfr. Pedro Soares Martinez, Manual de Direito Fiscal, pág. 36; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, pág. 460; Pamplona Corte-Real, Curso de Direito Fiscal, vol. I, pág. 77; e Domingos Pereira de Sousa, As Garantias dos Contribuintes, pág. 66.

Não tem que nos espantar, portanto, que as assembleias municipais possam fixar taxas sem que haja lei que estabeleça os limites máximos dessa fixação.

Feito este breve parênteses, entremos na abordagem da questão levantada pela impugnante, da inconstitucionalidade da taxa de publicidade.

Com efeito, entende que não se trata de uma taxa, mas sim de um imposto.

A taxa de licença para propaganda ou publicidade é, como o próprio nome indica, uma taxa, por se tratar de uma prestação que uma pessoa tem de pagar à Câmara Municipal como retribuição pela licença que esta lhe concede para afixar ou manter afixada uma mensagem publicitária visível da via pública.

Na verdade, a contraprestação da CML é a remoção de limites jurídicos à actividade do particular.

Neste sentido, consultar Acórdão da Relação de Lisboa, de 9 de Fevereiro de 1993, em Colectânea de Jurisprudência, ano XVIII, tomo I, págs. 156 a 158.

Como bem sustenta o Prof. Sousa Franco, em Finanças públicas e Direito Financeiro, 2.ª edição, 1988, a págs. 492:

«Em termos jurídicos e financeiros, as taxas podem assumir três formas principais, consoante os seus fundamentos.

A primeira é a que resulta de uma concreta relação com um serviço público: isto acontece nas custas judiciais...

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