Decisões Sumárias nº 615/07 de Tribunal Constitucional, 27 de Novembro de 2007

Data27 Novembro 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 615/07

Processo nº 1009/07

2º Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Relatório

A., requerente do processo de falência movido a B., Limitada, que corre termos no 5º Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Guimarães, com o nº 5269/06.4TBGMR, instaurou incidente pleno de qualificação da insolvência, nos termos do artigo 188.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.).

Nesse incidente foi proferida a seguinte decisão:

“a). qualificar como culposa a insolvência de “B., Lda.”, com sede na Rua …, …, Urgeses, em Guimarães, matriculada na C.R.C. de Guimarães sob o nº.502028149 (correspondente à antiga 3015/880816), considerando que essa qualificação abrange o gerente da devedora, C., residente na Urbanização …, Bloco .., Lote .., …, .., … (…), 4835-245 Guimarães;

b). decretar a inabilitação de C., pelo período de dois anos, para a prática de quaisquer actos referentes ao seu património ou a patrimónios por si geridos que não sejam de mera administração, sendo necessário para os demais (actos de disposição de bens entre vivos) autorização do curador a nomear;

c). declarar C. inibido para o exercício do comércio durante um período de três anos, não podendo, durante igual período, ocupar de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;

d). determinar a perda de quaisquer eventuais créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo referido C. e condená-lo a restituir todos os bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.”

  1. interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual, por acórdão de 20 de Setembro de 2007, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

Deste acórdão, C. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:

“…o presente recurso funda-se no disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 70° acima invocado, sendo certo que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o Tribunal recorrido em termos de estar obrigado a dela conhecer — cfr. artigo 72°, n.° 2 da mesma Lei Orgânica.

Na verdade, a recorrente invocou na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães que os artigos 186°, n°2 e 189° n° 2 alínea b), na medida em que constituem ou conduzem a uma restrição à capacidade jurídica atentam contra os princípios constitucionais ínsitos no artigo 18° e 24° da C.R.P assim como violam os mais elementares princípios e direitos constitucionalmente protegidos, nomeadamente o direito ao trabalho protegido pelo art. 58°, n.° 1; o direito à livre escolha de uma profissão, salvaguardado pelos arts. 47° e 58°, n.° 2, alínea b); o direito à iniciativa económica privada, plasmado no art. 61° e o direito à propriedade privada consagrado no art. 62° (inconstitucionalidade material).

Por outro lado, o recorrente invocou, também, que a Lei n.° 39/2003 de 22 de Agosto - art. 2°, n.° 5, 6, 7 e 8 — que autorizou o Governo a prever, no processo de insolvência, um incidente de qualificação da insolvência como fortuita ou culposa, prescrevendo-se que ela será culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, caso em que o Juiz deverá declarar a inabilitação do administrador, foi excedida uma vez que o legislador ordinário, ao fazer presumir, automaticamente, a culpa e cominar-se com as consequências previstas no art. 189, n.° 2 do CIRE, nos casos do art. 186°, n.° 2 violou flagrantemente os poderes conferidos pela Lei de autorização legislativa.”

*

Fundamentação

  1. Da admissibilidade do recurso

    O despacho que admitiu o recurso proferido no tribunal recorrido exprimiu dúvidas sobre a sua admissibilidade, por considerar que a decisão recorrida era susceptível de recurso ordinário.

    Na verdade, o recurso de constitucionalidade no âmbito da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, apenas cabe de decisões que não admitem recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência (artigo 70.º, n.º 2, da C.R.P.).

    A decisão recorrida é um acórdão do Tribunal da Relação que apreciou recurso interposto de decisão de incidente pleno de qualificação de falência proferida na 1ª instância, nos termos do artigo 189.º, do C.I.R.E..

    O artigo 14º, do C.I.R.E., dispõe que no processo de insolvência não é admissível recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se os mesmos visarem a uniformização de jurisprudência.

    Esta limitação abrange o recurso das decisões dos incidentes tramitados no processo de falência, incluindo o incidente pleno de qualificação da falência, pelo que, sendo a decisão recorrida precisamente o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação mostram-se esgotadas as instâncias de recurso previstas na lei para este caso, sendo, pois, admissível, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 2, da LTC, o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

  2. Do objecto do recurso

    O recorrente pretende que se aprecie da constitucionalidade das normas contidas nos artigos 186.º, n.º 2, e 189.º, n.º 2, b), do C.I.R.E., alegando que o seu conteúdo excede os poderes conferidos pela respectiva lei de autorização legislativa, constitui uma restrição inadmissível à capacidade jurídica garantida pelo artigo 26.º, da C.R.P. (não pelo artigo 24º, como, certamente por lapso, o recorrente refere) e viola os seguintes direitos constitucionais: direito ao trabalho (artigo 58.º, n.º 1, da C.R.P.), direito à livre escolha de uma profissão (artigo 47.º, nº 1, da C.R.P.), direito à iniciativa económica privada (artigo 61.º, da C.R.P.) e direito à propriedade privada (artigo 62.º, da C.R.P.).

    O artigo 186.º, n.º 2, a), e o artigo 189.º, n.º 2, b), do C.I.R.E., foram efectivamente aplicados pela decisão recorrida, integrando a sua ratio decidendi, pelo que cumpre verificar a sua constitucionalidade.

    Uma vez que, relativamente à constitucionalidade do artigo 186.º, n.º 2, a), a questão colocada é manifestamente infundada, e a constitucionalidade do artigo 189.º, n. 2, b), já foi objecto de anterior acórdão deste Tribunal (n.º 564/07), cuja decisão subscrevemos, acompanhada de declaração de voto, não se vislumbrando razões para alterar a orientação aí por nós seguida, cumpre proferir decisão sumária, nos termos do artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.

  3. Do mérito do recurso

    3.1. Do enquadramento legal da questão

    O presente recurso de constitucionalidade versa a delicada matéria dos efeitos pessoais da declaração de insolvência, relativamente aos administradores de sociedade comercial declarada insolvente.

    Foi o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (C.P.E.R.E.F.), aprovado pelo Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril, que antecedeu o C.I.R.E., quem estendeu aos administradores de sociedade comercial declarada insolvente, algumas das medidas que até então se encontravam apenas previstas para o falido comerciante (artigos 1189.º e 1191.º, do C.P.C.).

    Assim, nos termos do nº 1, do artigo 148.º, da versão original do C.P.E.R.E.F., a declaração de falência implicava automaticamente a inibição dos administradores de sociedade para o exercício do comércio, incluindo a impossibilidade de ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.

    Este efeito automático e generalizado a todos os administradores da sociedade, independente de qualquer juízo de censura, foi logo considerado demasiadosevero e rigoroso, tendo-se chamado a atenção para a necessidade do mesmo ser temperado pela aplicação do disposto no artigo 238.º, n.º 1, d), do C.P.E.R.E.F., o qual permitia que o juiz levantasse os efeitos da falência quando não tivesse havido a instauração de procedimento criminal e se verificasse que o administrador em causa tinha agido no exercício da sua actividade com lisura e diligência normal (vide CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, emCódigo dos Processos Especiais...

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