Acórdão nº 0927/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 31 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução31 de Janeiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A……. e mulher, B……., residentes na Rua ……., n.° ……., Rio Tinto, e C……. e mulher, D……., residentes na Rua ……., n.° ……, Rio Tinto, interpuseram, no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, recurso contencioso de anulação do despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Gondomar, de 04.02.2000, que licenciou a alteração ao loteamento de ……, titulado pelo alvará n.° 65/79, traduzida na unificação dos lotes 37, 38 e 39.

Com êxito já que, por sentença de 27/01/2011, lhe foi dado provimento e o acto impugnado foi anulado.

Inconformado, o Sr. Presidente da Câmara de Gondomar interpôs recurso que finalizou do seguinte modo: 1. Os recorridos, em devido tempo, pronunciaram-se no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas.

  1. Isto é, apresentaram a sua reclamação alegando as razões pelas quais se opunham à decisão recorrida.

  2. Pelo que se está perante um caso de dispensa de audiência previsto no artigo 103.º, n.° 2, a) CPA.

  3. O pedido de alteração cumpria o estabelecido no n.° 2 do artigo 36.° DL. 448/91 de 29/11 pelo que seria inútil a audiência prévia dos recorridos, uma vez que esta nada de novo podia trazer ao procedimento.

  4. O proprietário de um dos lotes constituintes de loteamento aprovado pode pedir a alteração do loteamento, só podendo ser aprovada a alteração do loteamento se for precedida de autorização de 2/3 dos proprietários dos outros lotes.

  5. Assim sendo, não faz sentido o cumprimento dessa formalidade ser precedida de audiência prévia.

  6. Sendo que, e ao contrário do vertido da sentença, o acto recorrido não pode constituir uma decisão surpresa, uma vez que esse pressuposto (autorizações de 2/3 dos proprietário dos outros lotes) resulta directa e inelutavelmente de lei.

  7. Por outro lado e conforme refere o Ac art.º 100.° do CPA dispõe que, concluída a instrução, os «interessados» têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final. Tais «interessados» são aqueles, já identificados, cujos direitos e interesses possam ser directamente lesados pelos actos a emitir (cfr., «inter alia», o acórdão deste STA de 30/5/2000, recurso n.° 43.225). Em quaisquer procedimentos para o licenciamento de construções, os proprietários dos prédios confinantes com aquele onde a obra será erguida podem ser prejudicados por certas ilegalidades do acto licenciador; e, no entanto, nunca se entendeu que tais vizinhos, enquanto potenciais lesados, devessem ser ouvidos no procedimento tendente à emissão da licença - até porque a sua tutela passa pela publicidade dada, «in situ», ao pedido de licenciamento e ao alvará de licença (cfr. os arts. 8º e 9° do DL n.° 445/91, aplicável à data).

  8. Ora, essa não obrigatoriedade de ouvir os vizinhos nos processos de licenciamento de obras não se transmuta num oposto dever de audiência pela mera circunstância deles tomarem a iniciativa de questionar no procedimento a ulterior passagem da licença senão, teríamos de concluir que o direito de audiência e o correlativo dever, em vez de radicarem nos elementos objectivos da situação, estavam antes à mercê dos proprietários confinantes.

  9. Mas é claro que a qualidade de «interessado» para os efeitos do art.º 100º do CPA não é algo que flutue consoante a vontade daqueles vizinhos, ou seja, não é algo que esteja na sua disponibilidade; e, deste modo, a câmara podia perfeitamente ignorar as objecções que os recorrentes puseram ao licenciamento, abstendo-se de os ouvir antes da decisão final — até porque a eventual ofensa de direitos reais, por eles então alegada, haveria de ser acometida nos tribunais comuns, como «supra» já referimos.

    ” 11.

    A sentença recorrida deve ser revogada, entendendo o Recorrente que esta não fez a melhor aplicação do direito, nomeadamente do n.° 1 do artigo 100.º e da alínea a) do n.° 1 do artigo 103 ambos do CPA.

    Os Recorrentes contenciosos contra alegaram para formular as seguintes conclusões: 1. Decorridos mais de 10 anos sobre a data da apresentação do recurso contencioso, perante o silêncio da sociedade comercial E……, LDA desconhece-se se a mesma ainda mantém o seu interesse no licenciamento da alteração ao Loteamento ……. n.° 65/79 (unificação dos Lotes 37, 38 e 39) 2. Consta da fundamentação da sentença que no período compreendido entre 25.09.96 (data da reclamação dos aqui recorridos) e o dia 04.02.2000, data em que o Presidente da Câmara Municipal de Gondomar proferiu um “Despacho” a aprovar o pedido de alteração ao alvará de loteamento n.° 65/79, foram considerados provados diversos factos sobre os quais os recorridos nunca se puderam pronunciar.

  10. Com efeito, em 25.09.96, o PA ainda não continha todos os elementos necessários a uma apreciação jurídica sobre a sua eventual legalidade.

  11. Assim, a audiência prévia nunca seria um ato inútil porque permitiria uma sindicância cuidada da forma como foi obtida a alegada maioria de 2/3 dos consentimentos dos proprietários, nomeadamente em relação ao número de assinaturas, validade, legitimidade dos proprietários e à forma como foram contadas as assinaturas que permitiram tal alegada maioria.

  12. Acresce que é pacífico na jurisprudência do S.T.A que nos casos em que é admitida a dispensa da audiência prévia (artigo 103.°, n.° 2, do C.P.A ) tem de ser objecto de decisão expressa, fundamentada pelo órgão instrutor; facto que não ocorreu no caso em apreço.

  13. Consta expressamente da sentença que a omissão da audiência prévia influenciou a apreciação de alegados vícios por violação da lei; tal como é referido nas sub-questões: b; c; e d que aqui se dão como reproduzidas.

  14. Devido àquela omissão, os aqui recorridos não se puderam pronunciar sobre a legalidade do modo como foi obtida a alegada maioria de 2/3 dos consentimentos dos proprietários, como melhor se refere na 4.ª Conclusão.

  15. Porque são proprietárias de prédios urbanos inseridos no próprio Loteamento, os aqui recorridos são interessados no processo de licenciamento de alteração ao Loteamento ……. n.° 65/79 (unificação dos Lotes 37, 38 e 39) 9. Como proprietários de prédios urbanos localizados no Loteamento têm interesse nas questões relacionadas com o meio envolvente da urbanização, nomeadamente no respeitante ao aspecto urbanístico, ambiental e servidões de vistas; tudo sem prejuízo do impacto negativo resultante da unificação em questões de infra estruturas de abastecimento de água e saneamento bem como nas áreas previstas para pátios e/ou jardins.

  16. Com o devido respeito, o recorrente não tem o poder legal, discricionário, de os qualificar como simples vizinhos; apenas com a possibilidade de fazerem valer os seus direitos nos tribunais comuns.

    O Ilustre Magistrado do Ministério Público pronunciou-se nos termos de fls. 420.

    Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

    FUNDAMENTAÇÃO I. MATÉRIA DE FACTO A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos: 1. Os Recorrentes são proprietários de prédios urbanos integrados no loteamento de ……, licenciado pelo alvará n.° 65/79 emitido pela Câmara Municipal de Gondomar, relativo processo n.° 2755 - cfr. fls. 12 a 21 dos autos.

  17. Em 30.12.76, foi aprovado o loteamento com o n.° de processo 755/76, constituído por 49 lotes, destinando-se 44 a moradias unifamiliares e 5 lotes para comércio e habitação - cfr. fls. 7 e 55 do PA apenso.

  18. Em 13.07.82, são aprovadas a eliminação do lote 36 para construção de uma fossa séptica e respectivo acesso e a divisão do lote 21 em dois, constituindo-se os lotes 21 e 21-A - cfr. fls. 7 (verso) e 55 do PA apenso.

  19. Em 20.09.86, é aprovada a unificação dos lotes 40 e 41, constituindo-se o lote 40-A, destinando-se o edifício nele previsto a habitação multifamiliar - cfr. fls. 7 (verso) e 55 do PA apenso.

  20. Em 29.06.94, é aprovada a constituição de um novo lote com o n.° 36 - cfr. fls. 7 (verso) do PA apenso.

  21. Em 25.09.96, deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Gondomar, requerimento subscrito por diversas pessoas, intituladas proprietários de 25 lotes integrantes do loteamento em causa - 44, 45, 4, 23, 48, 31, 47, 32, 13, 30, 46, 21, 25, 26, 17, 28, 27, 34, 35, 8, 14, 16, 5, 43 e 24 -, nos termos do qual os mesmos declaram que se opõem à junção dos lotes 37, 38 e 39 para a construção de um prédio com 18 habitações - cfr. fls. 30 a 32 do PA apenso.

  22. Com data de 29.12.97, foi subscrita “Informação dos Serviços”, dirigida a Vereador da Câmara Municipal de Gondomar com o seguinte teor: “(...) existindo no loteamento edifícios constituídos em propriedade horizontal e tendo em conta a exposição de moradores (Rqt.° 6259/96) a contestar a alteração ao loteamento, deverá ser esclarecido o n.° de fracções existentes por forma a dar cumprimento na íntegra ao art. 36.º do D. Lei acima mencionado [Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro]. “ - cfr. fls. 2 do PA apenso.

  23. Com data de 07.01.98, foi proferido “Despacho” com o seguinte teor: “Ao Dep. Jurídico Para parecer sobre se as declarações apresentadas dão cumprimento ao art. 36 do DL 448/9], isto é, dado que há prédios construídos em lotes quanto quantos deverão ser exigíveis.” - cfr. fls. 3 do PA apenso.

  24. Com data de 17.04.98, foi subscrita “Informação dos Serviços” com o seguinte teor: “Oficiar o Reqt que deverá esclarecer quantas fracções e prédios constituem o loteamento para verificação dos 2/3 necessários à alteração solicitada. (30 dias)” - cfr. fls. 3 (verso) do PA apenso.

  25. Do PA apenso consta documento assinado pelo declarante, datado de 30.03.99, com o seguinte teor: “Declaração Eu, abaixo assinado, respectivamente, na qualidade de proprietário da cave do lote 45, sito no loteamento na Rua ……., (Lugar de ……) freguesia de Rio Tinto, deste concelho de Gondomar (Alvará n.° 65/79), processo n.° 755/76, venho para os relevantes fins, declarar que autorizo o possuidor dos lotes 37, 38 e 39 da referida Urbanização, a constituir um só lote, com a área total de 1435 m2, alterando o respectivo alvará de loteamento. “— cfr. fls. 77 do PA apenso.

  26. Do PA...

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