Acórdão nº 2752/07.8TBTVD.L1. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelSILVA GONÇALVES
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, viúvo, residente no ..............., em A-dos-Cunhados, Torres Vedras, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra BB, viúva, residente no lugar de ..............., em A-dos-Cunhados, Torres Vedras; CC, solteira, maior, residente na Rua ..........., n.º ........., em A-dos-Cunhados; DD, solteira, maior, residente na morada da anterior; e EE e mulher FF casados sob o regime da comunhão de adquiridos e residentes, também eles, na mesma Rua ..........., n.º .... em A-dos-Cunhados, pedindo: a) seja reconhecido e declarado o seu direito de propriedade sobre os direitos transmitidos pela 1.ª R., traduzidos na meação e quinhão hereditário desta na herança aberta por óbito de EE; b) seja declarada nula a venda realizada pela 1.ª R. às 2.ª e 3.ª RR; c) seja declarado nulo o registo de aquisição/transmissão a favor das 2.ª e 3.ª RR, a que corresponde a inscrição G-2 no único prédio da herança descrito na Conservatória do Registo Predial; d) sejam os RR. condenados a indemnizar o A. na quantia que se vier a liquidar em execução de sentença.

Alegou para tanto, e em síntese, que por escritura pública outorgada no dia 22 de Abril de 1993, no 1.º Cartório Notarial de Torres Vedras, a 1.ª R. vendeu ao A. o «direito à meação que possuía nos bens comuns do dissolvido casal por óbito de seu marido EE, com quem fora casada segundo o regime da comunhão geral de bens em segundas núpcias dele, primeiras dela (...) e, bem assim, o direito ao quinhão hereditário que possui na herança aberta por seu óbito, traduzido este no direito indiviso da mesma».

Que a transmissão do referido quinhão foi a forma encontrada pela cedente para proceder ao pagamento ao A. e seu falecido filho, GG, da quantia de 2.209.209$90, por estes entregue ao Ministério da Agricultura para liquidação de uma dívida do referido EE, o que foi do conhecimento dos aqui 4.ºs RR., filho e nora da R. BB.

Não obstante, o A. tomou conhecimento que a 1.ª R. celebrou uma segunda escritura, outorgada em 2006.02.06, nos termos do qual vendia o aludido quinhão hereditário na herança do falecido EE a suas netas, as aqui RR. CC e DD, sendo tal venda a non domino nula, nos termos do preceituado no artigo 892.º CC, sendo certo ainda que às demandadas adquirentes deve ser negada qualquer protecção reservada aos terceiros de boa fé, posto que à data da outorga da escritura detinham já conhecimento da anterior venda a favor do demandante.

Contestaram os RR., tendo a 1.ª R. declarado desconhecer o conteúdo da aludida escritura de venda, junta pelo A., que não assinou nem subscreveu. Mais impugnou a existência de um qualquer acordo verbal nos termos do qual se tivesse obrigado a ceder a sua meação e quinhão na herança aberta por óbito de seu marido como contrapartida do pagamento pelo seu enteado e aqui A. de dívidas do de cujus.

Afirmou a 1.ª R. ter tido conhecimento da pendência de acção executiva instaurada pelo Ministério da Agricultura contra o seu falecido marido, sendo todavia a quantia exequenda de apenas 739.000$00, dívida na altura assumida pelo filho do A., GG, que à época amanhava alguns imóveis da herança, tendo ficado acordado que seria compensado aquando da realização das partilhas, uma vez que detinha também a qualidade de herdeiro em representação de sua mãe, CC, também falecida.

Reiterando não ter tido intervenção na invocada escritura, alegou por último a 1.ª R. que na mesma interveio como testemunha II, na verdade parte interessada, por ser a mãe de JJ, companheira de GG e mãe dos seus filhos, sendo este, por seu turno, filho do A..

Alegaram ainda que, tratando-se de cessão ou venda de quinhão hereditário a favor de enteado, estamos perante situação equiparada à prevista no artigo 877.º CC, a desencadear o regime aqui consagrado, sendo o negócio anulável, conforme estatuído no n.º 2 do preceito, sendo certo que os demais RR. dele não tiveram qualquer conhecimento até terem sido interpelados por carta que lhes foi enviada pela Ex.ma Mandatária do A. em Agosto de 2007.

Concluem pela improcedência da acção, devendo antes ser reconhecido e declarado o direito das 2.ª e 3.ª RR. sobre os direitos transmitidos pela 1.ª R. e, consequentemente, válidos o negócio celebrado e registo subsequente, pretensão que formulam em via reconvencional.

Ainda nesta sede pedem seja declarada a nulidade da cessão onerosa de quinhão hereditário celebrada entre a 1.ª R. e o aqui A. nos termos do disposto no artigo 892.º CC, ou, quando assim se não entenda, deve ser declarada a anulabilidade por interpretação extensiva do artigo 877.º, devendo o A. reconvindo ser ainda condenado no pagamento da quantia de € 4.000,00, acrescida de IVA, montante que os demandados terão que pagar à mandatária que os patrocina, gasto a que não seriam obrigados não fora a conduta do demandante.

Replicou o A., pugnando pela improcedência da reconvenção.

Por ter falecido na pendência da acção a R. BB, foi julgado habilitado para com eles prosseguirem os termos da causa o seu herdeiro e também R.EE.

Dispensada a realização da audiência preliminar, foi admitido o pedido reconvencional e relegado para final o conhecimento das excepções aduzidas pelos RR., prosseguindo os autos com a fixação da matéria de facto relevante.

Procedeu-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença nos seguintes termos: Em face a todo o exposto, julgo a presente acção procedente, por provada, nos termos explanados e, em consequência: - declaro a nulidade e ineficácia em relação ao A. da cedência efectuada pela R. BB, entretanto habilitada, às demandadas CC e DD tendo por objecto os direitos à meação e quinhão hereditário de que a cedente era titular na herança aberta por óbito de EE, negócio formalizado por escritura pública outorgada em 6 de Fevereiro de 2006 no Cartório Notarial de Torres Vedras da Lic.ª KK, e declaro que o A. AA é o titular dos referidos direitos; - determino, em conformidade, o cancelamento da inscrição G-2 ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.° 0000000000000 da freguesia de A-dos-Cunhados [prédio misto denominado Casal ..............., composto da casa de habitação e logradouro, vinha, terreno estéril e diversas árvores, com a área de 12 560 m², a confrontar do norte com LL, sul com LL e outro, nascente NN outro, poente EE, inscrito na matriz sob os art.°s 203 e 24 da secção B]; - mais condeno os RR. a procederem ao pagamento ao A., a título de indemnização, da quantia que se vier a liquidar corresponder aos gastos por este suportados com a propositura da presente acção, incluindo os honorários à Il. Advogada que os patrocina.

- Julgo a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo o A. AA dos pedidos contra ele formulados.

Inconformados com esta decisão, dela recorreram os réus para a Relação de Lisboa que, por Acórdão de 26.05.2011 (cfr. fls.n391 a 429), julgando a apelação improcedente, confirmou a decisão recorrida, ainda que com fundamentos diversos, com a rectificação de que no ponto 3.1. onde se diz «declaro a nulidade e ineficácia relativamente ao autor», deve passar a constar «declaro a ineficácia relativamente ao autor».

Novamente inconformados, recorreram para este Supremo Tribunal os réus BB e Outros, apresentando as seguintes conclusões: 1- O douto acórdão proferido nos autos em referência veio julgar a apelação improcedente, confirmar a decisão recorrida nos autos, ainda que com fundamentos diversos, e designadamente "declarar a nulidade e ineficácia em relação ao autor da cedência efectuada pela ré BB, entretanto habilitada, às demandadas CC e DD tendo por objecto os direitos à meação e quinhão hereditário de que a cedente era titular na herança aberta por óbito de EE, negócio formalizado por escritura pública outorgada em 6 de Fevereiro de 2006 no Cartório Notarial de Torres Vedras da Lic. KK, e declarando que o autor AA é o titular dos referidos direitos; mais determinou o cancelamento da inscrição G-2 ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.º 00000000000 da freguesia de A-dos-Cunhados, inscrito na matriz sob o artigo urbano 203 e rústico 24 da secção B”.

2- No caso vertente, consideram os apelantes que, perante a matéria de facto dada como provada, não foi correctamente aplicado o Direito e designadamente foram violados o disposto nos artigos 2.º n.º l alínea a), 7.º e 5.º n.º 2 do Código de Registo Predial.

3- Entendem os apelantes que, não resultando provado o conhecimento dos RR BB , EE, CC e DD da l.ª escritura de cessão de meação e quinhão hereditário da l.ª Ré BB ao A. outorgada em 1993, não pode ser anulada ou declarada nula a 2.ª escritura de cessão de meação e quinhão hereditário da l.ª Ré à 2.ª e 3.ª Rés CC e DD nem cancelado o registo de aquisição a favor destas últimas que se assumem, nesta qualidade, terceiras de boa fé, beneficiando do princípio da boa fé registral, conforme estipula o disposto no artigo 7.º do Código de Registo Predial sendo pois a 2.ª escritura de cessão de meação e quinhão hereditário perfeitamente válida e sendo o seu direito oponível a quaisquer terceiros conforme o entende a jurisprudência portuguesa.

4- E que, tratando-se de cessão ou venda de quinhão hereditário a favor de enteado, estamos perante situação equiparada à prevista no artigo 877.º CC, a desencadear o regime aqui consagrado, sendo o negócio anulável, conforme estatuído no n.º 2 do preceito, sendo certo que os demais RR. dele não tiveram qualquer conhecimento até terem sido interpelados por carta que lhes foi enviada pela Ex.ma Mandatária do A. em Agosto de 2007.

5- Deve ainda ser declarada a nulidade da cessão onerosa de quinhão hereditário celebrada entre a l.ª R. e o aqui A. nos termos do disposto no artigo 892.º CC, ou, quando assim se não entenda, deve ser declarada a anulabilidade por interpretação extensiva do artigo 877.º.

6- A l.ª Ré cedeu à 2.ª e 3.ª RR a sua meação e quinhão hereditário conforme escritura junta...

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