Acórdão nº 1007/03.1TBL.SD.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, intentou acção popular contra BB e mulher, CC, pedindo que seja declarado o carácter dominial público do caminho que identificam, incluindo a faixa de terreno fronteira à casa dos RR., e, em consequência, que estes sejam condenados a absterem-se de quaisquer actos que perturbem a utilização pelo público dessa mesma faixa de terreno e condenados a demolir a área cimentada e o canteiro que construíram e plantaram para além do limite da sua propriedade.

Como fundamento de tais pretensões, alegou, em suma: que no Lugar de Mexide, Meinedo, Lousada existe um caminho que liga o Largo de Mexido a um lavadouro e fontanário públicos, que ao longo do seu percurso dá acesso a vários prédios, designadamente à sua casa e à casa dos RR., e onde bifurcam dois outros, um que dá acesso pedestre ao Lugar da Cruz, Meinedo, e outro acesso ao lavadouro e fontanários públicos, denominado C...... F......., que outrora teve seguimento até ao Lugar da Sanguinha da mesma freguesia de Meinedo, sendo todos eles utilizados pelo público desde tempos imemoriais como coisa do domínio público, constituindo o único acesso existente do Largo de Mexide ao lavadouro; e que os RR. têm vindo a reclamar e a ocupar parte desse caminho.

- Os RR. contestaram, concluindo pela improcedência da acção.

Para além de invocar a ilegitimidade da Ré, por ser filha e não mulher do R., o carácter da acção popular e como tal a necessidade como condição de direito de a autarquia ser previamente interpelada, o que não tendo acontecido determinaria a improcedência da acção, e bem assim a citação dos titulares dos interesses em causa nos termos do art. 15.º da Lei n.º 83/95 de 31/08, o R. alegou, ainda, que a faixa de terreno em causa lhe pertence em virtude de a ter adquirido por compra e venda e usucapião, razão pela qual se encontra registada em seu nome.

O A. respondeu, tendo pedindo que fossem julgadas improcedentes as invocadas excepções e, caso se entenda haver ilegitimidade da Ré, que seja admitido o chamamento (intervenção principal provocada) da mulher do R., DD.

Após declarar parte ilegítima a Ré CC e admitir a intervenção do cônjuge, chamado a intervir, foi declarada a nulidade da citação e ordenada a dos RR. e a dos habitantes da freguesia de Meinedo.

Houve vários habitantes que vieram declarar aceitarem ser representados pelo A. e vários vieram dizer que se não reviam na posição do A., pois que consideram o caminho como particular.

Após saneamento e condensação, teve lugar a audiência final, sendo proferida a seguinte sentença: “Julgo improcedente a presente acção, e, em consequência, não declaro o carácter dominial público do caminho id. em 3) dos Factos Provados e absolvo os RR. dos pedidos.” Inconformado, o A. apelou, tendo a Relação, no acórdão recorrido, concedido provimento ao recurso, nos seguintes termos: Por tudo o que exposto fica, acordamos em revogar a Sentença recorrida, declaramos que é público o caminho acima descrito, incluindo a faixa de terreno fronteira à casa dos RR., e condenamos estes RR., BB e mulher, DD, a absterem-se de quaisquer actos que perturbem a utilização pelo público dessa mesma faixa de terreno e a demolirem a área cimentada, o canteiro que construíram e plantaram para além do limite do seu prédio.

2. As instâncias fizeram assentar a solução do pleito na seguinte matéria de facto: 1.

Por escritura pública realizada em 1/07/1968 no Cartório Notarial de Lousada, EE e mulher FF, aquele outorgante por si e como procurador de GG e mulher HH, II e marido JJ, KK, LL e mulher MM declararam vender ao R. BB, que declarou comprar-lhes, entre outros, um bocado de terreno inculto e pedregoso, coberto de ramadas, com vinte e sete metros e sessenta centímetros de comprimento no sentido Norte-Sul, tendo treze metros e noventa centímetros no topo Norte e nove metros e meio no topo Sul e a profundidade de quatro metros e trinta centímetros a meio do seu comprimento, a confinar do Norte com NN e caminho público, do Sul com OO, do Nascente com PP e QQ e do Poente com os vendedores, descrito na Conservatória sob o número 0000 e inscrito na matriz rústica sob o artigo 3920 (cfr. escritura junta a fls. 20 e ss., cujos demais termos se dão por reproduzidos).

  1. RR requereu em 1.4.1986 a notificação judicial avulsa dos RR., informando-os que tinha ajustada a venda ao A. do prédio misto, composto de dois edifícios, sendo um de um piso e outro de dois pisos e um anexo, quintal e terreno com videiras em ramada, sito no Lugar de Mexide, freguesia de Meinedo, descrito na Conservatória sob o n.0000000 e inscrito na matriz nos arts. 98 e 1172, instando os notificandos a exercerem o direito de preferência na compra do referido prédio no prazo de oito dias sob pena de caducidade nos termos do art. 416.º, n.º 2 do Código Civil (cfr. doc. de fls. 24, cujos demais termos se dão por reproduzidos).

  2. No Lugar de Mexide, freguesia de Meinedo, em Lousada, existe um caminho que liga o Largo de Mexide (a que se acede pela estrada que liga Mexide a Espindo/Meinedo) a um lavadouro e fontanário públicos.

  3. Tal caminho bifurca-se no seu percurso em dois outros.

  4. Um deles dá acesso pedestre ao Lugar da Cruz.

  5. O outro, designado C...... F......., dá acesso ao lavadouro e fontanário públicos.

  6. Outrora, o C...... F....... seguia até ao Lugar da Sanguinha.

  7. O troço que ligava o lavadouro ao Lugar da Sanguinha era utilizado pelos habitantes daquele lugar para acederem àquele.

  8. Tais caminhos são utilizados pelo público desde tempos imemoriais.

  9. Tal utilização tem-se desenvolvido de forma directa e imediata e sem a intermediação de particulares, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, e ininterruptamente.

  10. Todos os que ali passam fazem-no em condições de igualdade, na convicção que tal caminho está franqueado ao uso público, e que, por isso, não lesam direitos privados.

  11. Tal caminho constitui o único acesso existente do Largo de Mexide ao lavadouro existente no extremo poente daquele caminho.

  12. Os RR. cimentaram a área fronteira à sua habitação, em toda a sua extensão e de forma trapezoidal, num comprimento de 11 m e numa largura variável entre 9m a Norte e os 2m a Sul.

  13. Sobre o referido caminho os RR. vêm introduzindo canteiros que estreitam a passagem e criando valados transversais para escoamento de águas.

  14. O prédio referido em 2) ladeia o caminho referido em 1).

  15. Sobre este terreno ou denominado caminho tem o R. uma ramada.

  16. Aí plantando as vides, podando as mesmas, colhendo as uvas.

  17. O lavadouro, bem como o fontanário quase não são utilizados pelas pessoas.

  18. O dito caminho em causa não foi construído pela autarquia nem pelas pessoas residentes.

  19. Nunca qualquer destas entidades ou entes executou qualquer obra, nunca por qualquer forma fez sentir estar a ser lesado qualquer direito.

3. A sentença proferida em 1ª instância havia julgado a acção improcedente com a seguinte fundamentação: O que a matéria apurada revela a este respeito ( a dominialidade do caminho) é que o caminho em apreço pese embora seja de uso público não foi construído ou alguma vez mantido pela autarquia, pelo que nunca tendo tido qualquer jurisdição administrativa sobre o mesmo , falece um dos requisitos essenciais da dominialidade pública sobre o mesmo.

Por outro lado – e no que respeita à eventual qualificação da passagem em litígio como atravessadouro, enquadrável no preceituado no nº2 do art. 1384º do CC, considerou a sentença que no caso em apreço, se é certo que uma das bifurcações do caminho se dirige a um lavadouro e fontanário, e é utilizado pelas pessoas desde tempos imemoriais, não deixa de ser verdade também que um e outro (lavadouro e fontanário) quase não são utilizados pelas pessoas, pelo que não se mostra possível considerar a manifesta utilidade pública da fonte exigida pelo art. 1384º do CC.

Pelo contrário, são os seguintes os fundamentos jurídicos do acórdão recorrido – que, como se viu, revogou aquele sentido decisório: O S.T.J. veio, para uniformização de Jurisprudência, formular o seguinte Assento: “São públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público[1].” Este Assento tem vindo a ser interpretado...

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