Acórdão nº 1428/10.3T3AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Fevereiro de 2012
Magistrado Responsável | OLGA MAUR |
Data da Resolução | 01 de Fevereiro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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Nos presentes autos foi o arguido A... condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, do art. 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22/1.
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Inconformado, o arguido recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões: «1ª - O douto acórdão recorrido considerou, incorrectamente, como provada a matéria de facto constante dos pontos 1 a 13, 19 e 21 dos factos provados.
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- A impugnação daquela matéria de facto dada como provada fez-se através da análise/audição das declarações e dos depoimentos prestados pelo recorrente e testemunhas no decurso da audiência de discussão e julgamento.
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- Dessa análise terá necessariamente de considerar-se provado o seguinte: - o recorrente era toxicodependente; - é solteiro, não tendo filhos; - o recorrente vivia e vive com a sua mãe, ajudando-a, pois é doente, e sendo por ela apoiado; - o agregado subsiste com um rendimento de 965,00€ mensais; - o recorrente é electricista, mas estava desempregado; - trabalhava três vezes por semana, de noite, na Padaria …: - auferia um rendimento mensal de superior a 100,00€; - a última vez que apresentou comportamentos desviantes foi no ano de 2002; - as condenações que apresenta no seu Certificado de Registo Criminal centram-se em factos/períodos da sua vida ocorridos entre os anos de 1992 e 1994 e no decurso do ano de 2002; - os delitos pelos quais foi condenado relacionam-se com o seu problema de toxicodependência; - em meados do ano de 2010 o recorrente teve uma recaída, reiniciando o consumo de heroína; - nesse contexto aproximou-se mais de amigos seus, também toxicodependentes, bem como de outros consumidores, e vice-versa; - o recorrente adquiria heroína essencialmente em Cacia; - a pedido daqueles consumidores (que antecipadamente lhe entregavam dinheiro), quando adquiriu heroína para si, adquiriu também para eles; - muitas dessas aquisições foram feitas com repartição de custos entre o recorrente e tais consumidores; - com excepção das testemunhas ... e … , todas as testemunhas afirmaram ter consumido heroína, em diferentes ocasiões, juntamente com o recorrente, e não só heroína adquirida em conjunto por este, mas também por aqueles; - o número de consumidores aos quais o recorrente se aproximou foi de sete, sendo quase todos seus amigos; - a heroína que foi apreendida nas intercepções efectuadas pela PSP atingiu o peso total de 0,817 gramas; - tais intercepções foram muito espaçadas no tempo, entre 7 e 29 dias; - na residência do recorrente não foi encontrado qualquer produto estupefaciente, onde nem o recorrente aí exerceu qualquer tipo de actividade delituosa; - os objectos encontrados na casa do recorrentes são compatíveis com um contexto de consumo; - o dinheiro encontrado na posse do recorrente foi de apenas de 10,00 €; - o recorrente não apresenta quaisquer sinais exteriores de riqueza, nem a sua existência pacata os denuncia; - o recorrente fez tratamento de substituição no Estabelecimento Prisional de Aveiro, que continuou em casa, onde se encontra sob vigilância electrónica desde o mês de Fevereiro de 2011; - o recorrente tem apoio e empenhamento da sua companheira, empregada de serviço doméstico, que passou a residir com ele aquando do decretamento da sua obrigação de permanência na habitação; 4ª - O correcto enquadramento da factualidade que deve ser considerada provada, leva a que a mesma caiba na previsão inserta no artigo 26º do DL 15/93, de 22 de Janeiro e não na do artigo 21º do mesmo diploma; 5ª - Na verdade, a actuação do recorrente foi direccionada para a satisfação das suas necessidades de consumo de heroína, o que consegui fazendo essencialmente compras conjuntas com outros consumidores, e com custos repartidos - a expressão "fazer uma vaquinha" foi utilizada por praticamente todas as testemunhas, sendo que também praticamente todas admitiram ter consumido com o recorrente.
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- A finalidade única da actuação do recorrente, satisfação da sua dependência, não lhe trouxe qualquer benefício/lucro, pois não se provou que procedesse à manipulação da heroína que adquiria terceiros, nem que a entregasse a preço diferente daquele pelo qual a adquiriu.
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- O facto único de fazer circular/transportar produto estupefaciente tipificou a sua conduta como constituindo tráfico; 8ª - Porém, o facto principal a ter em conta é a condição de toxicodependente que condicionou e balizou toda a actuação do recorrente.
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- Em abstracto, admite-se que a actuação do recorrente possa ser punida pelo artigo 25º do citado diploma, embora sempre muito mitigada atento o escasso número de consumidores envolvidos (7), a diminuta quantidade de produto estupefaciente apreendido (0,817g), a inexistência de qualquer tipo de organização e de meios utilizados, e a ausência de qualquer lucro para o recorrente.
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- Assim sendo, ter-se-á de concluir pela não punibilidade do comportamento do recorrente uma vez que não se verificam os condicionalismos previstos no nº 1 do artigo 21º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, devendo o mesmo ser sancionado apenas nos termos do disposto no artigo 26º, nº 1 do citado diploma em pena inferior à que foi aplicada pelo douto tribunal a quo, ou, 11ª - se assim não se entender, deve o recorrente ser sancionado nos termos do disposto no artigo 25º do mesmo diploma, na mesma em pena inferior á que foi aplicada por aquele mesmo tribunal.
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- Deixa o recorrente à consideração do douto tribunal ad quem a possibilidade de suspensão da pena que vier a ser aplicada, sem deixar de referir discordar-se com o referido quanto a este ponto pelo douto acórdão recorrido ao dizer que "estamos perante um arguido com um passado marcado pela prática de inúmeros ilícitos penais, em número substancial, de natureza diversa, e por um período de vida que se vem prolongando no tempo"; na verdade, há oito anos que o recorrente não tinha qualquer problema a nível penal; 13ª - E esse hiato de oito anos tem que ser entendido como resultado da sua consciencialização relativamente às condutas erradas que adoptou, discordando-se que actualmente esteja desenraizado social e profissionalmente, uma vez que tem apoio da família, da companheira e encontrava-se a trabalhar, embora ganhando pouco.
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- O actual estado do país a nível de desemprego, de falta de perspectivas de futuro, embora não responsável, é, neste tipo de indivíduos/patologias (um ex-toxicodependente é um doente para toda a vida, tal como o é um ex-alcoólico) é potenciador destes fenómenos de alheamento, que levam a recaídas, que foi o que aconteceu ao autor.
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- De realçar, mais uma vez e sob pena de repetição, que o fulcral neste processo é o consumo, o qual desencadeou a actuação do recorrente, não tendo o mesmo cometido o mesmo tipo de crimes pelos quais censurado há já bastantes anos (excepto quanto ao consumo e tráfico).
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- Somos assim levados a crer que a pena a aplicar deverá ser suspensa, até com injunções associadas (regime de prova, acompanhamento pelo CAT de Aveiro, etc), pois não deverá ser esquecido que o recorrente há praticamente um ano que está privado da liberdade, que está bem integrado familiarmente, e que o meio prisional a longo prazo é sempre desaconselhado para este tipo de doentes».
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O recurso foi admitido.
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O Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção do decidido.
Nesta Relação o Exmº P.G.A. aderiu ao parecer apresentado na 1ª instância.
Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..
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Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência cumpre decidir.
* FACTOS PROVADOS 6.
No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos: «1. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Julho de 2010 e até 6 de Janeiro de 2011, o arguido A..., dedicou-se, com regularidade, à venda lucrativa de substâncias estupefacientes, nomeadamente heroína, que a troco de quantias monetárias entregava a indivíduos consumidores de tais substâncias.
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O arguido vinha exercendo tal actividade a partir da sua casa de habitação, situada na Rua … , em Aveiro, local onde quer pessoalmente, quer por telemóvel, era contactado pelos indivíduos interessados em comprar-lhe aqueles produtos indo depois entregá-los aos respectivos compradores em vários locais das imediações, nomeadamente junto ao Café … , à Pastelaria … e ao Posto de Abastecimento de Combustíveis … , 3. O arguido comprava os produtos por si transaccionados, abastecendo-se junto de terceiras pessoas, cujas identidades não foi possível apurar, a quem pagava o preço respectivo, levando depois tais produtos para sua casa, onde os dividia em doses individuais.
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O arguido entregava depois as doses individuais de tais produtos, nomeadamente heroína, aos seus compradores, a troco de dinheiro e por valor superior ao que havia dispendido com a sua aquisição - sendo a heroína vendida ao preço de €10,00 por cada dose individual (vulgarmente denominada "pacote"), 5. Além de outros indivíduos cujas concretas identidades não foi possível apurar, no apontado período de tempo, com frequência quase diária, o arguido vendeu produtos estupefacientes, nomeadamente heroína, aos seguintes indivíduos: ………………………...
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No âmbito da descrita actividade de venda de produtos estupefacientes, o arguido vendeu heroína, além de outros, nos seguintes dias: a) No dia 20 de Outubro de 2010, pelas 10 horas, o arguido vendeu ao referido … um pacote contendo heroína, com o peso líquido de 0,097 gramas; b) Nesse mesmo dia, pelas 12 horas e 30 minutos, o arguido vendeu à referida … , dois...
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