Acórdão nº 08311/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO H. L……… A/S, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 21/06/2011 que, no âmbito do processo cautelar por si movido contra o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, o Ministério da Economia e Inovação e a Contrainteressada, O…… C…….

, indeferiu as providências cautelares requeridas, de suspensão de eficácia dos atos de Autorização de Introdução no Mercado concedidos pelo Infarmed e de intimação da DGAE, na pessoa do MEI a abster-se de, enquanto a Patente ....... e o CCP estiverem em vigor, fixar os atos de PVP, para os medicamentos em causa, absolvendo as entidades requeridas do pedido.

Formula a aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 824 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “A.

Uma vez que o presente recurso se reporta a uma decisão de não decretamento das medidas cautelares requeridas, deverá ter efeito suspensivo, nos termos do artigo 143.° n.° 1 do CPTA.

B.

A decisão que indeferiu a impugnação da Resolução Fundamentada aplicou erradamente o artigo 128.° do CPTA aos presentes autos, já que o Tribunal a quo podia escrutinar os respetivos fundamentos ao abrigo do n.° 3 dessa mesma disposição legal, independentemente da existência de atos de execução (indevida).

C.

As razões constantes da Resolução Fundamentada deverão ser consideradas inadmissíveis.

D.

A lista dos factos considerados provados pela sentença recorrida deve ser alargada, de modo a incluir na mesma os factos alegados pela Recorrente nos artigos 8.° a 19.° (inclusive), 21.°, 22.°, 24.°, 28.°, 29.°, 30.° a 36.° 38.° a 41.° (inclusive), 43.°, 48.°, 49.º, 51.°, 52.°, 55.°, 104.° e 105.° a 107.º (inclusive) do Requerimento Inicial, incluindo que: (i) “Ao tempo da prioridade da PT 90 845 (14 de junho de 1989) e da prioridade invocada nessa patente (14 de junho de 1988), o Escitalopram nunca tinha sido sintetizado ou divulgado de modo a ser explorado por um especialista na matéria, o mesmo acontecendo com o processo mencionado na patente para obter esse produto”.

(ii) “O Escitalopram Orion contém o Escitalopram como princípio ativo, que é preparado pelo processo descrito na PT 90 845, protegido pelo CCP 152”.

E.

Caso o Tribunal ad quem assim não entenda, no que se refere a qualquer um dos factos acima indicados, então deve decidir sobre os mesmos nos termos do artigo 149.° n.° 2 do CPC, ou, no caso de entender não ser aplicável esta disposição, deve revogar a decisão recorrida e ordenar a descida do processo à Primeira Instância, para este prosseguir nos termos do disposto no artigo 712.°, n.° 4 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.° do CPTA.

F.

Uma vez que o presente processo cautelar é de natureza conservatória, deve considerar-se o requisito do fumus non malus iuris previsto no artigo 120.° n.° 1 b) do CPTA suficiente e que se encontra verificado no presente caso, facto que foi ignorado pelo Tribunal a quo, violando, pois a referida norma.

G.

O presente processo cautelar poderia e deveria, pois, ter sido decretado, visto que se não demonstrou qualquer facto ou se alegou qualquer razão de direito que tornasse manifesta a falta de fundamento da ação principal ou que determinasse que a mesma não pudesse ser apreciada no seu mérito.

H.

Se o Tribunal a quo tivesse corretamente identificado a questão legal em discussão, teria concluído que o requisito do fumus bonus iuris exigido no artigo 120.° n.° 1 a) do CPTA também se verifica no presente caso.

I.

A questão jurídica que se coloca nos presentes autos é a de saber se um ato administrativo que concede uma autorização de comercialização de um medicamento que irá violar uma patente válida e em vigor – como foi provado – é inválido porque ilegal e, por isso, deve ser anulado pelo tribunal, se for concedido pelo Infarmed.

J.

O princípio da imparcialidade da Administração, na sua dimensão objetiva, significa que o Infarmed deverá ponderar todas as circunstâncias relevantes para a decisão, nomeadamente a existência de direitos de propriedade industrial.

K.

A norma do art. 25.° do Estatuto do Medicamente será inconstitucional, por falta de proteção mínima adequada de um direito fundamental, se for interpretada como fixação taxativa dos fundamentos de indeferimento, obrigando o Infarmed a deferir o requerimento e proibindo-o de tomar conhecimento da existência de violação de patente procedimentalmente comprovada.

L.

As AIMs impugnadas devem ser anuladas ou declaradas nulas ao abrigo dos artigos 135.° e 133.°, n.° 2 c) e d) do CPA, respetivamente, uma vez que levantam barreiras administrativas referentes à exploração pela Contra-Interessada do processo protegido pela Patente, cuja consequência será permitir a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental (de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias – o direito de propriedade industrial da Recorrente –, o qual beneficia do regime constante do art. 17.° da Constituição) e, em consequência, violando os arts. 18.°, 62.° e 266.° da Constituição, sendo o seu único efeito útil a viabilização de uma prática criminosa por terceiros.

M.

As AIMs são ilegais por violação do disposto nos artigos 100º e ss. do CPA, uma vez que não foi dada oportunidade à Recorrente para se pronunciar no procedimento de AIM do Escitalopram Orion apesar do seu óbvio estatuto legal de interessada.

N.

Se o MEID/DGAE autorizar os PVPs, tais autorizações serão, pelas razões referidas na conclusão L.

, anuláveis ou nulas ao abrigo dos arts. 135.° e 133.°, n.° 2, al. c) e) do CPA.

O.

O requisito do periculum in mora constante do n.° 1 do art. 120.° do CPTA verifica-se no caso presente porque o indeferimento do presente processo cautelar não só irá criar uma situação de facto consumado, como os danos invocados pela Recorrente enquadram-se no previsto no artigo 120.° do CPTA. Sustentar o contrário consubstanciaria uma violação do art. 120.° do CPTA, bem como do princípio basilar da acessoriedade da indemnização em relação à reconstituição natural previsto no artigo 566.° do Código Civil.

P.

Contrariamente ao decidido pela Sentença recorrida, a concessão de uma AIM configura a decisão central no procedimento administrativo tendente à comercialização de um medicamento, o que é suficiente para justificar um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado que tornará inútil a ação principal, apenas evitável com o deferimento do presente processo cautelar.

Q.

Mesmo se assim não fosse considerado, o não decretamento desta providência, mediante a aplicação correta do princípio da teoria da causalidade adequada, causará à Recorrente – tal como exige a al. b) do n.° 1 do art. 120.° do CPTA –, danos imateriais de reparação difícil ou mesmo impossível, porquanto a comercialização do Escitalopram Orion irá implicar que a Recorrente fique, contra a sua vontade, privada do uso e fruição do exclusivo que constitui o conteúdo essencial do direito de propriedade industrial de que é titular, o qual não poderá ser reparado mesmo que, na sequência de uma decisão condenatória, lhe viesse a ser atribuída uma compensação de natureza financeira.

R.

A ponderação de prejuízos constante no n.° 2 do artigo 120.° do CPTA é favorável à concessão da providência à Recorrente, uma vez que o Infarmed e a Contra-Interessada não alegou quaisquer danos específicos que para os mesmos decorressem do deferimento do processo cautelar e, mesmo que tais danos tivessem sido alegados e se verificassem, nunca seriam superiores aos da Recorrente, considerando que o que está em causa é a violação de um direito fundamental de natureza análoga.”.

Termina pedindo que deve ser dado provimento ao recurso, com efeito suspensivo, devendo a sentença recorrida ser revogada e a decisão que indeferiu a impugnação da Resolução Fundamentada ser substituída por outra que considere improcedentes as razões em que se fundamenta essa Resolução.

* Foi atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso, por despacho de fls. 1021-1022.

* A Contrainteressada contra-alegou, formulando 47 conclusões (algumas com vários pontos), as quais, atenta a sua prolixidade, ora se dão por reproduzidas.

* O Infarmed contra-alegou, pedindo que seja negado provimento ao recurso e seja confirmada a sentença, assim concluindo: “1ª Nos termos do artigo 143.°/2 do CPTA, os recursos de providências cautelares têm sempre efeito devolutivo.

  1. Na presente demanda, a ora Recorrente deduziu uma providência cautelar conservatória de suspensão da eficácia de atos de concessão de AIMs referentes aos medicamentos genéricos com os princípios ativos “Escitalopram”, tendo a mesmo sido julgada improcedente pelo douto Tribunal ao quo.

  2. In casu, não se encontram preenchidos os requisitos que fundamentam a adoção da mencionada providência cautelar.

  3. É manifesta a improcedência da pretensão a formular na causa principal, uma vez que as AIM concedidas não padecem de quaisquer vícios.

  4. Da factualidade dada como provada resulta que as AIMs são atos insuscetíveis de lesar os direitos de propriedade industrial da Recorrente.

  5. Não compete ao INFARMED aferir quaisquer direitos de propriedade industrial de terceiros, bem como a eventual violação daqueles direitos não resultará da AIM, mas antes da efetiva comercialização, traduzindo-se num conflito de direitos privados, que não compete à entidade administrativa dirimir.

  6. Os direitos de propriedade industrial não configurarem um direito fundamental, e muito menos um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, para efeitos do...

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