Acórdão nº 0849/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução19 de Janeiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A…… Inc., com os sinais dos autos, veio, ao abrigo do artº152º do CPTA, interpor recurso para uniformização de jurisprudência, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a fls. 1257 e seguintes, por alegada contradição com outros acórdãos do mesmo Tribunal, quanto a duas questões fundamentais de direito, sendo a primeira relativa aos requisitos legais da verificação do periculum in mora, indicando como acórdão fundamento o proferido em 06.05.2010, no Proc. nº 06154/10 e a segunda, relativa à natureza, conteúdo jurídico e impugnabilidade do acto suspendendo, indicando como acórdão fundamento o proferido em 17.03.2011, no Proc. nº 07027/11.

Termina as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: 1. O douto acórdão recorrido foi proferido no quadro de um procedimento cautelar, no âmbito do qual a Recorrente pediu a suspensão da eficácia de actos de atribuição de números de registo nacionais a medicamentos genéricos contendo a Nevirapina como princípio activo praticados pelo ora Infarmed e a Intimação do Infarmed a abster-se de, enquanto a Patente PT 95919 e o CCP 12 estiverem em vigor, aprovar os preços máximos requeridos pela Contra-interessada, sem que essa fixação fique condicionada a apenas entrar em vigor na data em que a PT 95919 e o CCP 12 caducarem, relativamente a esses medicamentos.

  1. A acção principal, no caso destes autos, tem por objecto (i) a impugnação de actos de atribuição de números de registo nacionais pelo Infarmed aos produtos da Contra-Interessada, com fundamento em que tais actos são ilegais e lesivos dos direitos e interesses legítimos da Requerente e (ii) a intimação do Infarmed a abster-se de aprovar os preços máximos requeridos pela Contra-Interessada, com fundamento também em que tais actos são ilegais e lesivos dos direitos e interesses legítimos da Requerente.

  2. A Requerente fundamentou os seus pedidos na existência de direitos de propriedade industrial (“DPI”) emergentes da Patente e do CCP, dos quais é titular, na violação desses direitos derivada da actividade de comercialização licenciada pelo acto suspendendo e na obrigação que recai sobre o Estado e sobre os seus órgãos de administração indirecta –neste caso o Infarmed – de não praticarem actos que tenham como objecto – directo ou mediato – a violação de direitos emergentes dos referidos Patentes e CCP.

  3. O douto Acórdão Recorrido, já transitado em julgado, decidiu conceder provimento ao recurso que lhe deu causa e, em consequência, indeferir a providência requerida, numa decisão que tem como fundamento três posições substancialmente divergentes – o texto da decisão do Juiz Relator Sr. Desembargador Coelho da Cunha, a declaração de voto do Juiz Adjunto Sr. Desembargador Fonseca da Paz, a qual diverge daquela apenas quanto aos fundamentos da sentença e, ainda, o voto de vencido proferido pelo Juiz Adjunto Sr. Desembargador Rui Pereira que discorda dos dois primeiros quanto ao sentido da decisão e, necessariamente, quanto aos seus fundamentos.

  4. O Acórdão Recorrido, já transitado em julgado como os autos demonstram, está em contradição manifesta, com vários acórdãos proferidos Tribunal Central Administrativo Sul, quanto a duas questões fundamentais de direito, a saber: os requisitos legais de verificação do periculum in mora e da natureza, conteúdo jurídico e impugnabilidade do acto suspendendo.

  5. O Acórdão Recorrido decidiu no sentido de que o periculum in mora apenas se verifica quando exista prova de que o acto suspendendo é causal de danos irreparáveis ou de difícil reparação para o requerente da providência, enquanto que o Acórdão Fundamento – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06.05.2010 (Processo nº 06514/10) – propugna que a prova do referido requisito de procedência da providência provocará uma situação de facto consumado ou que se configura uma situação de urgência provocada pela ameaça de prejuízos que são de molde a anular o objecto da causa principal, tornando inútil a sentença final por falta de objecto.

  6. O Acórdão Recorrido considerou ainda, pela declaração de voto do Sr. Desembargador Fonseca da Paz, que o acto de atribuição de números de registo constitui um mero acto material de execução do acto de concessão de AIM centralizada, sem dignidade de acto administrativo, para a prolação do qual não se exigem especiais cuidados de avaliação ou fundamentação, mormente das que respeitem à legalidade da comercialização do medicamento no território nacional, enquanto que para o Acórdão fundamento (Acórdão do TCAS de 17 de Março de 2011, proferido no Proc. 07017/11), ele é um verdadeiro acto administrativo impugnável sujeito às mesmas exigências de conformação com o direito, impostas aos demais actos administrativos e, como tal, impugnável.

  7. Os acórdãos fundamentos foram tirados em processos onde se discutiam questões em tudo idênticas às destes autos, em procedimentos cautelares em que é pedida a suspensão de actos do Infarmed de licenciamento da comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.

  8. Face ao exposto, verifica-se que o Acórdão recorrido se encontra em clara contradição com os Acórdãos Fundamento, relativamente a cada uma das razões fundamentais de direito que conduziram à conjugação maioritária de votos necessários à sua prolação e que respeitam a situações idênticas às destes autos.

  9. Estão, pois, reunidas as condições previstas no artº152º do CPTA para que este recurso de uniformização de jurisprudência seja admitido.

  10. Houve uma alteração sensível da definição do periculum in mora, no quadro do novo CPTA em relação ao conceito vigente no quadro da antiga LPTA; essa noção compagina-se, agora, directamente com a primordial missão da providência cautelar que é a de garantir a utilidade efectiva da sentença a proferir na acção principal, em linha com o dispositivo do nº1 do artº112º, do CPTA.

  11. O requisito do periculum in mora encontra-se preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.

  12. O nexo de causalidade entre o acto suspendendo e os prejuízos de difícil reparação não constitui mais, no quadro da CPTA, o factor determinante da sindicância do periculum in mora.

  13. Mesmo que na sentença que venha a decidir a acção principal de que estes autos são dependência seja decretada a nulidade das autorizações de número de registo nacional sub judice ou diferida a sua eficácia para depois da caducidade dos direitos da Recorrente, a verdade é que uma tal decisão será totalmente inútil, uma vez que a comercialização dos medicamentos em causa, no âmbito do exclusivo da Recorrente e contra a sua vontade, já se terá com toda a probabilidade consumado e esse exclusivo terá sido na prática destruído.

  14. A não ser decretada a providência requerida a sentença que, na acção principal, venha a ser emitida não terá, assim, com toda a probabilidade qualquer utilidade prática, uma vez que o exclusivo da Recorrente ter-se-á então, há muito, extinguido, sendo tal sentença incapaz de reintegrar a Recorrente no usufruto desse seu extinto exclusivo, dado que nem o INPI nem o Tribunal assegurarão a extensão desses direitos.

  15. Se é a comercialização efectiva que determina directamente o prejuízo ao titular da patente violada por essa comercialização, não deixa a concessão de acto administrativo pelo Infarmed, como acto licenciador dessa comercialização de constituir causa adequada do dano causado pela mesma comercialização, na medida em que a comercialização de genéricos Nevirapina, é uma consequência jurídica e prática necessária dos actos cuja suspensão se procura obter pela presente providência.

  16. A violação da patente dos autos constituirá uma ofensa aos direitos da Recorrente, causador de um dano imaterial, consistente na ablação temporária de uma parte dos activos integradores da esfera jurídica da Recorrente, os quais não poderão ser reparados mesmo que, na sequência da decisão condenatória a proferir na acção principal, lhe venha a ser atribuída uma compensação de natureza financeira.

  17. Tal compensação, seria, na verdade, insusceptível de reintegrar a Recorrente no gozo dos seus direitos ao exclusivo legal da comercialização, durante todo o período em que durasse a acção principal.

  18. A não concessão das providências requeridas com base no argumento de que a Recorrente sempre poderia vir a ser compensada pelos prejuízos sofridos, para além de contrariar o princípio basilar da acessoriedade da indemnização em relação à reconstituição natural (artigo 566º do Código Civil), violaria o princípio constitucional da efectiva protecção decorrente do artigo 20º, nº4 da CRP.

  19. Os factos provados tornam imperiosa uma decisão deste Venerando Tribunal de suspensão dos efeitos dos actos de atribuição dos números de registo nacional em causa, pois que se assim não for se verificará uma situação de facto consumado e a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.

  20. A posição correcta quanto à natureza do acto de atribuição e números de registo como um verdadeiro acto administrativo é a defendida pela ora Recorrente e pela jurisprudência que tem vindo a ser sistematicamente aceite pelo Tribunal Central Administrativo Sul, constante dos Acórdãos proferidos em 23 de Setembro de 2010 (Processo nº 6492/10), em 9 de Dezembro de 2010 (Processo nº06742/10) e em 30 de Junho de 2001 (Processo nº 07053/10).

  21. De acordo com o disposto no artº152º do CPTA, o presente recurso para uniformização de jurisprudência é admissível porque é...

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