Acórdão nº 2686/08.9TBOAZ.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelM. PINTO DOS SANTOS
Data da Resolução24 de Janeiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. 2686/08.9TBOAZ.P2 – 2ª Sec.

(apelação) _________________________________ Relator: Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Ondina Carmo Alves Des. Ramos Lopes* * *Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, residente em …, Oliveira de Azeméis, instaurou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra C…, D… e E…, residentes no …, …, Oliveira de Azeméis, pedindo que estes sejam condenados a reconhecer que não existe, a poente do prédio da autora identificado no artigo primeiro da petição inicial e a interpor-se entre ele e o vizinho prédio de F…, prédio algum que lhes pertença.

Subsidiariamente, pedem que, a existir naquele local algum prédio dos réus, se declare que o mesmo não ultrapassa do seu lado nascente (voltado para o prédio da autora) o caminho ou carreiro mencionado no artigo 33º da petição inicial, nada lhes cabendo a nascente de tal caminho.

Alegou, para tal, que é dona e legítima possuidora do prédio identificado no artigo 1º da p. i. e que, não obstante ter sido proferida sentença na acção nº 1848/04.2TBOAZ, que correu termos no 1º Juízo Cível do Tribunal ora recorrido, não ficaram esclarecidos nem resolvidos os litígios entre as partes, tornando-se necessário, em benefício da certeza jurídica e da pacificação das relações entre vizinhos, o cabal esclarecimento do que cabe a cada um, importando esclarecer se existe algum prédio nas imediações do prédio da autora, designadamente a poente do mesmo e interpondo-se entre aquele e o prédio de F…, referido no registo, que seja pertença dos réus, com vista a ulterior delimitação do mesmo com o prédio da autora.

Os réus contestaram por excepção e por impugnação e deduziram pedido reconvencional.

Alegaram que: ● não existem dúvidas sobre os limites do prédio da autora, não havendo, por isso, razão para a propositura da acção; ● a autora utiliza indevida e conscientemente os meios judiciais, litigando de má fé; ● de qualquer modo, são donos e legítimos possuidores do terreno, curral e palheiro que no seu conjunto formam um prédio urbano composto por curral, palheiro e quintal, sito no …, a confrontar do norte com caminho e com a autora, do sul com caminho, do nascente com a autora e do poente com F…, com a superfície coberta de 40,00m2 e descoberta de 97,80m2, omisso na matriz e na Conservatória do Registo Predial, prédio este que adquiriram por usucapião (alegam os actos de posse que, na sua óptica, integram esta figura jurídica).

Concluem pedindo a improcedência da acção e a procedência da reconvenção e que a autora seja condenada a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o prédio descrito no artigo 19º da contestação-reconvenção.

Houve réplica e tréplica.

Foi depois proferida decisão julgando verificada a excepção dilatória inominada da falta de interesse em agir da autora com a consequente absolvição dos réus da instância, decisão essa que foi, porém, revogada por acórdão proferido por este Tribunal da Relação, na sequência de recurso interposto pela autora.

Prosseguindo os seus trâmites, foi, seguidamente, proferido despacho saneador e foram seleccionados os factos assentes e os controvertidos, estes formando a base instrutória, sem reclamação das partes.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual, após produção da prova, foi, por despacho, dada resposta aos quesitos da base instrutória, novamente sem reclamação das partes.

Seguiu-se a prolação da sentença cuja parte decisória tem o seguinte teor: “Assim, face ao exposto:

  1. Julgo parcialmente procedente, por provada, a presente acção e, consequentemente, condenam-se os réus a reconhecer que o prédio existente naquele local, infra descrito em c), na extensão de 80cm sita da esquina/sul do lado poente da casa da autora, para poente, em toda a extensão da parede poente da casa desta, não lhes pertence.

  2. Absolvo os réus dos demais pedidos contra si formulados na presente acção.

  3. Julgo parcialmente procedente, por provada, a reconvenção e, consequentemente, condeno a autora a reconhecer o direito de propriedade dos réus sobre o prédio urbano composto por curral, palheiro e terreno, sito no …, a confrontar do norte com caminho e com a autora, do sul com caminho, do nascente com a autora e do poente com F…, com a superfície coberta de 40,00m2 e na descoberta, com excepção da extensão de 80cm sita da esquina/sul do lado poente da casa da autora, para poente, em toda a extensão da parede poente da casa desta, que se acha omisso na Conservatória do Registo Predial.

  4. Julgo improcedente o pedido de condenação da autora por litigância de má fé, absolvendo-se a mesma de tal pedido.

  5. Custas da acção e da reconvenção pela autora e pelos réus, na proporção de 1/10 para estes e o restante para a autora, sem prejuízo do apoio judiciário que foi concedido nos autos.

    Registe e notifique”.

    Inconformada com o sentenciado, interpôs a autora o recurso de apelação ora em apreço, cuja motivação culminou com as seguintes conclusões: “1ª – Não estando em causa nos autos as modalidades de aquisição de imóvel, através da sucessão por morte, ocupação, ou acessão, importa definir, quanto ao terreno, ou parcela de terreno que é objecto do litígio, se esta terá sido adquirida por contrato, ou por usucapião, e por quem, de modo a apurar-se o efectivo titular do respectivo direito de propriedade.

    1. – Quanto à aquisição da parcela de terreno por contrato com eficácia real, dispõe o art. 408º nº. 1 do C.C. que «a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei» e quanto à aquisição por usucapião dispõe o art. 1268º nº. 1 do C. Civil que «o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse».

    2. – Sendo verdade que a usucapião invocada pelos RR./ Reconvintes é um modo de aquisição de um direito real de gozo pela pessoa que tem a sua posse durante certo lapso de tempo (art. 1287º do C.C.) e que um dos efeitos da posse é a criação de direitos, gerando a posse a aquisição da propriedade desde que se mantenha durante certo período de tempo, importa analisar se os RR./ Reconvintes adquiriram o direito que invocam, e se este resulta da matéria que o Tribunal “a quo” deu como provada na Sentença revidenda.

    3. – De acordo com o disposto no art. 1251º do C.C. “a posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”, distinguindo-se nela dois elementos: o “corpus” – que se identifica com os actos materiais praticados sobre a coisa, com o exercício de certos poderes sobre a coisa; e o “animus” – que se traduz na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados, o que sempre terá de ocorrer pelo decurso do prazo necessário e legalmente previsto para a sua aquisição.

    4. – A Lei exige – arts. 1251º e 1253º do C.C. – a existência do “corpus” e do “animus” para que exista posse, o que implica que o possuidor tenha de provar a existência destes dois elementos para poder adquirir por usucapião.

    5. – No caso dos Autos, o que o Tribunal “a quo” deu como provado (embora mal) no que se reporta ao pedido reconvencional deduzido pelos RR./ Reconvintes, foi a matéria dos factos levados aos itens (5) a (20) da Sentença revidenda.

    6. – Daquela matéria não decorre qual seja a área de uma qualquer superfície descoberta que os RR./ Reconvintes ali detenham … Apenas dela emergindo que aqueles terão no local um imóvel que tem a superfície coberta de 40 m2, omisso na Conservatória do Registo Predial e que sobre ele terão praticado os actos de posse que vêm retratados na Sentença.

    7. - A posse destinada a dar suporte à aquisição originária, ou por usucapião, terá necessariamente de ser exercida sobre bens certos e determinados, devidamente identificados e delimitados, inclusive quanto à sua área … Pois a posse e, consequentemente, a aquisição originária, ou por usucapião, é insusceptível de ser exercida sobre bens imaginários, ou não concretamente definidos, quantificados, delimitados … E o que consta dos Autos é que nenhuma área se mostra concretizada, e quantificada, como superfície descoberta do imóvel sobre que os RR. invocam a titularidade do direito de propriedade.

    8. - A posse é o exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real, sendo passíveis de posse todas as coisas … A posse pressupõe sempre uma relação entre uma pessoa e uma coisa, recaindo sobre esta, de tal modo que não pode falar-se de posse no caso de inexistência da coisa … Faltando a coisa não há posse.

    9. - Não provada no caso dos Autos a existência concreta, delimitada e localizada, de uma qualquer superfície descoberta, não podem os RR. adquirir sobre tal parte aleatória de uma parcela de terreno qualquer direito (através da posse, mantida por certo período de tempo), de propriedade por usucapião.

    10. – O Tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 408º, 1305º, 1316º, 1251º, 1253º, 1287º, 1268º nº. 1 do C. Civil, dos quais fez uma incorrecta interpretação e aplicação.

    11. – Da análise de toda a prova carreada para os autos, documental e nomeadamente a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e gravada em suporte magnético, decorre que há erro manifesto na sua apreciação, encontrando-se a matéria de facto incorrectamente julgada … Com efeito, a análise daquela prova conduz-nos a outras conclusões, determinantes da alteração das respostas à matéria controvertida levada à B.I. … Designadamente dos seus artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 9º, 10º, 12º, 13º, 15º, 16º, 17º, 18º e 19º da B.I., que mereciam todos eles a resposta de NÃO PROVADOS.

    12. – Da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e gravada em suporte magnético, designadamente do depoimento das testemunhas que intervieram no negócio de compra e venda do imóvel, que depois veio a ser adquirido...

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