Acórdão nº 01569/05.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução13 de Janeiro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I RELATÓRIO 1 .

O MUNICÍPIO do PORTO, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional do Acórdão do TAF do Porto, datado de 20 de Maio de 2010, que, por um lado, manteve a anulação do acto do Vereador dos Recursos Humanos da Câmara Municipal do Porto, de 7/4/2005, proferida no uso de competência delegada do Presidente da CM do Porto, que aplicou ao recorrido S… a pena disciplinar de demissão e, por outro, anulou o acto de ratificação concretizado na deliberação da CMPorto de 18/11/2008.

*O recorrente Município do Porto formulou alegações que finalizou com as seguintes conclusões: A .

O presente recurso vem interposto do acórdão do TAF do Porto, de 20 de Maio, que (i) anulou o despacho do Vereador dos Recursos Humanos da Câmara Municipal do Porto, de 7 de Abril de 2005, que aplicou ao Recorrido a pena de demissão (acto impugnado), por pretensa incompetência do autor do acto para a sua prática, não sanada tempestivamente, e que (ii) anulou o acto de ratificação pela Câmara Municipal, de 28 de Novembro de 2008, desse mesmo acto punitivo, (assim como, do acto de nomeação da instrutora dos respectivos processos disciplinares), por alegada intempestividade, por ofensa dos artigos 137.º, n.º 2 e 141.º, n.º 1 do CPA, e por putativa violação de caso julgado formal.

B .

Considerando que a ratificação pela Câmara Municipal do despacho praticado pelo Vereador visava a sanação da incompetência do acto impugnado, resulta claro que a declaração de invalidade do acto impugnado se reconduz aos dois mencionados vícios assacados ao acto de ratificação da Câmara Municipal, sendo que nenhum dos dois colhe ou se verifica, pelo que a acção administrativa especial não poderia nunca proceder.

C .

Porque a questão sub judice aure-se e exaure-se na admissibilidade (ou não) do acto de ratificação praticado pela Câmara Municipal do Porto, importa esclarecer o contexto em que a mesma foi tomada.

D .

O Município do Porto, partilha o entendimento de que o Presidente da Câmara detém competência disciplinar e, nesse sentido, os actos punitivos de funcionários eram aplicados por este.

E .

Tal entendimento motivou a existência de diversas impugnações com fundamento na incompetência do autor do acto para a sua prática e a tese sufragada não teve acolhimento nos Tribunais, que anularam as sanções disciplinares com tal fundamento sem que o Tribunal chegasse sequer da materialidade infraccional subjacente às sanções em causa.

F .

No intuito de não permitir que as violações dos deveres legalmente impostos aos funcionários públicos ficassem impunes por contingências formais, a Câmara Municipal chamou a si a aplicação, para futuro, das sanções a funcionário da autarquia e ratificou as penas disciplinares cuja ilegalidade, com fundamento em incompetência, ainda estivesse a ser questionada judicialmente, sendo este pois o contexto em que foi praticado.

G .

Nem a nomeação da instrutora dos processos disciplinares aqui em causa, nem a pena disciplinar de demissão concretamente aplicada ao Recorrido, teriam alguma vez sido diferentes caso ab initio tivesse sido a Câmara Municipal do Porto, e não o seu Presidente, a nomear e a decidir.

H .

É curioso e pouco abonatório da boa fé que alguém venha insurgir-se contra um acto, alegando que não foi praticado por quem tinha competência, e depois de ser ratificado por órgão que reputava competente, venha contestar essa mesma ratificação.

I .

Já se vê quem é que mais faz uso e a quem mais aproveitam as questões formais - nem que sejam pouco ou nada congruentes entre si – e quem mais obsta a que os tribunais se pronunciem sobre a materialidade infraccional implicada, sendo que no caso está em causa uma pena de demissão, resultante de três processos disciplinares.

A tempestividade do acto de ratificação J .

A tempestividade do acto de ratificação da Câmara Municipal do Porto aqui em causa não pode, nem deve, ser questionada e, assim, ser motivo e fundamento da sua invalidação, o que já veio a ser reconhecido, ainda que não unanimemente, pelo próprio Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no âmbito do processo n.º 1552/05.4BEPRT em que se debate a mesma e exacta questão da tempestividade para a prática de actos administrativos de revogação e, consequentemente, de ratificação.

K .

Tal conclusão do Tribunal a quo nesse outro processo não é, porém, de espantar, pois que, como decorre da fundamentação então empreendida ela não traduziu a adesão a simples capricho ou mera teimosia da aqui Recorrente (que, em moldes exactamente idênticos aos que aqui se debatem, também era parte do processo), mas à adesão ao sufrágio - processual e material – favorável da maioria da doutrina e, inclusivamente, o sufrágio favorável do próprio Tribunal Central Administrativo – Norte.

L .

Todos esses – ao admitirem que «a ratificação baseada na ilegalidade pode ocorrer a todo o tempo» - recusam categoricamente a interpretação ora realizada pelo Tribunal a quo, razão pela quão o acórdão ora criticado assenta em entendimento jurídico contrário à doutrina produzida e à jurisprudência emanada sobre a matéria.

M .

Vieira de Andrade defende que a “O artigo 64.º do CPTA, em face do qual se deverá considerar revogado o artigo 141.º n.º 1 do CPA, que só admite a anulação administrativa do acto até à resposta da entidade recorrida.” (in Justiça Administrativa (Lições), 8.ª Edição, Almedina 2006, pág. 486) N .

Paulo Otero, pronunciando-se sobre o anteprojecto do CPTA, afirma que “Isto significa porém que a Administração Pública poderá, ao contrário daquilo que hoje sucede ao abrigo da LPTA, revogar o acto recorrido mesmo após a impugnação administrativa e depois de decorrido o prazo de reposta ou contestação da autoridade recorrida, determinando, por isso mesmo, a revogação da parte final do actual artigo 141.º n.º 1 do CPTA.” (in CJA n.º 28, “Impugnações Administrativas”, pág. 53, nota 6).

O .

José Robin de Andrade entende não haver “razões de justiça material ou de carácter dogmático que impeçam genericamente a anulação administrativa de actos ilegais depois do decurso do prazo do recurso contencioso” (In CJA n.º 28, “Impugnações Administrativas”, pág. 48), P .

Mário Aroso de Almeida, refere que “A reforma do contencioso administrativo assenta, entretanto, numa lógica que, a nosso ver, não se coaduna com a criticável solução do art. 141.º do CPA, de se estabelecer um limite temporal para a possibilidade de a Administração proceder à revogação, com fundamento em ilegalidade, dos seus actos administrativos que tenham sido objecto de impugnação contenciosa. (…)” e que “(…) nada justifica, a nosso ver, que se impeça a Administração de intervir sobre o acto impugnado durante todo o tempo em que o processo impugnatório esteja pendente”, pois que “(…) A dinâmica da relação material não tem por que ficar cristalizada, com enormes custos, pelo facto de existir um processo pendente” Q .

Em acórdão de 1 de Outubro de 2009, no âmbito do recurso jurisdicional 1082/05.4BEPRT, o Tribunal Central Administrativo – Norte pronunciou-se sobre a questão, tendo concluído que “(…) face ao estatuído no n.º 3 do art.º 64.° do CPTA, a doutrina maioritária vai no sentido de que este preceito revogou aquela norma do CPA, ao estabelecer que em todos os casos em que o acto impugnado seja, total ou parcialmente alterado ou substituído por outro com os mesmos efeitos, mesmo que proferido na pendência do processo, pode o autor requerer que o processo prossiga contra o novo acto, com a faculdade de alegação de novos fundamentos e de oferecimento de diferentes meios de prova (cfr art.º 64.°, n.°s l e 3 do CPTA e Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira in Cód. Processo nos Tribunais Administrativos, vol.i, em anotação a este normativo)”.

R .

Não cola, nem medra o argumento à luz do qual “não existe uma verdadeira incompatibilidade entre as duas normas – artigo 64.º do CPTA e artigo 141.º, n.º 1, parte final do CPA - , pois o processo considera-se pendente entre a entrega da petição em juízo e a apresentação da contestação”, já que a manutenção da parte final do artigo 141.º, n.º 1 do CPA, implica a perda de utilidade de uma boa parte da norma ínsita no artigo 64.º do CPTA, circunstância que não corresponde, como se retira das pronúncias doutrinais referidas, à vontade do legislador.

S .

O CPTA sendo posterior ao CPA, corresponde à vontade do legislador manifestada mais recentemente e no presente caso não é possível lançar mão, sem mais, da regra à luz da qual “lei processual não revoga lei substantiva”, pois que o CPTA procedeu a uma reforma profunda das normas de processo administrativo constantes da LPTA, de tal forma que entrou em matérias de natureza substantiva e procedeu à revogação – ainda que tácita – de várias disposições, de que há vários exemplos, como é o caso da revogação do artigo 164.º do CPA pelo artigo 59.º, n.º 4 do CPTA.

T .

Não colhe a argumentação segundo a qual nova redacção que a Lei n.º 55-B/2005, de 30 de Dezembro, (que aprovou Orçamento de Estado para 2005) conferiu ao artigo 40.º do DL 155/92, de 28 de Julho, que estabelece o regime financeiro dos serviços e organismos da administração pública, indicia que a vontade do legislador é no sentido contrário ao aqui propugnado pelo Recorrente.

U .

Ao aludir ao artigo 141.º do CPA – determinando a sua inaplicabilidade – o legislador referiu-se claramente à primeira parte do preceito, e não já à parte final, respeitante à “resposta da entidade recorrida”, sendo o artigo 64.º do CPTA revogou justamente a parte final do artigo 141.º do CPA.

V .

A norma do artigo 40.º do DL 155/92, de 28 de Julho, não pressupõe, em nenhum momento, a existência de uma acção judicial em curso, pelo que o legislador nunca poderia estar a remeter para a parte final do artigo 141.º do CPA.

W .

Basta pensar no âmbito justamente do DL n.º 155/92, de 28 de Julho, para concluir que não faz qualquer sentido que esteja excluída a...

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