Acórdão nº 0245/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução18 de Janeiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A……….

, com os demais sinais dos autos, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que absolveu a Fazenda Pública da instância de embargos de terceiro deduzidos contra o acto de compensação realizado no âmbito do processo de execução fiscal n° 3506199701004573 e apensos que reverteu contra o cônjuge da embargante, B………., para cobrança de dívidas de IVA dos anos de 1996 a 2000.

Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões: 1. A Recorrente é casada em regime de separação absoluta de bens. E, tempestivamente, apresentou a declaração de IRS, conjuntamente com a do seu marido, conforme era exigido pela F.P. relativa ao ano de 2004. Os rendimentos mencionados nessa declaração, foram exclusivamente auferidos, nesse ano, pela Recorrente. Feita a liquidação, a F.P. reconheceu, em notificação adrede remetida à Recorrente, a obrigação de reembolsar a Recorrente - ou ela e seu marido - em quantia de 4.873,47 (quatro mil oitocentos e setenta e três euros, e quarenta e sete cêntimos), correspondente a retenção de IRS, pago em excesso, no ano de 2004. Entretanto, no Serviço de Finanças da Maia-2, corria (e corre) uma execução fiscal contra o marido da Recorrente, instaurada por reversão contra ele de uma dívida de uma sociedade da qual foi gerente. Com base no crédito da F.P. contra o marido da Recorrente, cuja satisfação a F.P. exige nesse processo contra o marido da Recorrente, a F.P. não reembolsou a Recorrente daquela quantia, comunicando-lhe que a afectou, por compensação, ao pagamento da dívida fiscal do seu marido.

  1. Ao receber tal comunicação, a Recorrente apresentou tempestivamente embargos de terceiro contra o acto que a privou daquela quantia, que lhe pertence por inteiro (ou, pelo menos, na proporção de metade ou como meeira). Na decisão de que se recorre, e com base na posição intentada pela F.P., foi considerado que o acto não era passível de impugnação por embargos de terceiro, mas de reclamação nos termos do art.° 279.° do CPPT, e a F.P. foi absolvida da instância.

  2. A decisão é insustentável, e assenta na confusão entre decisões interlocutórias, proferidas no decurso do processo de execução pelo órgão de execução fiscal, que podem afectar interesses do executado ou de terceiros que já passaram a ser intervenientes no processo (cônjuge, credores com garantias reais, preferentes, adquirentes de bens penhorados, etc.), e actos administrativo-tributários ou executivos que afectem o património de pessoas que não são parte - a qualquer título - no processo executivo.

  3. A serem as coisas como a Recorrida pretende, e o Tribunal corroborou, o património de qualquer pessoa, que não é executada nem parte no processo de execução fiscal, pode ser violado, e as suas garantias de defesa, em meios e tempo, serão muito menores que as do executado.

  4. Na verdade, as normas que a seguir se invocam (do CPPT) revelam que o património do devedor tributário só pode ser penhorado depois de observado o seguinte: i) Ser determinado um crédito tributário nos termos do art. 148° e aberto o respectivo processo de execução, com base em título que determine os fins e limites da execução, nomeadamente a natureza e montante do crédito, e identifique o credor e correlativo devedor (arts. 148°, 152°, 153° e segs. e 162°); ii) Ser proferido despacho pelo funcionário competente do órgão de execução que aprecie a validade do título e os pressupostos relativos à identificação do credor e devedor, e no qual ordene a citação do devedor, de modo a que este fique ciente da natureza e em montante da dívida e da identidade do credor, e que também fique ciente de que tem 30 dias para pagar a dívida ou opor-se à execução, sob pena de nulidade insanável, se a citação não respeitar os tais requisitos previstos na lei e o titulo enfermar de vícios (arts. 188º, 35°, 189°, 190° e 203° e 165°).

    iii) A penhora só pode ser feita após o transcurso do prazo para o executado fazer o pagamento e para se opor (art. 215º). Estas normas consubstanciam garantias legais do executado.

  5. A penhora em processo executivo pode lesar (nomeadamente pelo facto de constituir desapossamento e cisão do poder de disposição) os direitos do cônjuge do executado sobre esses bens, porque esse cônjuge é meeiro desses bens, comproprietário ou contitular ou seu exclusivo titular, ou até de bens de terceiros, em relação a ambos os cônjuges. (Mutandis mutandis, a lesão pode ser feita através de outro acto que não a penhora, sendo certo que o acto de compensação de créditos do executado ou de terceiro na satisfação do crédito do credor tributário é uma penhora efectiva). Nestas circunstâncias, o lesado - cônjuge ou terceiro - ou tem garantias processuais idênticas às do executado ou não tem. Obviamente, sob pena de crassa inconstitucionalidade, estes não podem deixar de ter as mesmas garantias, sendo por isso que o cônjuge meeiro tem direito à citação, para defender os seus interesses, previsto no art. 239° do CPPT, enquanto o terceiro tem o direito a embargos de terceiro, nos termos do art.° 237° e segs.

  6. ...

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