Acórdão nº 08350/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Janeiro de 2012
Magistrado Responsável | BENJAMIM BARBOSA |
Data da Resolução | 19 de Janeiro de 2012 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acórdão ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL: 1 - Relatório a) – Dos recorrentes e do objeto do recurso S………& C.ª, S.A.
, intentou no TAF de Penafiel acção de contencioso pré-contratual contra o Município da .....................
e a contra-interessada Lena …………, S.A.
, pedindo a anulação do ato de exclusão da sua proposta com fundamento no uso de expressões em inglês e o consequente ato de adjudicação à contra-interessada e ser o Réu condenado a “adoptar os atos e operações materiais necessárias à reconstituição da situação que existiria se os atos em causa não tivessem sido indevidamente praticados”.
Declarada a incompetência territorial daquele tribunal, foi a acção remetida para o TAF de Leiria, onde veio a ser proferida sentença que a considerou improcedente, absolvendo do pedido o réu e a contra-interessada.
Inconformada, veio a autora, ora recorrente, interpor recurso de revista per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo, por considerar que se encontravam reunidos os respetivos pressupostos, estar em causa apenas a violação de lei substantiva ou processual, o valor da causa ser superior a três milhões de euros e o recurso incide sobre uma decisão de mérito e não estar em causa matéria de funcionalismo público ou de segurança social.
No STA, por despacho do relator foi determinado que prosseguisse neste TCA Sul, como recurso de apelação, por a decisão comportar também a apreciação de matéria de facto.
Nas suas alegações a recorrente formulou as seguintes “Conclusões:
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A decorrente considera que todos os pressupostos que determinam a interposição do recurso de revista per saltum se encontram preenchidos deforma manifesta no presente caso, uma vez que (a) o fundamento do recurso consiste apenas na violação de lei substantiva ou processual (artigos 150.°, n.° 2 e 151.°, n.° 1); (b) o valor da causa é superior a três milhões de euros ou indeterminável (artigo 151.°, n.° 1); (c) o recurso incide sobre uma decisão de mérito (artigo 151.°, n.° 1); e (d) o processo não versa sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social (artigo 151.°, n.°2).
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A decisão do Tribunal a quo veio determinar que a decisão de exclusão da proposta da Recorrente do procedimento concursal em apreço não se encontra ferida de ilegalidade, na medida em que a Recorrente apresentou um Plano de Trabalhos anexo à sua proposta cujo título do cabeçalho e algumas das suas colunas incluíam palavras ou expressões redigidas em língua inglesa: «“Selection: Whole program”, “Activity Description”, “Current”, “Start”, 'Finish”e “Month”».
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Ou seja, a proposta apresentada pela Recorrente cumpriu com todas as formalidades legais a que se achava adstrita, encontrava-se devidamente instruída com todos os documentos exigidos e conforme com o estabelecido no caderno de encargos, e apenas estaria inquinada por no cabeçalho e nas colunas do Plano de Trabalhos conter as ditas seis palavras ou expressões redigidas em inglês.
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Do que se entrevê da fundamentação da sentença recorrida, a decisão de exclusão da proposta da Recorrente e o subsequente ato de adjudicação da proposta da Contra-Interessada não padeceriam de vício de violação da lei por erro nos pressupostos de direito, uma vez que o a circunstância de o Plano de Trabalhos conter seis inócuas expressões em inglês tolda a percepção do mesmo pela entidade adjudicante e constituiria fundamento bastante legitimador para proceder à respetiva exclusão.
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No entanto, é claro e evidente que o documento em causa foi redigido em português e que o mesmo permite identificar rigorosamente todos os items do diagrama de evolução do Plano de Trabalhos, em função de parâmetros temporais e de espécie de trabalhos.
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Por outro lado, é também ostensivo que as expressões em inglês usadas pela decorrente, no contexto em que se integram, são totalmente perceptíveis e não ferem, minimamente que seja, a inteligibilidade da proposta.
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Não deixa por isso de causar estranheza e perplexidade a posição adoptada pelo Tribunal a quo no sentido de sustentar a legalidade da decisão de exclusão da proposta da Recorrente, cumprindo, na verdade, afirmar veementemente que aquela posição viola frontalmente o disposto, em termos conjugados, nos artigos 58.°, n.° 1 e 146.°, n.°2, alínea e) do CCP, bem como os mais elementares princípios que regem (ou deviam reger) a actuação administrativa.
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Com efeito, as expressões em inglês ínsitas no Plano de Trabalhos, porque não referidas aos termos e condições a que obedece a execução da proposta (nem tampouco aos respectivos atributos), não apresentam a virtualidade de qualificar, minimamente que seja, essa mesma proposta; em bom rigor, são até estranhas ao compromisso pré-contratual assumido pela decorrente no âmbito do procedimento concursal em apreço, uma vez que aquele se encontra integralmente redigido em língua portuguesa.
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E igualmente evidente que os requisitos da seriedade, da firmeza e da concretização da proposta não foram minimamente abalados pela utilização de seis expressões em língua inglesa (associadas ao programa de software utilizado pela Recorrente para a elaboração das suas propostas comerciais).
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Mas, admitindo-se que as palavras em inglês em causa não seriam aceites pela Entidade Recorrida, considerando-se por isso como não escritas, ainda assim o Tribunal a quo deveria ter determinado que o conteúdo do Plano de Trabalhos seria plenamente inteligível para a Entidade adjudicante e para todos os concorrentes, porquanto permite identificar os seus elementos essenciais, a saber, a sequência e os prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas (cfr. artigo 361,°, n.° 1 do CCP).
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Não se compreende, até numa perspectiva de bom senso, de que não se pode afastar o julgador prudente e cauteloso, como na decisão sob censura pode ser afirmado que, sendo aquelas palavras ou expressões ininteligíveis em português, tal torna difícil ou mesmo impossível, para os intervenientes, proceder à correcta interpretação dos gráficos existentes no Plano de Trabalhos, 1) Com efeito, para o caso em apreço, o Tribunal a quo absteve-se de analisar e ponderar se, em substância, as palavras em língua inglesa ínsitas acidentalmente pela Recorrente no Plano de Trabalhos que constitui a proposta afectam, ainda que minimamente, a compreensão da mesma por parte de todos os intervenientes no procedimento concursal.
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Verificando-se que a resposta a esta questão só poderia ser negativa, dúvidas não restam de que o disposto no artigo 58.°, n.° 1, do CCP não foi violado, desde que, conforme se torna indispensável, se tenham em atenção os princípios conformadores da actividade administrativa e os interesses fundamentais que a norma pretende acautelar, pelo que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, devendo consequentemente ser objecto de revogação por este Supremo Tribunal n) Em bom rigor, o Tribunal a quo apenas lança mão do elemento gramatical (“letra da lei”) para a interpretação do disposto nos artigos 58.°, n.° 1 e 146.°, n.° 2, alínea e) do CCP, sem curar de desvendar o verdadeiro sentido e alcance do texto legal através do necessário elemento lógico...
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