Acórdão nº 4455/09.0TBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelRODRIGUES PIRES
Data da Resolução17 de Janeiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 4455/09.0 TBMTS.P1 Tribunal Judicial de Matosinhos – 5º Juízo Cível Apelação Recorrentes: B… e C… Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO A presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, foi instaurada pela autora B… contra o réu C…, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a título de danos patrimoniais a quantia de 23.500,00€ e a título de danos não patrimoniais a quantia de 10.000,00€.

Para tanto, a autora fundou a sua pretensão, em síntese, no facto de ter entregue 25 quadros pintados por si no restaurante “D…”, para serem aí expostos e vendidos; entretanto, o restaurante, do qual o réu era proprietário, encerrou; constatando esse facto, a autora procurou reaver os quadros e, no dia combinado com o réu, dirigiu-se às instalações do restaurante para os levantar; constatou então que dos 25 quadros entregues apenas lá se encontravam 8, tendo os restantes 17 quadros desaparecido; o réu justificou esse desaparecimento por ter ocorrido um assalto.

Mais alegou que exerce, como única actividade profissional, a pintura de quadros e respectiva venda, sendo esse o seu único meio de subsistência e que, em virtude do desaparecimento dos 17 quadros (cujo valor indicou), ficou impedida de prosseguir a sua actividade profissional, por deixar de ter aqueles quadros para exposição e de assim obter os rendimentos necessários à criação de novos quadros, o que lhe causou desespero, angústia e desânimo.

O réu contestou, impugnando parcialmente o alegado pela autora e alegando, em síntese, que em finais de Agosto de 2007, através dos seus funcionários, tentou contactar telefonicamente a autora no sentido de lhe dizer para a mesma vir levantar os seus quadros no estabelecimento, o que apenas conseguiu fazer em inícios de Setembro de 2007; tendo esse contacto ocorrido em data anterior ao desaparecimento dos quadros.

Mais alegou que durante o encerramento do estabelecimento as portas e janelas encontravam-se totalmente fechadas e trancadas e que os quadros da autora foram retirados por pessoa não identificada que aí se introduziu por arrombamento.

Concluiu, deste modo, pela improcedência da acção.

A autora replicou, requerendo a intervenção principal passiva de um terceiro, o que não foi admitido.

Dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, tendo sido fixada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória.

Procedeu-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, findo o qual foi decidida a matéria de facto controvertida, através do despacho de fls. 88/93, que não teve qualquer reclamação.

Seguidamente, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, tendo o réu sido condenado a pagar à autora a importância de 12.250,00€.

Inconformados, tanto a autora como o réu interpuseram recurso de apelação.

A autora formulou as seguintes conclusões: 1 - O recorrido é responsável, como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação, sendo por isso obrigado a indemnizar a recorrente pelos danos causados.

2 – Os danos patrimoniais são computados pela soma dos preços da totalidade dos quadros desaparecidos.

3 – Não pode premiar-se o incumpridor com a dedução, na indemnização a pagar, do valor correspondente ao quadro mais caro.

4 – O Meritíssimo Juiz “a quo” ao fixar a indemnização a título de danos patrimoniais no montante de 12.250,00€ e não 13.450,00€ violou os arts. 798º e 801º do Código Civil.

5 – Não pode colher o entendimento do tribunal “a quo”, no sentido de que se o desaparecimento dos quadros for substituído pela entrega à recorrente dos respectivos preços, tudo se passa como se os quadros tivessem sido vendidos pelo recorrido.

6 - O tribunal “a quo” não pode negar que existe nexo causal entre o desespero e angústia vivenciados pela recorrente e o desaparecimento dos quadros, 7 – Muito menos pode afirmar que a entrega do montante equivalente ao somatório do preço dos quadros, quatro anos depois, é suficiente para afastar o direito à indemnização por danos não patrimoniais decorrente do desânimo e angústia sofridos, desprezando os danos causados ao longo de todo este tempo e que não podem considerar-se ressarcidos pela alegada venda diferida dos quadros, em violação do art. 496º do C.C.

Pretende assim que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que condene o réu no pagamento das quantias de 23.500,00€ e 10.000,00€, respectivamente a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

O réu, por seu turno, formulou as seguintes conclusões:

  1. Da matéria de facto 1ª – Salvo o muito devido respeito, enferma o douto decisório recorrido de flagrantes erros de julgamento quanto a uma significativa diversidade de factos. A saber, os quesitos 7º a 23º, inclusive, da base instrutória, que foram julgados provados quando deveriam ter sido não provados; e os quesitos 26º a 30º do mesmo documento, julgados não provados quando foi abundante a prova produzida em seu sustento; 2ª – Perguntava-se nos quesitos 7º a 23º se o valor de cada um dos quadros era o que em cada quesito constava e que era o mesmo que vinha indicado na tabela de preços de venda ao público junta aos autos com a petição inicial. Entendeu o decisório recorrido julgar provado que o valor de cada quadro corresponde ao exacto valor anunciado para venda do mesmo ao público.

    1. – São várias as razões que infirmam tal conclusão: 1. a autora é uma pintora amadora, sem formação ou reconhecimento no mercado; 2. da prova produzida, designadamente das declarações testemunhais do seu marido e filha resulta que o custo dos materiais ronda 10% do preço de venda ao público de cada quadro; 3. é absurdo valorar o tempo de quem pinta por hobby e o know how de uma pintora amadora em 90% do preço de cada pintura; 4. não são trazidos aos autos quaisquer factos que permitam discernir um critério de fixação do valor e razoabilidade do mesmo; 5. ficaram por alegar os elementos que integram o conclusivo valor de cada quadro: o custo dos materiais, o tempo gasto, a valoração do trabalho artístico ou outros; 6. o preço, que a decisão recorrida faz corresponder ao valor dos quadros, é fixado arbitrariamente pela autora, sem qualquer justificação, que nesta sede se impunha e, last but definitely not least, 7. é absolutamente inexistente a prova testemunhal produzida enquanto sustento de tal sentido decisório, com a especial gravidade de o Mmº Juiz “a quo” expressamente fundar as respostas em sentido positivo em depoimentos de testemunhas a quem nada foi perguntado sobre os valores dos quadros e que rigorosamente nada disseram sobre tal questão.

    2. – A conjugação das normais regras da experiência com os depoimentos do marido da autora e do Sr. E…, funcionário que o réu incumbiu de contactar a autora não poderia deixar de impor a resposta positiva aos quesitos 26º e 27º da base instrutória. Confirmou o marido da autora que haviam estado de férias em Agosto, o que torna plausível a dificuldade do contacto; confirmou o Sr. E… que tentou, sem sucesso, o contacto telefónico. O contacto veio a ser conseguido logo em Setembro, findas as férias de Agosto (cfr. alínea G) dos factos considerados no douto decisório); 5ª - O Mmº Juiz “a quo” entende que o depoimento do Sr. E… resulta prejudicado pelo facto de ele continuar a ser funcionário do réu, por não ter localizado no tempo a tentativa de contacto telefónico e por não ter deixado uma mensagem ou explicado porque razão não o fez. Ora, estranho seria se a testemunha, três anos depois, viesse dizer ao tribunal que havia ligado no dia x, às tantas horas, que o telefone havia dado quatro toques, ninguém atendeu e não tinha caixa postal. Considerando a situação em apreço com objectividade, todo o enquadramento factual, as normais regras da experiência e a al. G) supra referida, resulta perfeitamente plausível, e mais do que meramente indiciada, a tentativa de contacto.

    3. – Perguntava-se no quesito 28º se o contacto que veio a, finalmente, ocorrer entre réu e autora se deu antes de os quadros terem desaparecido. Ora, quanto a tal, foi peremptório o Sr. F…, marido da autora, inquirido a toda a matéria e que referiu, a instâncias da ilustre mandatária da autora, que no sábado anterior ao dia em que se deslocaram ao restaurante para levantar os quadros, estes “... ainda se encontravam lá, portanto foi por isso que ele pode garantir que o assalto foi feito entre esse intervalo de tempo.” 7º - A apreciação das declarações do marido da autora e do documento junto aos autos sob o nº 2 com a petição inicial, por apelo às normais regras da experiência impunham fossem julgados provados os quesitos 29º e 30º da base instrutória. Não deixa de surpreender a resposta negativa a estes dois quesitos, quando 1. há um documento emitido pela Polícia de Segurança Pública, que declara existirem indícios claros de furto e 2. que os desconhecidos entraram por escalamento, e quando 3. declara o marido da autora, a partir do minuto 24.15 do seu depoimento, que “... à parte disso reparei que não havia qualquer entrada forçada ... foi uma das coisas que, enquanto estive por ali fui deitando os olhos para um lado e para o outro e não havia qualquer entrada forçada ... à parte de uma porta lateral na sala de jantar (...) que era a primeira sala que ficava virada para o jardim e tinha uma porta lateral que foi rebentada, forçada, do lado de dentro ... porque ainda lá estava o cutelo, que devem ter ido buscar à cozinha, com que desferiram os golpes sobre essa porta ...” 8ª – Ora, se alguma porta ou janela estivesse aberta, não teria a porta referida sido forçada. O normal é que um ladrão, depois de entrar num espaço por escalamento, procure uma porta ou outra janela que esteja destrancada ou seja passível de ser aberta por dentro, sem chave. Só depois de constatar tudo estar fechado é que o ladrão parte para a destruição, quanto mais não seja...

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