Acórdão nº 06/07 de Tribunal dos Conflitos, 28 de Novembro de 2007

Data28 Novembro 2007

Acordam, em conferência, no Tribunal dos Conflitos: 1.

A..., reformada, residente na Avenida ..., ..., ..., Lisboa, instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, acção de responsabilidade civil extracontratual, contra: a) Câmara Municipal de Lisboa; b) "B..."; c) Estado Português para indemnização dos danos que diz ter sofrido, por haver caído em buraco existente no passeio pedestre, pelo qual caminhava.

No despacho saneador da acção, a 17ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, julgou improcedente a excepção de incompetência em razão da matéria suscitada pelo réu "Município de Lisboa", sendo que este alegara que o conhecimento da causa, na parte que lhe dizia respeito, estava atribuído aos tribunais da jurisdição administrativa.

O Município de Lisboa agravou daquele despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, pelo acórdão proferido a fls 177-183 julgou o tribunal judicial incompetente, "quanto à matéria, para apreciar a acção no que concerne ao agravante" por a causa pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa.

1.1. A autora, inconformada, recorre desta última decisão para o Tribunal de Conflitos, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1. Temos desde logo em primeiro lugar que de acordo com a forma como a Autora e aqui agravante configurou a acção, está em causa verificar e provar quem removeu o sinal de trânsito (arts. 40º a 43º da PI).

  1. A manter-se a decisão de considerar o Município de Lisboa parte ilegítima poderá suceder que a Autora obtenha em Cível uma sentença que julgue provado que quem procedeu à remoção do sinal de trânsito foi a Câmara de Lisboa, e não sendo esta parte na acção não poderá ser condenada no pedido; 3. E obter no foro Administrativo sentença que julgue provado que quem removeu o sinal foi o empreiteiro, não podendo este ser novamente parte na acção e não sendo por isso condenado no pedido (e ponderado por hipótese académica que não ficará provada a responsabilidade subsidiária da Câmara, e que é um cenário perfeitamente possível).

  2. Logo, "afastar" as partes demandadas pela Autora neste processo e distribuí-las em dois processos diferentes, poderá prejudicar o efeito útil visado pela sentença, contrariando assim o disposto no art. 28º/2 do CPC.

  3. É pois forçoso concluir que estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário.

  4. Mas ainda que assim não fosse, é necessário verificar que ao contrário do que sucede com a figura da coligação, em que o legislador prevê expressamente, no art. 31º-A do CPC, que a incompetência em razão da matéria seja um obstáculo à sua concretização, tal não sucede com os arts. 27º e 28º do CPC, que definem a natureza jurídica do litisconsórcio voluntário e necessário.

  5. Repare-se ainda na inserção sistemática que coloca as normas que regulam o litisconsórcio no "Livro I- Da acção", no Título I- "Da acção em geral", no Capítulo I - " Das disposições fundamentais", sendo que as regras de competência do Tribunal que apenas aparecem no Livro II.

  6. Por isso é que o Legislador criou uma excepção à admissibilidade da coligação (art. 31º -A do CPC), mas não cria qualquer excepção relativamente ao litisconsórcio, justamente porque pretende que nessas situações a causa seja submetida ao mesmo Tribunal.

  7. E mais uma vez aqui vigora a velha máxima que não pode o intérprete (seja este mandatário ou julgador) concluir pela existência de impedimentos ou inadmissibilidades que a Lei não prevê.

  8. Se a figura do litisconsórcio, ainda que voluntário, tivesse o mesmo regime da coligação, então seria uma figura jurídica inútil, e no termos dos princípios gerais de interpretação e aplicação de normas jurídicas, jamais o intérprete poderá fazer uma interpretação de uma norma por forma a que, em concreto, a mesma se mostre inútil, sob pena de violação do art. 9º do CC.

  9. Sobre esta matéria, o Acórdão do Tribunal dos Conflitos citado no Acórdão recorrido e datado de 29/04/2006, tem o entendimento que "não é de equacionar a questão da sobreposição da regra do art. 28º do CPC às regras sobre a repartição de competências entre Tribunais comuns e administrativos".

  10. Salvo o devido respeito, não pode a Autora e aqui Agravante subscrever tal entendimento, pelos motivos já expostos. Se o Legislador expressamente afastou a possibilidade de coligação quando isso ofendesse as regras de competência do Tribunal, não o tendo feito quanto ao litisconsórcio (ainda que voluntário), quando poderia ter feito, daí tem justamente que se retirar a ilação inversa - as regras dos arts. 27º e 28º sobrepõem-se às regras de competência dos Tribunais.

  11. Não é a competência do Tribunal que determina a necessidade ou voluntariedade do litisconsórcio, mas o inverso, o facto de existir, como é o caso dos autos, um litisconsórcio necessário (mas ainda que fosse voluntário) é que determina que não sejam os Tribunais administrativos os competentes para dirimir o litígio.

  12. Acresce ainda que, como bem refere o Acórdão aqui posto em crise, a competência dos Tribunais Comuns é residual. Logo, prevendo a Lei que a competência dos Tribunais Administrativos apenas é determinada por actos de gestão pública de entes públicos, sendo aquele demandado um particular e por eventual prática de acto de natureza privada, e existindo litisconsórcio necessário está automaticamente afastada a competência dos Tribunais Administrativos, caindo a presente acção, ainda que no âmbito da mesma, como pedido subsidiário se peça a responsabilização do Réu Município por acto de gestão pública.

  13. Uma vez que há contradição de julgados, existindo jurisprudência quer do STJ, quer do Tribunal dos Conflitos, admitindo ambas as posições como correctas em...

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