Acórdão nº 0800/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelANTÓNIO MADUREIRA
Data da Resolução20 de Dezembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. FUNDAMENTAÇÃO 1. 1. A……., devidamente identificada nos autos, intentou, no TAF do Funchal, contra o Centro de Segurança da Madeira, indicando como contra-interessados a B…….., C…….., e D…….., acção de contencioso pré-contratual, na qual pediu a anulação do concurso público n.º 1/09, para prestação de serviços de alimentação aos utentes dos estabelecimentos oficiais e respectivo pessoal do Centro de Segurança Social da Madeira, aberto pelo anúncio de concurso público n.º 1/2009, publicado do DR, 2.ª Série, de 6/1/2009.

Por despacho do TAF de 27/1/2011, foi julgada procedente a excepção da caducidade do direito de acção e o réu absolvido do pedido, tendo ainda sido fixado o valor da causa em 5 2000 000,00 euros.

Com ela se não conformando, a Autora interpôs recurso para o TCA Sul, que, por acórdão de 30/6/2011, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida relativamente às questões referidas no parágrafo anterior.

Também com ele se não conformando, a autora interpôs recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões: 1.ª - As questões suscitadas no presente recurso de revista revestem-se de relevância jurídica fundamental ou implicam a necessidade de admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito; 2.ª - O esclarecimento da natureza da impugnação directa prevista no n.º 2 do artigo 100.º do CPTA (mera faculdade ou verdadeiro ónus de impugnação) constitui uma questão que se reveste de relevância social fundamental, na medida em que é susceptível de se colocar em futuros procedimentos concursais e, portanto, ultrapassa o presente caso concreto; 3.ª - Por outro lado, atendendo às assinaláveis divergências existentes na doutrina e na jurisprudência dos nossos tribunais administrativos quanto à solução que deve ser dada a essa questão fundamental, justifica-se igualmente a sua apreciação em sede de revista excepcional em vista de uma melhor aplicação do direito; 4.ª - É essencial que os interessados saibam como devem actuar contenciosamente perante normas ilegais (nulas ou anuláveis) constantes das peças procedimentais que lhes são facultadas. Se têm o ónus de impugnar directamente essas peças no prazo de um mês a contar da sua notificação/conhecimento ou a falta de impugnação dessas peças não preclude a possibilidade de impugnarem o acto administrativo procedimental que dê aplicação concreta a essas normas ilegais; 5.ª - É fundamental a intervenção do Venerando Supremo Tribunal Administrativo em vista de fazer cessar a incerteza existente, sendo, assim, imperiosa uma intervenção orientadora, senão mesmo uniformizadora, no que tange à solução jurídica da predita questão; 6.ª - Na medida em que se considera estarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 150, n.º 1, do CPTA, roga-se seja a presente revista excepcional admitida, seguindo-se, deste modo, o douto entendimento plasmado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.11.2010, proferido no processo n.º 0850/10; 7.ª - Relativamente à questão principal decidenda, no entender do recorrente e ao contrário do sustentado na douta decisão recorrida, a falta de impugnação de normas constantes das peças procedimentais de um procedimento pré-contratual, permitida pelo n.º 2 do artigo 100 do CPTA, não implica a perda do direito de impugnação de qualquer acto procedimento (designadamente do acto de adjudicação), que o interessado entenda lesivo dos seus direitos ou interesses, com fundamento em ilegalidade decorrente da aplicação do preceito regulamentar considerado ilegal – cfr. artigo 51, números 1 e 3, aplicável ex vi do disposto no n. º 1 do artigo 100 do CPTA; 8.ª - Tal como se preconiza no douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.11.2010 (processo n.º 0795/10), a interpretação perfilhada pelo ora recorrente é aquela que, no seu entender, constitui a solução mais justa e adequada ao princípio da efectividade, “trave-mestra” das denominadas directivas recursos; 9.ª - Como defendem a doutrina e a jurisprudência acima invocadas, a impugnação directa das peças procedimentais prevista no artigo 100, n.º 2, do CPTA, constitui, assim, uma faculdade e não um ónus de impugnação, pelo que a ausência de impugnação tempestiva de uma disposição contida naquelas peças não impede o interessado de proceder à impugnação do acto administrativo que venha dar aplicação concreta a essa disposição legal; 10.ª - O entendimento aqui sustentado está em consonância não apenas com o espírito das directivas recursos – que colocam, acima de tudo, o princípio da efectividade do direito comunitário e da tutela judicial efectiva – mas com o próprio elemento literal do artigo 100.º, n.º 2, do CPTA, o qual se reporta à susceptibilidade de impugnação directa das peças conformadoras do procedimento, dele não derivando qualquer ónus preclusivo da possibilidade de impugnação dos actos administrativos praticados no procedimento pré-contratual com fundamento na ilegalidade das normas que esses actos venham dar aplicação; 11.ª - Constando da norma do n.º 2 do artigo 100.º do CPTA que as normas das peças procedimentais também são susceptíveis de impugnação directa, inculca-se precisamente a ideia de cumulatividade ou complementaridade face ao meio tradicional de impugnação previsto no n.º 1 do mesmo artigo e que consiste na impugnação de actos administrativos ilegais praticados nos procedimentos pré-contratuais; 12.ª - O entendimento inverso, adoptado na douta decisão recorrida, assenta num erro de interpretação do disposto nas directivas recursos e colide abertamente com os princípios da legalidade administrativa e da tutela judicial efectiva; 13.ª - A salvaguarda do interesse da estabilidade e segurança na formação dos contratos é quase totalmente indiferente aos fins das directivas recursos, pelo que a defesa daquela estabilidade e segurança como objectivo primordial constitui uma inversão dos valores e dos fins daquelas directivas; 14.ª - Embora o contencioso pré-contratual deva merecer um tratamento diferenciado face ao regime geral, esse tratamento deve ser no sentido de ser concedida uma tutela acrescida, reforçada, e não uma tutela reduzida ou diminuída, como resulta do entendimento sustentado no douto acórdão recorrido; 15.ª - Ao ter julgado a acção improcedente, confirmando a decisão proferida em primeira instância sobre a caducidade do exercício do direito de acção, o douto acórdão recorrido violou o disposto no n.º 3 do artigo 51.º, aplicável ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 100.º, ambos do CPTA e fez errada interpretação e aplicação ao caso dos autos do disposto nos artigos 100.º e 101.º do mesmo Código; 16.ª - Impõe-se, assim, no entender do recorrente e com o maior respeito por opinião diversa, uma decisão que julgue improcedente a excepção de caducidade do direito de acção, considere a presente acção tempestiva e, em consequência, aprecie as ilegalidades consequentes assacadas ao acto de adjudicação impugnado; 17.ª - Não tendo sido apreciados pelo tribunal recorrido os fundamentos e o pedido formulado pelo ora recorrente na sua petição inicial, assiste ao Venerando Supremo Tribunal Administrativo o poder de decidir o objecto da causa, conhecendo a matéria de direito e, como tal, apreciando as questões jurídicas suscitadas e o pedido formulado naquela petição; 18.ª - O objecto do concurso em apreço, patenteado nas respectivas peças procedimentais, é manifestamente ilegal e inadmissível por esse objecto (prestação de serviços de alimentação aos utentes dos estabelecimentos oficiais e respectivo pessoal do CSSM) não poder incorporar a adjudicação de uma verdadeira obra pública com aquisição de equipamentos, mais precisamente a obra de remodelação e ampliação do estabelecimento da ……., a qual constitui uma obrigação totalmente autónoma e não meramente acessória da prestação de serviços de alimentação, ficando o adjudicatário destes serviços obrigado a conceber o projecto, realizar as obras de construção civil e fornecer os equipamentos necessários; 19.ª - De harmonia com o caderno de encargos, a empreitada de construção civil, fornecimento e instalação de equipamentos será paga pela entidade adjudicante (dono de obra) ao adjudicatário, estando esse encargo, para tanto, previsto e incorporado no preço das refeições, pelo que não é o adjudicatário quem suporta tal encargo; 20.ª - O plano contratual previsto no caderno de encargos do concurso em apreço viola o disposto no Código dos Contratos Públicos porquanto, estando também em causa a adjudicação de uma empreitada de obra pública (execução de trabalhos de construção civil em imóvel público e afecto ao interesse colectivo), essa empreitada não pode ser adjudicada a um mero operador do sector de restauração colectiva como a contra-interessada, ora recorrida, C……., a qual não detem as necessárias habilitações legais para o efeito – ergo, alvará ou título de registo como empreiteiro de obras públicas, emitido pela entidade competente; 21.ª - As peças procedimentais e, como tal, o acto de adjudicação impugnado, para além de falsearem a concorrência, violam o disposto no artigo 81.º, n.º 2, do CCP, dado que nem o programa do concurso – cfr. artigo 14.º - exige a detenção daquelas habilitações pelo adjudicatário, nem o objecto do concurso, na parte que se reporta à empreitada de obras públicas, pode ser adjudicado a um mero operador do sector alimentar, como consta das peças procedimentais; 22.ª - As peças procedimentais não preenchem igualmente os requisitos legais exigidos para as peças atinentes a concursos públicos de adjudicação de empreitada de obras públicas, sendo evidente que o caderno de encargos não contém os elementos obrigatórios previstos no artigo 43.º do CCP, sendo, como tal, claramente inválido; 23.ª - A falta de informação...

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