Acórdão nº 0782/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução14 de Dezembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

1.1. A………, SA, propôs no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TAC Lisboa), ao abrigo do disposto nos artigos 100.º e seguintes do CPTA, uma acção de contencioso pré-contratual contra a Agência Nacional de Compras Públicas, EPE (ANCP, EPE), pedindo anulação da sua deliberação de 25 de Outubro de 2010, que a excluiu do concurso «limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para o fornecimento de veículos automóveis e motociclos de aluguer operacional», devendo ainda a ré «ser condenada à adopção dos actos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, designadamente, proferindo uma decisão que aceite a candidatura da A…… no procedimento concursal sub iudice».

Indicou diversos contra-interessados.

1.2. O TAC Lisboa, por sentença de 28-2-2011, julgou a acção improcedente (fls. 289/300 dos autos).

1.3. Inconformada, a autora interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), que, por acórdão de 30.06.2011 (fls. 422 e segs.), revogou a sentença, anulou a deliberação impugnada e anulou ainda “o procedimento subsequente, condenando a ANCP, EPE a admitir a candidatura da ‘A………, SA’, aprovar novo relatório final em que aquela também seja qualificada, e a dirigir aos candidatos assim admitidos, entre os quais a recorrente, novos convites à apresentação de propostas”.

1.4. É desse acórdão que a ANCP, EPE interpõe para este Supremo Tribunal Administrativo o presente recurso de revista, sob invocação do artigo 150º do CPTA, concluindo nas respectivas alegações: «1. O acórdão recorrido determinou a anulação da deliberação do Conselho de Administração da Recorrente de 25.10.2010, que indeferiu a impugnação administrativa apresentada pela Recorrida e manteve a proposta de exclusão da candidatura desta, nos termos constantes do "Relatório preliminar da fase de qualificação" elaborado, em 11.10.2010, pelo Júri do "Concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para o fornecimento de veículos automóveis e motociclos e aluguer operacional de veículos".

  1. Foi ainda decidido "anular o procedimento subsequente, condenando a ANCP, EPE a admitir a candidatura da "A………, SA", aprovar novo relatório final em que aquela também seja qualificada, e a dirigir aos candidatos assim admitidos, entre os quais a recorrente, novos convites à apresentação de propostas. " 3. Para esse efeito, entendeu o TCA Sul que a deliberação impugnada violou o disposto na aI. e) do n.º 2 do art. 184.° do CCP ao excluir a candidatura, nos termos propostos pelo Júri do Concurso, na medida em que não admitiu a "rectificação de manifesto erro material no carregamento do documento [declaração IES referente ao ano de 2008]", nos termos do art. 249.° do Código Civil.

  2. Ora, as questões jurídicas que carecem de apreciação por parte desse Venerando Supremo Tribunal, e que, segundo cremos, pela primeira vez se colocam nesta sede, prendem-se com a interpretação e aplicação do novo regime previsto no art. 184.°, n.º 2, aI. e), do CCP (atinente ao dever de exclusão das candidaturas no âmbito do relatório preliminar da fase de qualificação), e as consequências que do mesmo decorrem para os candidatos que não apresentem todos os documentos da candidatura exigidos nas peças do procedimento, conjugado com a nova regulamentação instituída pela Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de Julho (doravante Portaria), designadamente no que concerne ao disposto nos seus arts. 10.°, 18.°, 19.° e segs. relativos ao modo de carregamento e submissão das candidaturas através de plataformas electrónicas de contratação pública.

  3. Por outro lado, atendendo à ruptura operada pelo CCP com o anterior regime da contratação pública (previsto no Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho), é extremamente importante que esse Venerando Supremo Tribunal estabeleça uma orientação jurisprudencial sobre a questão de saber se, em face das disposições injuntivas constantes dos arts. 183.°, n.º 2, 2ª parte (proibição de suprir omissões que determinam a exclusão nos termos do artigo), e 184.°, n.º 2, aI. e), ambos do CCP, pode o Júri do Concurso aceitar a apresentação de novos documentos de qualificação quando já se encontra ultrapassado o prazo fixado nas peças do procedimento para a apresentação das respectivas candidaturas.

  4. Esta questão ganha particular relevância na medida em que, ao contrário do que se estabelecia no art. 118.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, não existe no CCP a possibilidade de o Júri do Concurso proceder à "admissão condicional de candidaturas".

  5. As questões acima enunciadas revestem-se de importância fundamental, quer pela sua relevância jurídica, quer pela sua relevância social. No que respeita à sua relevância jurídica, é evidente que, atenta a novidade do regime jurídico em causa, se exige ao interprete e também ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à resolução das questões suscitadas e, por conseguinte, do caso dos autos, sendo ainda seguro que existe forte capacidade de expansão da controvérsia (indo além dos limites da situação em apreço e podendo repetir-se num número não determinado de situações futuras).

  6. No que concerne ao novo regime jurídico instituído pelo CCP, as alterações introduzidas na actividade contratual pública foram muito profundas, o que se apreende, desde logo, pela leitura do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, onde se encontram bem patentes as preocupações do legislador do CCP em introduzir mudanças substanciais na modernização, simplificação e celeridade na tramitação procedimental, o que passa pela desmaterialização dos actos relativos aos procedimentos de formação de contratos.

  7. As questões que se colocam à apreciação desse Venerando Supremo Tribunal decorrem do modo como os motivos enunciados pelo legislador foram vertidos no CCP (em cumprimento também do direito comunitário), isto é, na forma como ali se "uniformiz[ou] a nomenclatura e regras procedimentais aplicáveis", o que determinou, na nova coordenação sistemática, que fosse criado um novo figurino para o procedimento de concurso público por prévia qualificação (eliminando-se, no que ora releva, a "admissão condicional dos concorrentes"), e, sobretudo, que obrigou a que se procedesse a uma verdadeira e inovadora revolução na tramitação procedimental, criando-se "um sistema alternativo ao clássico papel", através da utilização de plataformas electrónicas para a condução dos respectivos procedimentos concursais.

  8. As enunciadas alterações legislativas reflectiram-se obrigatoriamente no Concurso lançado pela ora Recorrente, conforme resulta evidente, entre o mais, do teor do Programa de Concurso.

  9. Para além da importância jurídica fundamental das questões enunciadas, importa ainda ter presente que as mesmas se revestem de especial relevância social, na medida em que a Recorrente ocupa uma posição de destaque no panorama da contratação pública nacional, enquanto entidade congregadora das necessidades aquisitivas do Estado. Na verdade, a criação da ora Recorrente e do Sistema Nacional de Compras Públicas (SNCP) teve como desiderato último a redução da despesa pública, mediante uma organização centralizada das compras públicas, com vista a obter economias de escala e poupanças, racionalização das aquisições e melhoria da competitividade entre os fornecedores do Estado.

  10. É ainda imperioso salientar que, por força do Despacho n.º 13478/2009, de 27 de Maio (cfr. Diário da República n.º 111 , Série 11, de 9 de Junho de 2009), a Recorrente assumiu a condução dos procedimentos de contratação das aquisições (e não meramente da celebração de acordos quadro), designadamente a adjudicação das propostas em representação das entidades compradoras, relativas às categorias de Veículos Automóveis e de Motociclos e de Seguro Automóvel, sendo vedado, ao mesmo tempo - por força do n.º 4 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.º 37/2007 e do n.º 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 170/2008 -, às "entidades compradoras vinculadas" e às unidades ministeriais de compras proceder à abertura de quaisquer procedimentos de aquisição e a renovações contratuais no âmbito das referidas categorias de bens e serviços.

  11. Ou seja, desde Junho de 2009, a Recorrente assumiu, a condução integral dos procedimentos de contratação das aquisições relativas às categorias de Veículos Automóveis e de Motociclos e de Seguro Automóvel.

  12. Assim, atendendo à especial posição da Recorrente no panorama da contratação pública, enquanto entidade congregadora das necessidades aquisitivas do Estado, revela-se extremamente importante e útil a admissão do presente recurso de revista, por forma a que esse Venerando Supremo Tribunal possa esclarecer as dúvidas patenteadas anteriormente e que, aliás, são comuns a todos os procedimentos pré-contratuais, existindo, por conseguinte, forte possibilidade de expansão da controvérsia.

  13. É também consabido que o recurso às formas processuais relativos aos procedimentos de formação de contratos é dos mais utilizados para alcançar a tutela jurisdicional administrativa, pelo que importa clarificar situações jurídicas decorrentes da interpretação e conjugação de normas que assumem especial relevância na actividade contratual pública e na tutela de eventuais interesses dos particulares.

  14. Actualmente, as questões a carecerem de clarificação por esse Venerando Supremo Tribunal encontram-se também em discussão em Tribunais de 1ª instância, no âmbito de outros Concursos limitados por prévia qualificação lançados pela aqui Recorrente com vista à celebração de acordos quadro (referimo-nos aos processos n.os 1965/10.0BELSB e 2186/10.7BESLB, pendentes no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa). Um desses processos (n.º 1965/10.0BELSB), com decisão favorável à Recorrente, encontra-se, actualmente, em fase de recurso...

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