Acórdão nº 585/11 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução30 de Novembro de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 585/2011

Processo n.º 865/10

  1. Secção

Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A. e B. e recorrida C., foi apresentada reclamação (fls. 1047 a 1054), para a 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, de acórdão proferido por aquele em 21 de Setembro de 2010 (fls. 1013 a 1042), que viria a ser alvo de decisão de não provimento, por acórdão proferido em 09 de Novembro de 2010 (fls. 1061 a 1072). No requerimento através do qual foi deduzida reclamação, o recorrente peticionou ainda, subsidiariamente, o seguinte:

“E só, por cautela, se não for atendido, interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo e com fundamento nas várias alíneas a) e b) do nº 1 e ainda das alíneas do n.º 2, ambos da Constituição da República, e nº 1 do artº 70 als. A) e b) da Lei 28/82.” (fls. 1054)

2. Por despacho proferido em 02 de Dezembro de 2010 (fls. 1078 a 1080), o Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça, recusou admitir o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, com fundamento na falta de suscitação processualmente adequada de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Porém, aquele Relator admitiu o recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, nos seguintes termos:

“2 – Já é admissível o recurso ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º do mesmo diploma pois pode entender-se que este Supremo Tribunal recusou a aplicação da norma, com fundamento em inconstitucionalidade, fazendo-o, embora não de forma típica, mas desaplicando-a, de facto (n.º 1 do artigo 1817 do Código Civil) por interpretação de Acórdão do Tribunal Constitucional que a declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, interpretando esse aresto com mais amplo alcance.

Admito esse recurso, a subir imediatamente, nos autos e com efeitos suspensivo (artigos 78º nº 3 LOFPTC e 692º, n.º 2, a) CPC).” (fls. 1080)

3. Entretanto, logo que notificado do despacho de admissão do recurso, os recorrentes dirigiram a este Tribunal as respectivas alegações de recurso (fls. 1085 a 1093). Face a esta apresentação intempestiva, nos termos do n.º 5 do artigo 78º-A da LTC, perante o despacho de admissão, que aceitava, implicitamente, determinada configuração do objecto do recurso, a Relatora proferiu, em 31 de Janeiro de 2011, o seguinte despacho:

“Nos termos do art. 78º-A, n.º 5, da LTC, compete ao Relator notificar o recorrente para apresentar alegações, pelo que não compete ao recorrente apresentá-las por sua iniciativa.

Assim, consideram-se sem efeito as alegações apresentadas. Notifique-se o recorrente para, no prazo de 30 dias, nos termos do art. 79º, n.º 2, da LTC, alegar quanto à desaplicação da norma extraída do art. 1817º, n.º 1, do Cód. Civil, exclusivamente quanto ao recurso interposto ao abrigo da al. a) do n.º 1 do art. 70º LTC.” (fls. 1094)

4. Notificados para tal pela Relatora, os recorrentes produziram alegações, das quais se podem extrair as seguintes conclusões:

1º- A Constituição da República Portuguesa, ao abrigo da qual foi proferida decisão de inconstitucionalidade material – Acórdão 23/2006 – entrou em vigor a 25 de Abril de 1976

2º- O artigo 282 nº 2 da C.R.P., refere que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, quando se trate de inconstitucionalidade ou ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior só produz efeitos desde a entrada em vigor da norma constitucional ou legal posterior.

3º- No caso dos autos, está em causa uma situação de inconstitucionalidade superveniente.

4º- O disposto sobre o prazo de caducidade segundo o nº 1 do art. 1817 do C. Civil, na versão original do C. Civil aprovado pelo Dec. Lei nº 47334, alterou o disposto no art. 37 do Dec. nº 2 de 25-12-1910, que substituirá o art. 133 do C. Civil de 1867 e estabelecia vários prazos. Ora.

5º- A autora nasceu a 20 de Novembro de 1932 e atingiu a maioridade em 20-11-53 e a emancipação pelo casamento em 27-01-1951 – o que, segundo o art. 37 do Dec. nº 2 de 25-12-1910, garantia que o prazo para investigar a paternidade se estenderia até ao ano subsequente à morte do pretenso pai, ocorrido em 28-01-2004. Porém

6º- Muito antes deste óbito entrou em vigor o Código Civil de 1966 que restringia os prazos para 2 anos a contar da maioridade ou emancipação do investigante ou seis meses após a data em que obtivesse escrito em que o investigado declarasse inequivocamente a paternidade, ou um ano a partir da data em que cessasse a posse de estado.

7º –Todavia, o Dec. Lei 47344 que aprovou o Código Civil de 1966, no seu art. 19, derrogando as regras gerais sobre a contagem dos prazos, estabeleceu que “ o facto de se ter esgotado o período a que se refere o nº 1 do art. 1854 não impede que acções de investigação da maternidade ou paternidade ilegítima sejam propostas até 31 de Maio de 1968, desde que não tenha caducado antes em face da legislação anterior o direito de as propor;

8º- Atendendo ao tempo de emancipação ou maioridade da Autora, o prazo para esta propor a acção com fundamento exclusivamente na filiação biológica expirara em 31 de Maio de 1968 – antes da vigência das normas constitucionais em que se baseava o Acórdão 23/2006 que não terá efeito retroactivo, baseado em preceitos constitucionais posteriores aos que impõem a caducidade verificada.

9º- O direito extinto por caducidade não revivescerá – e interpretação contrária colidiria com o princípio da confiança e da segurança jurídica que qualquer Estado de Direito deve tutelar (art. 2º da C.R.P.)

10º- E a Autora não goza de posse de estado que lhe permita beneficiar da extensão do prazo de caducidade - assim julgaram as instâncias.

11º- O estabelecimento de prazo de caducidade para o exercício de uma faculdade legal que se funda nos direitos fundamentais a identidade pessoal e a constituir família (art. 26 nº 1 e 36 nº 1 da C.R.P) não integra uma restrição daqueles direitos, não contende com a extensão objectiva deles. E

12º- Ao propor a acção a Autora não tinha qualquer elemento que lhe permitisse confiar na inexistência de prazo de caducidade - tanto que invocou uma posse de estado que se não provou. Deste modo

13º- O exposto já demonstra que inconstitucional é a não aplicação do art. 19 do Dec. -Lei 47344 de 25-11-1966, e inconstitucional é a decisão do S. T. de Justiça.

Ainda

14º – Só o erro ou desatenção levaram o Tribunal recorrido a falar em paternidade biológica ou filiação biológica da Autora, com base num exame que não é fiável por não ter considerado o hipótese de a Autora poder ser filha do pai do investigado e ela ser irmã deste.

15º- Os argumentos da Autora baseados na fantasiosa identidade biológica são, neste caso ininvocáveis - verdade demonstrada nos autos por cientistas de relevo nacional e internacional, ou seja, verdade cientifica que não pode ser ignorada pelos julgadores, confessando o Juiz do Processo não haver sequer prova de relações sexuais entre a mãe da Autora e o investigado.

16º- A Autora não quer conhecer a sua; ascendência biológica, opondo-se ao exame que pudesse provar os seus verdadeiros direitos pessoas de identidade e de personalidade.

17º- Assim, sem prova de qualquer das presunções enumeradas no art. 1871, nº 1 do C. Civil nem da filiação biológica da Autora é evidente que o que é inconstitucional é a não obediência ao art. 19 do citado Dec. Lei 47344/66.

18º – A ciência ensina e quatro cientistas de Alto Mérito o garantem e o Instituto de Medicina Legal de Coimbra o reconheceu e confirmou que o exame feito a um investigado considerando ser este o verdadeiro pai ou o verdadeiro pai ser um desconhecido não dá garantias de paternidade biológica do investigado quando ela é atribuída também ao pai investigado.

19º- E até já se averiguou noutro processo contra o mesmo investigado que a probabilidade de o pai dele ser o verdadeiro pai da Autora foi de 99,999999, portanto superior à de 99,999985 considerada para o investigado. Ora,

20º- Por saber que seu pai, como consta dos autos, e que quer para avô – nada se importando com a sua identidade – é que a Autora sempre se opôs a que isso se averiguasse, receosa de se provar que não era filha de um garoto de 16 anos, como lhe convinha, mas do pai dele.

21º- O conhecimento científico de que não está, nem pode estar provada a paternidade biológica imputada ao investigado que a generalidade das pessoas atribuem ao pai deste é facto notório, que não carece prova e como tal terá de considerar-se, por ser do conhecimento geral e o Tribunal o não pode ignorar em virtude do exercício das suas funções – art. 514 do C. P. Civil. Assim,

22º- O direito a ver julgar a causa de acordo com um facto científico notório afasta a falsa declaração de estar provada uma paternidade biológica, falsa declaração que cientificamente se provou não estar provada – e nos termos do art. 26 da C.R.P. é assegurado o direito de não ser identificado como pai se for irmão.

23º- Incumbe aos Tribunais assegurar a...

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