Acórdão nº 515/11 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução31 de Outubro de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 515/2011

Processo n.º 293/11

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

  1. instaurou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra o Centro Nacional de Pensões, actualmente Instituto de Segurança Social, I.P., e a Herança de B., pedindo que lhe seja reconhecido o direito a alimentos sobre a referida herança e que se declare que a Autora é titular das prestações por morte, no âmbito do regime de segurança social previsto no Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro.

Após realização de audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os Réus do pedido.

Inconformada, a Autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 23 de Março de 2010, julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.

A Autora recorreu então para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 2 de Dezembro de 2010, negou provimento ao recurso.

Deste acórdão, a Autora recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, nos seguintes termos:

“Pretende-se que este Tribunal se digne apreciar a inconstitucionalidade das seguintes normas à situação de facto da autora:

- Arts. 7º, n. 1, al. a), 9º, n.º 1 e 8º, n.º 1 do DL 322/90 de 18-10; 2020º, n.º 1, e 2009º do Código Civil, aplicadas com a interpretação de que a autora, casada com o falecido há menos de 1 ano, mas com ele convivente, em condições análogas às dos cônjuges há mais de 2 anos, tenha que demonstrar a necessidade de alimentos e a impossibilidade de os obter das pessoas a elencadas nos artigos 2020º e 2009º do Código Civil, suscitada, sucessivamente, nas alegações de recurso para os Tribunais da Relação e Supremo.

Por violação do art. 13º da C.R.P.

Deverá, assim, ser apreciada a violação do princípio constitucional da igualdade de direitos, previsto no art. 13 da CRP, com a aplicação à autora das referidas normas, com a citada interpretação.”

A Recorrente apresentou as respectivas alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

I – A autora era casada à data da morte do beneficiário.

II – A situação da autora, casada com o falecido há menos de um ano, mas com ele convivente há mais de 2 anos, em situação análoga aos casados, merece a tutela legal prevista no art. 9º, n. 1, do DL 322/90, de 18-10;

III – Para esse efeito, a lacuna legal deve ser integrada por forma a que ao período de casamento deve somar-se o período que, ininterruptamente, a autora viveu com o falecido em união de facto.

IV – Esta é a única interpretação conforme com a lei ordinária em causa, e com a Constituição.

V – A interpretação de que à autora, casada à data da morte com o beneficiário, deve aplicar-se o regime legal previsto para os unidos de facto é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, previsto no art. 13º, n. 2, da Constituição da República Portuguesa,

VI – porque coloca autora, casada, em manifesta inferioridade legal com os restantes cidadãos casados ou unidos de facto.

VII – A única interpretação conforme à Constituição, e à Justiça, é, pois, e salvo o devido respeito pela opinião contrária, a de que o tempo vivido em união de facto soma-se, para estes efeitos, ao tempo de casamento.

VIII – Interpretação esta reforçada com a entrada em vigor da Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto.

Pelo exposto, e com o sempre mui douto suprimento,

- declarando inconstitucional a interpretação do douto Acórdão no sentido de se exigir à autora casada e que convivia com o beneficiário falecido há mais de 2 anos a prova da necessidade dos alimentos e a impossibilidade de os obter das pessoas elencadas no art. 2009º do Código Civil; e, em consequência,

- determinando que o douto Acórdão seja substituído por outro conforme à Constituição da República Portuguesa,

Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

Fundamentação

A Recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade das normas dos artigos 7.º, n.º 1, alínea a), 8.º, n.º 1, e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, e dos artigos 2020.º, n.º 1, e 2009.º, do Código Civil, na interpretação segundo a qual o direito à atribuição da pensão de sobrevivência, por morte do beneficiário do regime geral da segurança social, a quem tiver casado com o referido beneficiário há menos de um ano, mas com ele convivia em união de facto há mais de dois anos, depende de o interessado estar nas condições do artigo 2020.º do Código Civil, isto é, carecer de alimentos e não os poder obter nem da herança deixada pelo beneficiário falecido, nem das pessoas legalmente vinculadas nos termos das alíneas a) a d) do art. 2009.º do Código Civil.

Como expressão de um Estado-Providência este assegura, desde há muito, no nosso sistema, a protecção por morte dos beneficiários abrangidos pelo regime geral de segurança social, mediante a concessão aos familiares próximos do falecido de prestações continuadas, embora não necessariamente vitalícias - as pensões de sobrevivência e os subsídios de assistência - e de uma prestação única - o subsídio por morte.

Contudo, as relações de comunhão de vida não formalizadas, não foram sempre reconhecidas para este efeito.

Em Portugal, até à profunda reforma do Direito de Família operada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, aprovada na sequência da Revolução de 25 de Abril de 1974, essas situações apenas eram consideradas, excepcionalmente, para a consagração de efeitos completamente alheios ao reconhecimento de qualquer estatuto jurídico a essa realidade (v.g. os artigos 1860.º, alínea c), e 1862.º, do C.C. que incluíam como uma das situações em que se admitia a acção de investigação de paternidade, a existência duma comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges).

Contudo, a crise do casamento que se manifestou nas últimas décadas do século passado, acompanhada duma crescente opção pelo estabelecimento de relações de união de facto, deu força a uma realidade social cuja importância não podia mais deixar de suscitar a intervenção do Direito.

E foi esse reconhecimento jurídico, normalmente obtido através...

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