Acórdão nº 550/10.0TBESP.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução30 de Novembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal nº 550/10.0TBESP.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1.Relatório No processo de contra-ordenação que correu termos no Turismo de Portugal, IP, foi proferida decisão, pela Comissão de Jogos, condenando, ao abrigo do disposto no art. 125º da Lei do Jogo, a B…, S.A., devidamente identificada nos autos, no pagamento de uma multa fixada em 800€, por ter permitido o acesso à sala de jogos C…, de que é concessionária, a D…, numa data compreendida no período em que este se encontrava proibido de aceder às salas de jogos de todos … do País.

Não se conformando com tal decisão, a recorrente veio apresentar impugnação judicial, nos termos dos artsº 59ºss do DL nº 433/82, de 27/10 (Regime Geral das Contra-Ordenações, adiante designado como RGCO).

Remetido o recurso ao Tribunal Judicial de Espinho, no qual foi distribuído ao 1º Juízo, foi o mesmo liminarmente rejeitado por se ter considerado que, na matéria em questão, a competência não cabia aos tribunais comuns.

Inconformada com essa decisão, a recorrente interpôs recurso, pretendendo que seja revogada e que seja determinado que o tribunal recorrido conheça de mérito, para o que apresentou as seguintes conclusões: A) que se considere que, dado o enquadramento sistemático, a “multa” referida pelo art. 118 nº 2 do Dec-lei nº 422/89, de 02.12, terá de ser enquadrada no regime geral das contra-ordenações dada a sua natureza administrativa (não penal) e consequentemente seja admitido o recurso de contra-ordenação ou, B) que se considere inexistente, no caso dos presentes autos, a necessidade de recurso tutelar prévio e seja admitida a via directa de impugnação contenciosa .

  1. que tal via directa de impugnação contenciosa, estando, como está, em causa a aplicação de uma sanção administrativa, seja de atribuir aos tribunais comuns, e concretamente, no caso dos presentes autos, ao Tribunal Judicial de Espinho .

  2. que, fixada definitivamente tal competência, em razão da matéria, do Tribunal Judicial de Espinho, seja revogada a douta decisão aqui recorrida, e ordenada a baixa dos presentes autos ao tribunal recorrido a fim de aí ser proferida decisão quanto ao mérito da questão .

O MºPº não apresentou resposta.

O recurso foi admitido, tendo-se o Sr. Juiz a quo limitado a ordenar a subida dos autos.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido de não competir a esta Relação conhecer do fundo da questão, mas ordenar que, como decorre da declaração de incompetência e já devia ter sido feito face ao disposto no nº 1 do art. 33º do CPP, aplicável ex vi do nº 1 do art. 41º do RGCO, os autos de recurso sejam enviados para a jurisdição tida por competente.

Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., sem que houvesse resposta.

Colhidos os vistos, foram os autos apreciados em conferência.

Cumpre decidir.

  1. Fundamentação É do seguinte teor o despacho recorrido: Questão Prévia B…, S.A. interpôs o presente recurso contra a decisão proferida pela Comissão de Jogos, Turismo de Portugal, IP, na qual condenou a ora recorrente na multa de € 800,00, por ter permitido que D… frequentasse as salas de jogos C…, numa altura em que o mesmo estava inibido de o fazer.

    Cumpra assim elucidar se será o tribunal judicial da comarca de Espinho o competente para conhecer de tal recurso.

    A multa aplicada à recorrente decorre de uma deliberação tomada por uma Autoridade Administrativa, a qual visou o sancionamento de uma infracção administrativa.

    Se assim é, importa desde logo, perceber qual a natureza da mencionada sanção para, a final, se apurar qual o regime da sua impugnação.

    O caso concreto que os autos nos apresenta, a mencionada multa administrativa, configura, na verdade, uma sanção de natureza administrativa e não uma sanção de natureza contra-ordenacional, motivo pelo qual, não deverá a mesma ser objecto de impugnação judicial.

    De facto, a Lei do Jogo, instituída pelo D.L. n.º 422/89 de 02/12, mesmo após as sucessivas alterações legislativas de que foi alvo, introduzidas pelos D.L. n.º 10/95 de 19/01, Lei n.º 28/2004 de 16/07, D. L. n.º 40/2005 de 17/02 e, por fim, pela Lei n.º 64-A/2008 de 31/12, dispõe de normas cuja violação tanto poderá dar origem a um ilícito administrativo como a um ilícito contra-odenacional, os quais se não confundem, atendendo, desde logo, aos sujeitos visados pelas mesmas. Do mesmo modo, manteve a distinção entre responsabilidade administrativa e contra-ordenacional, de que é exemplo o preceituado no art. 118º da Lei do Jogo, o qual, no seu preâmbulo dispõe “Responsabilidade administrativa e contra-ordenacional”.

    Se assim é, não se entenderia qual a razão para a operada distinção legal, se ambas as responsabilidades e consequentes sanções, coimas ou multas, porque apreciadas e aplicadas por uma autoridade administrativa, consubstanciassem, na prática, ilícitos contra-ordenacionais, integráveis no âmbito do Regime Geral das Contra-ordenações e como tal, susceptíveis de impugnação judicial.

    Também se não entenderia que, mesmo após tais revisões legislativas, e considerando que a problemática da conversão das transgressões e contravenções há muito que vem sido discutida na doutrina e jurisprudência dos nossos Tribunais, o legislador optasse por manter tal distinção, ao nível das sanções aplicáveis às diversas infracções plasmadas na mencionada Lei do Jogo entre coimas e multas.

    Na verdade, o cerne da questão reside, afinal, no facto de, as coimas e as multas previstas na mencionada Lei do Jogo terem por base responsabilidades de diferente natureza. Ora, a aplicação de coimas prende-se com a responsabilidade contra-ordenacional da actividade regulada, decorrente das infracções praticadas pelos funcionários das concessionárias ou pelos frequentadores das salas de jogos e, ainda, subsidiariamente, das concessionárias pelas infracções praticadas pelos seus funcionários.

    Já a aplicação das multas se refere, em exclusivo, à responsabilidade administrativa das concessionárias, por violação/incumprimento de normas adjacentes aos contratos de concessão celebrados com o Estado, os quais assumem natureza administrativa, cujo regime vem definido nos arts. 9º e seguintes da Lei do Jogo.

    Neste sentido, se compreende que, como estipulado no art. 95º da Lei do Jogo, ao regular a actividade de Inspecção, preceitue no seu n.º 4 que a competência inspectiva e fiscalizadora da Inspecção Geral de Jogos abrange a apreciação e sancionamento das infracções administrativas das concessionárias, das contra-ordenações praticadas pelos trabalhadores que prestam serviço nas salas de jogo e pelos frequentadores desta.

    Aliás, este foi o entendimento perfilhado no Acórdão do Tribunal Administrativo e Central do Norte, datado de 17 de Abril de 2008, disponível em www.dgsi.pt, o qual se debruçou em concreto sobre tal questão e onde se pode ler que: ““ao referir apenas o ilícito de mera ordenação social, omitindo toda a referência às contravenções e transgressões ainda previstas na lei, a CONSTITUIÇÃO DE 1992 deixa entender claramente que essas figuras desapareceram como tipos sancionatórios autónomos, motivo pelo qual as contravenções e as transgressões ainda remanescentes deveriam passar a ser tratadas conforme a natureza que tivessem no caso: ilícito criminal ou de mera ordenação social. A partir deste pressuposto constitucional, o legislador ordinário, animado pela doutrina que a respeito se ia produzindo, encetou um processo de depuração do direito sancionatório, reservando para o direito penal a protecção de valores ou interesses fundamentais da vida em comunidade, ou da personalidade ética do homem, e dele arredando, para o direito de mera ordenação social, a protecção dos valores de criação ou de...

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