Acórdão nº 08163/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução07 de Dezembro de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Agência Nacional de Compras EPE, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. No presente Concurso, não é admitida a apresentação de propostas variantes.

  1. No "formulário proposta", os candidatos qualificados devem apresentar preços unitários para a aquisição de equipamentos, produtos e contratação de serviços, bem como os elementos da proposta exigidos nas tabelas constantes do Anexo VI do PC.

  2. Esse anexo contêm outros campos que representam os termos ou condições, relativos a aspectos da execução do contrato a celebrar, não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos e aos quais a aqui Recorrente pretende que os candidatos qualificados se vinculem.

  3. Ao contrário do que estava obrigada, a proposta apresentada pela Recorrida ao Lote 4 do Concurso não primou pela certeza, pois onde se exigia, como especificação mínima, "sim" (cfr. o "formulário proposta", Anexo L4 D, proposta tipo 7D), a Recorrida indicou "600x600", o que torna a sua proposta incongruente e verdadeiramente ininteligível.

  4. Em todos as situações de incumprimento semelhantes às detectadas nas propostas da Recorrida, o Júri decidiu sempre no sentido de propor a exclusão das propostas - cfr.

    ponto 20 da matéria de facto dada como provada.

  5. No caso vertente, não podia o Júri do Concurso ter solicitado quaisquer esclarecimentos à Recorrida sobre este ponto concreto da sua proposta, porquanto qualquer resposta que viesse a ser apresentada por aquela consubstanciaria, indubitavelmente, uma forma ilegal de "alterar" um elemento essencial a proposta (cfr. art. 72°, n° 2, do CCP), o que colide também com o princípio da intangibilidade das propostas.

  6. O que acabou por se comprovar com a "lista de incorrecções" apresentada posteriormente pela Recorrida, a qual constituía uma verdadeira "lista de alterações" à proposta inicial.

  7. Segundo o aludido princípio, as propostas devem ser apreciadas tal como são, não podendo a decisão de adjudicação recair sobre outra realidade que não seja a constituída pelas propostas dos concorrentes, tal como foram formuladas e apresentadas até ao termo do concurso, ou seja, o prazo para apresentação das propostas definidos nas peças concursais.

  8. Citando Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (in Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa, 1998), as propostas "valem pelo seu conteúdo (e informação) inicial, pelo que nelas se contém, por mais nada." (cfr. neste sentido, o recente Acórdão do TCA Sul de 17.03.2011, proferido no Proc. n.° 07196/11, in www.dqsi.pt ).

  9. Sendo assim, conclui-se que a exclusão da proposta da Recorrida relativamente ao Lote 4 foi perfeitamente válida, visto essa proposta não cumprir um dos requisitos exigidos nas peças do procedimento, e que não fora submetido à concorrência.

  10. Por outro lado, a indicação "600x600" no campo da proposta em causa não pode configurar-se como um erro que possa ser rectificado nos termos do art. 249.° do Código Civil.

  11. Em face do exposto, a Recorrente só podia tomar uma posição no caso vertente: aprovar o relatório final de avaliação das propostas elaborado pelo Júri, mantendo, nos seus exactos termos, a exclusão da proposta da Recorrida ao Lote 4 do Concurso (o mesmo se passando com as propostas apresentadas nos Lotes 5 e 8).

  12. Com o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo concluiu precipitadamente que a denominada "omissão/falta de resposta" da Recorrida, na proposta apresentada ao Lote 4, podia "ser integrada por referência, quer ao conteúdo da proposta apresentada relativamente ao lote 5, onde foi indicado o mesmo equipamento, quer por iniciativa oficiosa do júri, uma vez que se trata de característica básica do equipamento da marca e modelo propostos "A... FS-6970DN", porquanto, afigura-se à Recorrente, a proposta apresentada num determinado lote de um procedimento pré-contratual não pode ser interpretada e integrada pela proposta - ainda que do mesmo concorrente - apresentada noutro lote desse procedimento concursal.

  13. Com efeito, em face do disposto no art. 73.°, n.° 2, e 132.°, n.° 3, do CCP, sempre que o programa do procedimento admita adjudicações por lotes, as propostas apresentadas pelos Concorrentes são totalmente autónomas face aos restantes lotes do procedimento, constituindo, cada uma delas, declarações independentes que devem ser apreciadas tal como são (as propostas "valem pelo seu conteúdo (e informação) inicial, pelo que nelas se contém, por mais nada".

  14. Na verdade, a cada um dos lotes do presente Concurso corresponde um contrato autónomo, e, por conseguinte, para cada contrato foi adjudicada uma proposta dos Concorrentes, que mereceu a avaliação do Júri em função das "condições específicas definidas para cada um dos lotes designadamente, o equipamento que constitui o seu objecto e respectivas especificações técnicas", como se salienta, e bem na sentença recorrida.

  15. Ora, esta avaliação individualizada da proposta no contexto específico de um determinado lote não pode, legalmente, atender às especificações técnicas indicadas para os outros lotes, nem às características técnicas dos equipamentos propostos pelos Concorrentes, nos restantes lotes do Concurso.

  16. Uma actuação do Júri nesse sentido não só violaria as regras do procedimento, como, no limite, colocaria o Júri do Concurso perante a obrigação de "refazer" as propostas dos Concorrentes sempre que estas sejam "omissas".

  17. Por estranho que pareça à Recorrente, é esse o sentido e o alcance da decisão recorrida, que, assim, transfere para o Júri do Concurso o ónus de completar, "oficiosamente", a declaração negociai da Recorrida para o Lote 4 do Concurso, tendo por base a proposta apresentada no lote 5 em que foi apresentado o mesmo equipamento.

  18. Ora, com o devido respeito, tal ónus extravasa o âmbito de actuação do Júri do Concurso, que deve avaliar as propostas tal como elas são apresentadas, em função das regras específicas de cada lote, e respeitando sempre todos os concorrentes por igual.

  19. Assim, quando existam adjudicações por lotes, é possível configurar um "procedimento independente" que decorre, porém, sob a égide de um só procedimento pré-contratual/concurso: um lote - uma proposta - uma avaliação/adjudicação - um contrato (ver, no mesmo sentido, Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, in "Concursos e outros procedimentos de Contratação Pública", Almedina, 2011, págs. 1023 e 1024).

  20. Com efeito, a aludida "independência estende-se à própria adjudicação e celebração dos contratos respeitantes a cada lote", significando isso que a mesma já vem de trás, ou seja, de momentos anteriores do Concurso, como sejam: a definição dos lotes nas peças do procedimento; a apresentação das propostas em função de cada lote (a um só a todos eles); e a sua avaliação autónoma pelo Júri do procedimento tendo por referência as regras específicas (técnicas ou de outra natureza) de cada um dos lotes.

  21. É essa autonomia que se alastra até à própria adjudicação e celebração dos contratos relativamente a cada um dos lotes do Concurso.

  22. Assim, forçoso é concluir que não podia haver lugar à interpretação ou integração da proposta da Recorrida no Lote 4 do Concurso, que não fosse suportada, única e exclusivamente, pelos documentos apresentados e declarações prestadas pelo Recorrida naquele lote.

  23. Estamos, pois, perante um flagrante erro de julgamento, porquanto se afigura legalmente inadmissível o Júri do Concurso "interpretar e integrar" a proposta apresentada pela Recorrida no Lote 4 com base na proposta da Recorrida para o Lote 5 do mesmo Concurso.

  24. Nesta conformidade, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 73.°, n.° 2 e 132.°, n.° 3, ambos do CCP.

  25. Por outro lado, causa alguma perplexidade na Recorrente que o Tribunal a quo tenha concluído que, em função do equipamento apresentado nos Lotes 4 e 5 ser idêntico - "A... FS-6970DN" - tal "interpretação e integração" só não seria possível "(...) se a impressora da marca e modelo propostos pela A. só pudesse cumprir tal especificação se carecesse de algum equipamento complementar ou alguma adaptação, o que se não verifica." 27. Afirmando ainda "não [ser] possível a existência de impressoras da marca e modelo indicados que não cumpra a função em causa." - sabendo, de antemão, não ter meio de poder dar como provada esta afirmação.

  26. Ou seja, entrando no campo da apreciação técnica das propostas - matéria reservada exclusivamente à Administração - o Tribunal a quo dá como certo aquilo que não pode ser demonstrado ou provado, mas fazendo-o em benefício da Recorrida.

  27. No entender da Recorrente, saber se existem "impressoras da marca e modelo indicados que não cumpra a função em causa" não se trata de factos que não carecem de alegação ou de prova, porquanto não são factos notórios, nem o Tribunal tem conhecimento dos mesmos por virtude do exercício das suas funções. Era necessário, pois, que fosse junto ao processo documento que comprovasse tal afirmação.

  28. O Tribunal a quo retirou essa convicção da simples análise de um catálogo, olvidando que, por regra, esses catálogos contêm a advertência de que os produtos podem ter sido objecto de alterações recentes e, por isso, podem não corresponder às características técnicas ali indicadas. Isto é, os próprios catálogos não vinculam os fabricantes quanto às afirmações nele produzidas.

  29. Sendo este um elemento determinante na convicção do Tribunal a quo, e sendo legítimas às dúvidas sobre matéria de natureza extremamente técnica, as regras do ónus da prova impunham que a dúvida quanto a esse facto se resolve-se contra a Recorrida e não contra a Recorrente (cfr. art. 516° do CPC ex vi art. 1° do CPTA).

  30. Assim, não se podendo dar aquela afirmação como provada - até porque o teor de um catálogo não se pode sobrepor a uma declaração negociai formulada por um concorrente num procedimento pré-contratual...

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