Acórdão nº 026/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Novembro de 2011
Magistrado Responsável | COSTA REIS |
Data da Resolução | 30 de Novembro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do STA: A…… interpôs, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, recurso contencioso de anulação do despacho, de 26/03/2003, da Sr.ª Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa que ordenou a posse administrativa do prédio urbano de que era proprietária, na Rua …, daquela cidade, e a declarou responsável pela execução das obras de recuperação desse prédio, no valor de € 203.868,38.
Para tanto alegou que, sendo proprietária do referido imóvel e estando o mesmo carecido de obras de recuperação, apresentou na CM de Lisboa o respectivo projecto de arquitectura o qual, depois de aprovado, começou a ser executado. Todavia, e já depois de realizados mais de 2/3 das obras, a Câmara ordenou a posse administrativa do prédio e, mais tarde, notificou-a para realizar novos trabalhos no montante de 203.868,38 euros. O que constitui ilegalidade – por falta de audiência prévia, de fundamentação, de indicação das propostas e dos respectivos cadernos de encargos, de nenhum escrito consubstanciando o acto de apreciação das propostas e da sua selecção, desvio de poder e violação dos princípios da legalidade, da igualdade, da imparcialidade e da proporcionalidade.
Com êxito já que a sentença recorrida lhe concedeu provimento.
Inconformada a Sr.ª Vereadora da CM de Lisboa interpôs recurso que finalizou do seguinte modo: 1. A decisão recorrida deve ser declarada nula e de nenhum efeito, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e c) do n.° 1 do art.º 668.° do CPC, aplicável ex vi artigos 1.º e 102.° da LPTA.
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A sentença sob recurso encontra-se viciada de contradição entre os seus fundamentos e o respectivo sentido dispositivo, não permitindo sequer perceber o percurso cognoscitivo perpetrado pelo Tribunal a quo.
A declaração de anulabilidade reporta-se ao acto administrativo de tomada de posse administrativa cuja fundamentação não é posta em crise e a motivação apresentada quanto à inexistência de fundamentação refere-se ao acto (que integra a mesma notificação onde consta também aquele acto atinente à posse administrativa, mas que com ele não se confunde e de que é destacável) de comunicação do valor máximo pelo qual a Recorrida, em momento posterior à execução das obras, será responsável.
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De igual forma, tal sentença evidencia que o Tribunal obnubilou uma questão que não podia deixar de conhecer para que pudesse ter decidido como decidiu, assim omitindo sobre ela o dever de apreciação que legalmente lhe é exigível. Antes de apreciar os fundamentos indexados ao acto, o Tribunal a quo teria de aquilatar se in casu se impunha o correspondente dever de fundamentação, o que manifestamente não fez, assim inquinando a tese transcrita no texto sob sindicância por manifesta petição de princípio. O acto contendo o valor máximo decorrente da execução coerciva de obras decorre da obrigação inscrita no artigo 15.°, n.° 2, do RAU e não carece de fundamentação, de acordo com as disposições conjugadas previstas pelos artigos 123.°, n.° 1, alínea d), e 124.°, n.° 1, ambos do CPC.
Sem prescindir, 4. A matéria assente revela-se deficitária perante o manancial de documentos que constam dos autos, pelo que será de aditar, entre outros que este Colendo Tribunal superiormente determine, pelo menos o teor integral dos autos de vistoria e de intimação, da contra-fé e da audiência prévia.
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A decisão recorrida parte do pressuposto que o despacho impugnado corresponde ao despacho de 26.03.2003 e que deste é incindível o acto que comunica a ordem de grandeza do custo das obras à Recorrida, o que configura manifesto erro de julgamento e não deixa aquele acto imune à invalidade formal declarada pelo Tribunal a quo.
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Igual erro de julgamento se constata da exigibilidade de fundamentação para o acto de orçamentação de custos.
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Não pode ser anulável o acto de quantificação por anulabilidade do despacho de 26.03.2003. A sentença consubstancia, por isso, uma decisão absolutamente inexequível.
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A notificação em apreço nos autos contém duas realidades distintas, incidindo, por um lado, sobre a tomada de posse administrativa para execução coerciva das obras de conservação que haviam sido objecto de intimação destinada à Recorrida e que esta não acatou e, por outro lado, sobre a ordem de grandeza do custo dessas obras uma vez concluídas por via de execução administrativa. Qualquer dos actos que integram essas realidades contempla a fundamentação adequada ao acto em causa.
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O despacho de 26.03.2003 referente à determinação da posse administrativa congrega de forma expressa e sucinta os factos reputados pertinentes à prolação de tal decisão administrativa e o respectivo enquadramento jurídico, expondo as menções de facto e de direito necessárias e emitindo voto de concordância com pareceres, informações e propostas que lhe servem de base e que, nessa medida, constituem também parte integrante da sua fundamentação, por remissão. Nesse acto contêm-se elementos eloquentes quanto à fundamentação apresentada e à sua aptidão para esclarecer qualquer destinatário relativamente às suas premissas, alcance e susceptibilidade de impugnação - por isso a Recorrida não ficou impedida de reagir, e reagiu.
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A Recorrida sempre conheceu as razões que determinaram a posse administrativa do imóvel de sua propriedade.
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A posse administrativa, mais do que necessária, era imprescindível, em prol da segurança de pessoas e bens, da salubridade do imóvel e para salvaguarda das medidas de tutela da legalidade urbanística.
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O acto administrativo considera-se devidamente fundamentado se o seu processo genético revelar inequivocamente o itinerário cognoscitivo, valorativo e volitivo do seu autor, o que resulta demonstrado para o acto em apreciação.
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O despacho proferido em 26.03.2003 é formalmente válido, não padecendo de nenhum vício que afecte essa validade formal - nem ela, de resto, consta da sentença recorrida.
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A comunicação endereçada, antes do início das obras, à Recorrida relativa ao valor orçamentado e que equivale ao máximo do custo pelo qual aquela é responsável, concatena a fundamentação que o artigo 15.°/2 do RAU refere e observa a forma escrita por este exigida.
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A Recorrida conhece quais as concretas obras que cumpriam ser feitas por inércia e desobediência própria a intimações anteriores, dada a matéria apurada sob as alíneas H), 1), J), N), IV), AA) (“...obras identificadas”), CC) (“...
obras preconizadas no auto de vistoria”), EE), HH) e II) (onde o reconhecimento confessado pela Recorrida das obras em causa deve ter-se por irretratável), o teor da audiência prévia constante a fls. 124/153 dos autos, o facto de ter apresentado projecto de arquitectura, a descrição das obras em autos de vistoria e objecto de intimação e, em especial, pelo facto de sempre ter solicitado prorrogações para execução das obras sem as por em crise quanto à sua necessidade.
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O procedimento de adjudicação por ajuste directo e o seu contexto da sequência dos actos administrativos é algo irrelevante do ponto de vista da lei. O que o artigo 15.º, n.° 2, do RAU exige é que a comunicação deve ser feita por escrito, antes do início das obras e deve conter o custo orçamentado representativo do valor máximo pelo qual o senhorio é responsável uma vez executadas tais obras pela Administração - o que foi observado pela Recorrente (cfr. alíneas OO) e PP) dos factos provados). Assim, a ultimação do procedimento de adjudicação não constitui condição para que a Recorrente pudesse emitir a comunicação prevista naquele dispositivo.
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A escolha do procedimento de adjudicação, as propostas comerciais apresentadas pelos interessados e a selecção das mesmas configura poder exclusivo da Recorrente e que perante os quais a Recorrida deve manter-se alheia, sem que tal obste a que, uma vez notificada do valor final das obras, possa reagir.
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O valor estimado para execução das obras em causa não pode contribuir para dirimir a validade formal do acto, como parece decorrer da sentença recorrida, até porque a execução coerciva apenas se sucede porque a Recorrida não acatou em tempo as ordens legítimas que lhe foram dirigidas.
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A Recorrida podia ter procedido à execução das obras em falta porque estas não se limitavam ao andar ocupado pela arrendatária do primeiro andar direito, e porque aquela beneficiou de um período de cerca de 7 anos para concluir a empreitada durante o qual, se quisesse evitar a execução coerciva das obras, poderia ter despoletado medidas cautelares adequadas à pretensão em causa, o que não fez.
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A Recorrida, nas suas diversas intervenções e nos seus sucessivos pedidos de prorrogação de prazo para concluir os trabalhos da empreitada, nunca questionou, sempre aceitando, a natureza das obras, a sua extensão e a sua necessidade.
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Na situação sub judice os actos administrativos, de natureza vinculada, sobre que versam estes autos não exigem mais fundamentação do que aquela que o integra, donde decorre a consagração da garantia constitucional de fundamentação (cfr. artigo 268.°, n.° 3, da CRP).
Ainda sem prescindir, 22.
Mesmo que se entendesse que o acto administrativo não concatena todos os elementos indispensáveis à fundamentação, pecando por deficiente ou insuficiente fundamentação, ainda assim o Tribunal a quo não podia ter decidido como decidiu.
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A prolação da sentença recorrida anulatória oito anos depois de proferido e notificado o acto administrativo de determinação de posse administrativa e de comunicação do custo orçamentado para a execução coactiva de obras não realiza o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, antes o aniquila.
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A mera anulabilidade do acto apenas gera a repetição do acto de notificação, repristinando todas as condições de facto e de direito existentes à data em que os actos foram praticados, o que contraria a realização da Justiça que se pretende obter com uma decisão judicial.
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A aposição de fundamentação adicional ao acto não altera a decisão administrativa que a sentença em escrutínio...
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