Acórdão nº 203/08.0TTSNT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelPEREIRA RODRIGUES
Data da Resolução16 de Novembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal do Trabalho de Sintra, AA, casado, residente no cruzamento da Av. da …, lote .., ...º Dto., .., Pêro Pinheiro, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB - …, LDA., com sede na Estrada …, Km …, Sintra, alegando que: - O A. foi admitido, em Junho de 1978, mediante contrato de trabalho sem termo ao serviço de CC - ..., Lda., para exercer as funções de empregado de escritório; - Cerca de 1982, foi constituída a ora R., para quem foram transferidos os trabalhadores da CC com as regalias que tinham; - O A. auferia ultimamente a quantia mensal de € 1.248; - Em 19 de Abril de 2007, o gerente da R. comunicou ao A. que o contrato cessaria todos os seus efeitos em 30 de Abril de 2007; - O A. tem 57 anos e trabalhava para a R. desde os 29 anos, não tendo conseguido arranjar outro emprego, ficando a família com dificuldades financeiras, o que deixou o A. psicologicamente abalado e em estado depressivo que o fez recorrer a apoio médico e medicamentoso.

Termina, pedindo se declare a ilicitude do despedimento e se condene a R. a pagar ao A.:

  1. Indemnização de antiguidade (€ 1.248 x 29): € 36.192; b) Salários vencidos desde 30 dias antes da propositura da acção: € 1.248; c) Proporcionais de férias e subsídio de férias do ano da cessação (€ 1.248 : € 162,50 x 4/12): € 460,80; d) Proporcionais de subsídio de natal do ano da cessação (€ 1.248 : 30 : 10): € 416; e) Indemnização por danos morais: € 15.000; f) Juros vencidos e demais encargos legais.

    A R. contestou, alegando, em síntese, que: - A R. apenas foi constituída em 1981; - O A. era angariador/comissionista e não tinha retribuição mensal fixa, auferindo € 7,68 por hora, sem horário obrigatório; - Foi o A. que, em 1986, propôs à R. passar o seu estatuto de funcionário para angariador/comissionista, como empresário em nome individual, actividade que prestou à R. como profissional independente durante mais de 20 anos; - Tendo a R. vendido todos os seus equipamentos e deixando de ter necessidade do desempenho das tarefas atribuídas ao A., comunicou-lhe que cessava a prestação de serviços em finais de Abril de 2007, o que ele aceitou; - O A. litiga com má fé.

    Termina, pedindo a absolvição do pedido e a condenação do A., como litigante de má fé, no pagamento das despesas originadas pela acção, designadamente honorários do mandatário da R..

    O A. veio apresentar resposta à contestação, que foi atendida apenas em parte, nos termos do despacho de fls. 180.

    Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi proferido despacho saneador, especificada a matéria assente e elaborada a base instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sendo depois proferida sentença a julgar a acção improcedente.

    Inconformado, o Autor recorreu da sentença, tendo o Tribunal da Relação acordado em julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenando a Ré a pagar ao Autor prestações nos seguintes termos: «

  2. A indemnização por antiguidade cujo valor se fixa em 20 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, contando-se esta desde Junho de 1978.

  3. As retribuições vencidas desde 30 dias antes da propositura da presente acção, instaurada em 31.03.2008, devidas até ao trânsito em julgado da sentença, devendo nessa importância apurada ser descontados os montantes a que aludem os n° 2 e 3 do art. 437° do CT, se existirem.

    c) O valor das férias vencidas em 1.1.2007, correspondentes a 22 dias úteis, bem como os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal correspondentes aos quatro meses de vigência do contrato no ano da sua cessação.

  4. Relega-se para o incidente de liquidação de sentença o apuramento quer da indemnização quer dos restantes créditos em que a Ré foi condenada, uma vez que sendo o valor da retribuição variável mensalmente por ser calculada à hora, há que apurar o valor médio mensal auferido pelo A. nos doze meses anteriores à cessação do contrato, para com base nesse valor se efectuarem os cálculos da condenação.

  5. Sobre as quantias apuradas serão devidos juros de mora à taxa legal, devidos desde o vencimento de cada prestação, excepto no que se refere à indemnização que serão devidos apenas desde a data do seu cálculo final. As custas da acção e do recurso serão a cargo do A. e da Ré, na proporção do respectivo decaimento, sendo fixadas a final».

    Inconformada agora a Ré, interpôs recurso de Revista da decisão do Tribunal da Relação para este STJ, apresentando alegações, com as seguintes CONCLUSÕES: «A - A fundamentação do douto Acórdão recorrido, assente na expressão "a nosso ver'' é: - Legalmente inadmissível, vide art° 664° do CPC e demais aplicáveis; - Doutrinariamente uma ofensa aos mais lídimos princípios de apreciação dos comportamentos e factos constantes dos autos; - Jurisprudencialmente a negação do decidido por este Supremo Tribunal quando decide que "Na operação de apreciação e qualificação dos factos-índice é essencial averiguar qual a vontade das partes revelada quando procederam à definição dos termos do contrato".

    - Socialmente seria o lançamento de um alarme quanto à validade dos contratos outorgados e em vigor.

    B - Ao fundamentar a decisão em meras suposições, opiniões ou preconceitos, absolutamente alheios à prova produzida, o douto Acórdão ofendeu irremediavelmente o vertido nos art°s 158°, 664° e alínea b), n° 1, art° 712° (a contrario) do Cod. do Processo Civil C - O teor do Acórdão em crise, tendo como base insustentadas opiniões "a nosso ver" ofende a liberdade contratual dos cidadãos e empresas, (fonte de direitos e obrigações), liberdade consagrada nos art°s 405° e sgts do Código Civil.

    D - A decisão de não reconhecimento do contrato de prestação de serviços e dos consequentes direitos e obrigações que perduraram por cerca de 21 anos, sem qualquer fundamento, salvo o "a nosso ver", outorgado entre as partes e assumido como válido por ambas, ofende o legalmente estatuído sobre o referido tipo de contrato, designadamente o estatuído no art° 1154° do Código Civil. O Contrato de Prestação de Serviços não foi declarado nulo ou anulado.

    E - Está comprovado que o A. conforme confessa nos autos, efectuava o "controle das horas de funcionamento das gruas", a "inscrição e renovação das licenças de circulação das gruas na DGV, o "controle dos seguros automóveis", a "facturação de clientes", não sendo claramente tais funções, próprias de um escriturário como não é ser "responsável pela área de recursos humanos".

    F - Contrariamente ao Tribunal da Relação de Lisboa, o Tribunal de Trabalho de Sintra, decidiu em consonância com a prova produzida, com o conhecimento concreto da realidade social, apreendendo a vivência entre A. e Ré, concluindo sabiamente, ou seja, aplicando o direito a uma realidade concreta.

    G - Para elaboração da sentença, o juiz só poderá servir-se dos factos articulados pelas partes, conforme estatui o art° 664° do CPC. Ora, nem o A., nem a Ré alegaram qualquer facto ou comportamentos que indiciassem sequer que na vigência do contrato em vigor entre as parte, "não está em condições de afrontar a sua entidade empregadora, nomeadamente reivindicando junto da mesma quantias a que se acha com direito".

    H - O STJ, por Ac de 30 de Março de 2006 afirma com clareza: "E necessário que a conduta anterior tenha criado na contraparte uma situação de confiança, que essa situação de confiança seja justificada e que com base nessa situação de confiança a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe surgirão danos irreversíveis, isto é, que tenha investido nessa situação de confiança e que esse investimento não possa ser desfeito sem prejuízos inadmissíveis".

    I - A actual Gerência, "herdou" já da anterior, o contrato de prestação de serviços com o A. e sempre deu cumprimento ao contratualmente acordado, recebendo o A., líquido, quantitativo superior ao que recebiam os restantes trabalhadores da empresa.

    J - Concorda-se com Menezes Cordeiro quando identifica o abuso do direito como o "exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente», durante cerca de 21 anos consecutivos; L - Termos em que, nos termos do disposto nas alíneas c) e d) do n° 1, art° 668 do Cod. Proc. Civil e demais aplicáveis, deve o Acórdão recorrido ser revogado, mantendo-se, na íntegra a sentença produzida pelo Tribunal de Trabalho de Sintra, fazendo-se assim a melhor JUSTIÇA.» O A contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo: «1º- O recorrido instaurou acção de impugnação de despedimento, invocando a ilicitude do despedimento, por não ter sido alvo de processo disciplinar, nem invocada justa causa de despedimento, tendo, após a realização da audiência de discussão e julgamento ficado provados os seguintes factos: […] 2º - A recorrente não recorreu da sentença que considerou provada a existência de um contrato de trabalho, tendo assim a sentença transitado em julgado sendo por isso vedada a apreciação pelo douto tribunal ad quem por não ser possível a sua alteração, por se ter formado caso julgado nos termos do artigo 672° do CPC.

    1. - Ficou provado à exaustão que o recorrido desempenhava as suas funções sob a ordem, direcção e fiscalização da entidade patronal, ao abrigo de um contrato de trabalho, desde pelo menos Junho de 1978, sendo a única entidade para quem trabalhava.

    2. - Ficou provado que o recorrido foi despedido sem que tivesse sido instaurado processo disciplinar ou invocada justa causa de despedimento.

    3. - O recorrido instaurou providência cautelar de suspensão de despedimento, sendo que, se o tribunal tivesse dado provimento à providência, o recorrido teria sido reintegrado, e não seria a Ré condenada a pagar nada, tendo também a recorrente tido oportunidade de reintegrar o recorrido, pois que no prazo de 5 dias após a...

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