Acórdão nº 219/11.09JELSB-B.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução25 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório No âmbito do processo comum, em fase de inquérito, que, sob o n.º 219/11.9 JELSB-B, corre termos pelo 1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em que é co-arguido A...

, devidamente identificado nos autos, por decisão de 10.08.2011, foi este sujeito a medida coactiva de prisão preventiva.

Desse despacho, bem como de um outro que indeferiu a arguição de nulidade da sua detenção, interpôs o arguido A... o presente recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, de que extraiu as seguintes conclusões: 1. ….

  1. …..

Pretende, assim, que se “decrete” a nulidade da sua detenção e, em consequência, que se anule a apreensão do produto estupefaciente ou, se assim não se entender, que se substitua a medida de coacção prisão preventiva pela obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.

* Na resposta que apresentou, a digna Magistrada do Ministério Público definiu o seguinte quadro conclusivo: 1. … 2. ….

Entende por isso que deverá manter-se, na íntegra, a decisão recorrida.

* Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto.

* Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

* II - Fundamentação Como se sabe, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso (cfr. artigos 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj)[2], sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso.

Assim, o objecto do recurso em apreciação centra-se nas seguintes questões: § se a detenção do arguido A... é nula porque efectuada fora de flagrante delito e sem que se verificassem os requisitos previstos no art.º 257.º do Cód. Proc. Penal; § se está verificada a condição da aplicação da prisão preventiva prevista no art.º 202.º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Penal, ou seja, se há fortes indícios da prática, pelo recorrente, de um crime de tráfico de estupefacientes, na configuração matricial do art.º 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro; § se ocorre algum dos requisitos gerais enunciados no artigo 204.º do Cód. Proc. Penal.

  1. A alegada nulidade da detenção O regime geral das nulidades em processo penal está, basicamente, previsto nos artigos 118.º a 122.º do Cód. Proc. Penal e é dominado pelo princípio da legalidade ou tipicidade das nulidades: só se consideram nulos os actos que, sendo praticados com violação ou inobservância da lei, esta expressamente comine essa consequência (artigo 118.º, n.º 1).

Fora desses casos, se for cometida alguma ilegalidade susceptível de afectar o valor do acto praticado, estaremos perante uma irregularidade (n.º 2 do citado artigo 118.º).

O recorrente sustenta que a sua detenção foi efectuada fora de flagrante delito e, tendo sido consumada por autoridade de polícia criminal, não se verificava o pressuposto de que ao caso coubesse prisão preventiva (n.º 2 do art.º 257.º do Cód. Proc. Penal). Isto porque “…não pode a defesa consentir que no caso em apreço se considere a existência de qualquer suspeita de transporte de droga apenas por que um veículo fora utilizado, noutra ocasião e por outros cidadãos, no transporte de estupefacientes”.

Perante a evidência de que não ocorria qualquer situação que pudesse ser subsumida ao elenco taxativo das nulidades absolutas ou insanáveis, o recorrente procurou encaixar o caso no elenco, também ele taxativo, das nulidades sanáveis ou relativas, não descartando a hipótese da simples irregularidade.

Sempre que a lei comine a nulidade de um acto sem que, expressamente, a qualifique como insanável, terá de ser havida como nulidade relativa (princípio da subsidiariedade da nulidade sanável).

Do regime da nulidade sanável, há que destacar os seguintes pontos: § para ser conhecida, tem de ser arguida pelo interessado; § o interessado pode renunciar, expressa ou tacitamente, à sua arguição; § em regra, deve ser arguida no próprio acto, estando o interessado e/ou o seu advogado presentes[3].

O regime das irregularidades é muito idêntico, situando-se as principais diferenças no prazo de arguição quando o interessado ou o seu advogado não assistam ao acto pretensamente irregular (três dias a contar daquele em que um ou outro tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou tiverem intervindo em algum acto nele praticado) e na circunstância de, em alguns casos, serem de conhecimento oficioso.

O recorrente invoca a alínea d) do n.º 2 do art.º 120.º do Cód. Proc. Penal como suporte legal da arguição de nulidade da sua detenção porque, na sua perspectiva, se trataria de uma nulidade relativa “à insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios” (conclusão 10.ª).

Porém, não concretiza que actos legalmente obrigatórios foram omitidos e não vislumbramos onde quer chegar o recorrente.

A verdade é que, mesmo que se estivesse perante uma situação de detenção fora de flagrante delito (e já veremos que não é o caso), ela não era subsumível a qualquer das hipóteses legais do n.º 2 do art.º 120.º do Cód. Proc. Penal e não há qualquer norma, designadamente das que tratam da detenção (artigos 254.º a 261.º), que comine a nulidade para o acto de detenção praticado fora das hipóteses legais.

Existe, isso sim, uma norma (do art.º 258.º, n.º 1) que comina a nulidade para os mandados de detenção[4] que não contenham as indicações nela prescritas e uma outra (a do art.º 261.º) que determina que a entidade que tiver ordenado a detenção ou a quem o detido for presente deve libertá-lo de imediato, logo que se tornar manifesto que a detenção foi efectuada fora dos casos em que era legalmente admissível.

Restaria, então, a hipótese da irregularidade do acto.

Em qualquer caso, quer o acto de detenção do recorrente estivesse ferido de nulidade, quer se tratasse de mera irregularidade, não pode restar qualquer dúvida de que teria que ser arguida, e no próprio acto. Mais precisamente, teria (a nulidade ou a irregularidade) de ser arguida enquanto durasse a detenção e, desejavelmente, antes de iniciado o interrogatório judicial de arguido detido. Se o juiz chegasse à conclusão de que, realmente, se estava perante uma detenção efectuada fora dos casos em que é legalmente admissível, ordenava a imediata libertação do arguido/recorrente e já não o sujeitava a primeiro interrogatório judicial de arguido detido.

A verdade é que nada disso aconteceu, estando o arguido/recorrente (necessariamente) presente no acto e assistido por defensor, não foi arguida qualquer nulidade ou irregularidade e o Sr. Juiz de instrução declarou válida a detenção, sem qualquer reacção do ilustre defensor, que só tardiamente descortinou uma nulidade.

Findo o interrogatório judicial de arguido detido (e passando este à condição de preso preventivo), precludiu uma hipotética nulidade da detenção e a possibilidade de a arguir.

Mas o que se impõe, sobremaneira, realçar é que a detenção do arguido A... foi perfeitamente legal.

O recorrente constrói a tese da ilegalidade partindo da afirmação de que a detenção foi efectuada fora de flagrante delito e, para tanto, argumenta assim: os elementos da PJ detectaram um veículo automóvel que transportava o arguido e outros. A detecção da droga dentro da mala do recorrente foi feita dentro das instalações da PJ e somente depois de aí todos terem sido conduzidos. Com excepção do recorrente todos os outros transportavam a droga no seu organismo. Seria necessária uma visão com “raio x” para dentro do veículo e ocupantes para obter tal suspeita, mas tal tecnologia ainda não está ao alcance do órgão de polícia criminal.

Com o devido respeito, o que revela esta argumentação é que o recorrente tem uma noção verdadeiramente sui generis de flagrante delito.

O n.º 1 do art.º 255.º do Cód. Proc. Penal define flagrante delito como “todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer”.

O n.º 2 do mesmo artigo estabelece que se reputa, também, flagrante delito “o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou que nele participou”.

Estas definições legais correspondem à distinção doutrinária de flagrante delito em sentido estrito (1.ª parte do n.º 1 do art.º 255.º), quase flagrante delito (2.ª parte do mesmo preceito legal) e presunção legal de flagrante delito (n.º 2 do art.º 255.º).

No flagrante delito stricto sensu, o agente é surpreendido a cometer o crime, a praticar os actos de execução puníveis; no quase flagrante, o agente já consumou o crime, mas é surpreendido logo no momento da consumação e, normalmente, no local da infracção; na presunção de flagrante delito, após a consumação, o agente é imediatamente perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com sinais ou objectos que mostrem claramente que acabou de cometer o crime ou que nele participou.

O caso em apreço, enquadra-se, patentemente, na...

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