Acórdão nº 751/10.1TTBCL.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelPAULA LEAL DE CARVALHO
Data da Resolução24 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 751/10.1TTBCL.P1 Apelação Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 451) Adjuntos: Des. António José Ramos Des. Eduardo Petersen Silva Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, litigando com o benefício de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, intentou contra Associação Humanitária Bombeiros Voluntários … e C…, acção declarativa de condenação pedindo que: a) sejam os RR condenados a reconhecer a ilegalidade da suspensão e da repreensão escrita aplicadas ao Autor; b) serem os RR condenados a pagar-lhe uma indemnização de €5.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos e, bem assim, a serem condenados a custear a divulgação da sentença condenatória que vier a ser proferida pelos quartéis de bombeiros nacionais e num dos jornais diários nacionais mais lidos.

Para tanto, alega em síntese que: É motorista profissional da 1ª ré e, também, bombeiro de 3ª Classe Supranumerário, sendo bombeiro voluntário desde 1975 e profissional desde 1994.

No dia 04.06.2009, quando se encontrava ao serviço da 1ª Ré nas instalações desta, cerca das 9:57 horas, foi recebida uma chamada para transporte de um doente, havendo sido o A. incumbido desse serviço; nas circunstâncias e pelas razões que descreve, entendeu o A. que, sozinho e sem acompanhante, não poderia efectuar tal serviço por não verificação das necessárias condições de segurança, pelo que o recusou efectuar.

Em consequência, por decisão do Presidente da Direcção da 1ª Ré, datada de 17.07.2009 e recebida aos 22.07.09, foi-lhe aplicada a sanção de repreensão registada, acrescida da divulgação da mesma no âmbito da Ré.

E, para além disso, pelo Comandante, ora 2º réu, foi-lhe também aplicada suspensão por um período de 13 dias, com proibição de vestir a farda dos Bombeiros, mas com obrigação de se apresentar no posto de trabalho, sem nada poder fazer, mas marcando presença, decisão esta que o A. impugnou em 16.06.2009, em requerimento enviado à Direcção da 1ª Ré, sem que, contudo, tivesse logrado a sua revogação. Assim, diz, esta Direcção assumiu também a responsabilidade e co-autoria da referida suspensão, “confirmando, aliás, essa atitude com a repreensão registada que deliberou aplicar ao Autor.”.

Mais alega, pelas razões que invoca, que a referida recusa de efectuar o transporte era legítima e justificada, não tendo cometido infracção disciplinar e que, a assim se não entender, a sua responsabilidade seria excluída nos termos do art. 7º da Portaria 703/2008, de 30.07, que aprova o Regulamento Disciplinar dos Bombeiros Voluntários ou, se ainda assim se não entender, sempre se deverá considerar que beneficia das atenuantes especiais previstas no art. 17º, als. a) e c), da citada Portaria.

Invoca ainda, em consequência da suspensão, os danos morais que entende deverem ser ressarcidos, referindo para tanto e em síntese, que (arts. 15º a 20º): a suspensão imposta é ilegal e vexatória e, durante o tempo em que perdurou, sentiu-se humilhado, desprezado e envergonhado face aos comentários, que descreve, de que foi alvo, havendo a situação sido comentada nos quartéis de bombeiros nacionais e pessoas em geral, sendo cada dia em que regressava ao trabalho durante a suspensão uma “pena severa que tinha de sofrer”, sentindo-se, face ao descrito, nervoso e ansioso, tendo tido duas crises de ansiedade e nervosismo que o obrigara a recorrer a assistência hospitalar e que, desde o dia da suspensão, nunca mais se sentiu o mesmo, triste, cabisbaixo, desanimado e com alterações comportamentais que descreve no art. 20º da petição.

O 2º réu, C…, contestou por excepção, invocando a sua ilegitimidade e a incompetência material do Tribunal do Trabalho, e por impugnação.

Quanto à ilegitimidade, alega em síntese que: o A., para além de bombeiro, é trabalhador da 1ª Ré, com a categoria de motorista, com quem, aos 01.01.1996, celebrou um contrato de trabalho a termo, já convertido em sem termo, sendo aquela, pessoa jurídica dotada de personalidade e capacidade jurídica e representada pelos seus órgãos directivos, a entidade empregadora do A., e não o Réu, que é apenas o Comandante do Corpo de Bombeiros. Pretendendo o A. a anulação de uma sanção disciplinar pela sua entidade empregadora, não tem o ora Réu qualquer interesse em contradizer uma vez que não foi este quem instaurou o processo disciplinar ou aplicou a sanção laboral de repreensão registada.

Quanto à incompetência em razão da matéria, refere, em síntese, que, atento o disposto no DL 241/2007, de 21.06 e na Portaria 703/2008 (Regulamento Disciplinar dos Bombeiros) e demais argumentação jurídica que tece, a matéria relativa à suspensão (que, em sede de impugnação, qualifica de “suspensão da actividade operacional” enquanto bombeiro e não da actividade laboral) que se trata de matéria de natureza administrativa, que é da exclusiva competência dos tribunais administrativos.

A 1ª Ré contestou, defendendo-se também por excepção, invocando a sua ilegitimidade e a incompetência material do Tribunal do Trabalho, e por impugnação.

Quanto à ilegitimidade, alega em síntese que: o A., para além de trabalhador da 1ª, é bombeiro, inserindo-se a aplicação da invocada sanção de suspensão pelo respectivo Comandante no Regulamento Disciplinar dos Bombeiros Voluntários, o que nada tem a ver com a relação laboral, pelo que nem nunca poderia sequer revogar tal suspensão, para além de que dispõe o art. 28º da referida Portaria das decisões, me matéria disciplinar, proferidas pelo comandante do corpo de bombeiros cabe recurso hierárquico para o conselho disciplinar, de cuja decisão não é admissível recurso gracioso. Pretendendo o A. a anulação de tal sanção, não tem a Ré qualquer interesse em contradizer a acção.

Quanto à incompetência em razão da matéria, refere, em síntese, que o A. questiona a legalidade do processo com base na violação de normas relacionadas com o seu estatuto de bombeiro voluntário, nomeadamente o DL 241/2007, de 21.06 e Portaria 703/2008, normas estas que têm natureza administrativa e cuja competência é exclusiva dos Tribunais Administrativos.

O A. respondeu aceitando ser trabalhador da 1ª Ré desde 01.01.1996, com quem celebrou o contrato de trabalho invocado para o exercício das funções de motorista.

Mais refere, em síntese, que o incidente em apreço ocorreu dentro do seu horário de trabalho, mencionado no dito contrato e no exercício das funções de motorista que desempenhava ao serviço da 1ª Ré, pelo que tal incumbência não se inseriu na actividade operacional da corporação dos bombeiros, não lhe sendo aplicável o DL 247/2007; na prática, os membros dirigentes da 1ª Ré, raramente permanecem na sede da Associação, pelo que as funções próprias dos mesmos são desempenhadas pelos operacionais bombeiros, “como um prolongamento da autoridade da direcção da Ré”. E, daí, que a aplicação pelo R. ao A. da suspensão por 13 dias se situou no âmbito da autoridade da 1ªRé, agindo o 2º Réu “como um prolongamento da direcção daquela”, para além de que aquela assumiu a responsabilidade e co-autoria da referida suspensão, confirmando-a com o acrescento duma pena de repreensão registada.

Conclui no sentido da improcedência das excepções.

Foi proferido despacho saneador que julgou o tribunal incompetente em razão da matéria e, consequentemente, absolveu os RR da instância.

Inconformado, veio o A. recorrer, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões: “A)- vem o presente recurso interposto do aliás douto despacho saneador que declarou o Tribunal do Trabalho de Barcelos incompetente em razão da matéria e, consequentemente, julgou a acção improcedente e absolveu os Réus da instância; B)- salvo melhor opinião, a Mª. Juiz a quo não fez correcta interpretação e aplicação do direito atinente; C)- no fundamental, a Mª. Juiz baseia a sua decisão por considerar que, “por razões de interesse público, a valência/qualidade de “Bombeiro Voluntário” deve prevalecer sobre a de trabalhador contratado, decorrente de um contrato privado” que o Autor-recorrente celebrou com a 1.ª Ré, Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários … (adiante, abreviadamente, Associação Humanitária); D)- o Autor é, desde 01 de Janeiro de 1996, trabalhador ao serviço da Ré Associação Humanitária, com a categoria e funções de motorista, resultando o exercício dessa actividade da celebração de contrato de trabalho subordinado e actualmente sem prazo; E)- o incidente referido nesta acção, ou seja a distribuição ao Autor da incumbência de transportar um doente à D… ocorreu cerca das 09,57 horas do dia 4 de Junho de 2009, dentro do horário de trabalho do Autor e claramente no âmbito da sua actividade de motorista da Ré; F)- a Ré, Associação Humanitária, não lhe cometeu tal transporte como se tratasse de outra...

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