Acórdão nº 0244/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelPIRES ESTEVES
Data da Resolução04 de Outubro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A…, solteiro, maior, aposentado, residente na Rua …, …, … – Miranda do Corvo, intentou contra a Caixa Geral de Aposentações acção administrativa especial para impugnação do despacho de 1/7/2008 da CGA, pedindo a anulação da parte em que determina que “a pensão que lhe foi fixada só irá ser abonada depois de esgotada a quantia de 40 000,00€ e a condenação da mesma CGA a reconhecer-lhe o direito a essa pensão e a pagar-lhe as mensalidades da mesma que não lhe pagou, desde 20/9/2007, com juros de mora à taxa legal.

O TAF de Coimbra por acórdão de 11/12/2009 julgou improcedente a acção e absolveu a entidade demandada do pedido (fls. 135 a 143).

Não se conformando com esta decisão o autor recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte (doravante, TCAN) que por acórdão de 3/12/2010 concedeu provimento ao recurso, revogou o acórdão recorrido e julgou totalmente procedente a acção administrativa e condenou a CGA a pagar ao autor as mensalidades que lhe são devidas, a título de pensão que lhe foi fixada, desde 20/9/2007 e em juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data em que lhe deveria ter sido paga cada uma das mensalidades até à data em que efectivamente o for (fls. 242 a 254).

Deste acórdão do TCAN recorreu a CGA para o STA, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: 1ª - O presente recurso de revista deverá ser admitido uma vez que se pretende determinar qual o alcance do disposto nos nºs 4 e 5 do art.° 46º do DL nº503/99, de 20/11, nos casos em que se coloca em causa o direito de regresso da CGA relativamente a um terceiro responsável com o qual o sinistrado/beneficiário tenha efectuado acordo transaccional sem que a Caixa tenha sido chamada a intervir no âmbito do processo de reparação do evento danoso, como prescreve o art.° 9° do DL nº187/2007, de 10/05, o que evidencia especial relevância jurídica da dita questão.

  1. - Por outro lado, também se patenteia o relevo social da questão em análise, que interessa a um número alargado de outros casos, sendo que as situações subjacentes a aplicação das aludidas normas assumem uma particular relevância comunitária, por se reportarem a uma matéria sensível como é a respeitante à reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, temática que ainda não mereceu aprofundado tratamento jurisprudencial por parte do STA.

  2. - Salvo o devido respeito, o Acórdão recorrido faz uma errada interpretação das normas supra referidas, na medida em que foca a sua análise essencialmente no pedido formulado pelo sinistrado na acção que propôs em 2003-09-17 no Tribunal da Lousã contra a seguradora, e ainda por não valorar devidamente, o alcance (e consequências) do Acordo celebrado entre o ali A. e a seguradora do terceiro responsável em 2007-01-18 - que desvinculou esta última de mais responsabilidades -, assim como a inobservância do disposto no art.° 9º do DL n.º 187/2007.

  3. - A decisão vertida no Acórdão acaba por potenciar a verificação futura de situações idênticas à vertente, com contornos pouco claros, em que os particulares procuram obter das seguradoras do terceiro responsável - seja judicial seja extrajudicialmente - o ressarcimento de todos os danos excepto aqueles que já esperam seja o Estado a suportar.

  4. - Nestes casos, apenas beneficiam: a) o interessado, que, por um lado, estabelece um acordo indemnizatório com a seguradora do terceiro responsável pelo acidente (sem se preocupar com a instituição de segurança social que, assim, suportará as pensões decorrentes do evento causado pelo terceiro, a qual é deixada à margem) e, por outro, vem reclamar uma pensão de natureza indemnizatória ao Estado. Em suma, recebe 2 vezes, a primeira para os danos passados (e algo mais, uma vez que perdoa à seguradora os danos futuros) e a segunda para os futuros; e b) a seguradora, que, beneficiando dos acordos que estabelece (liberta de qualquer escrutínio da instituição de segurança social que despenderá dinheiro em pensões), apenas indemniza parcialmente, face àquilo que tem de pagar de acordo com o contrato de seguro, sendo que o prejudicado é, como é bom de ver, apenas um: o Estado e os dinheiros públicos que lhe estão inerentes.

  5. - Se no acordo transaccional celebrado entre o sinistrado e a seguradora (cfr. 2 e 3 dos Factos Assentes) ficou convencionado que este “...declara-se ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do acidente…”, qual seria a reacção da seguradora no momento em que a CGA pretendesse exercer o direito de regresso a que se refere o nº3 do art.° 46.° do DL n.º 503/99? Como não parece difícil de antever, a seguradora excepcionaria o cumprimento de tal normativo, com fundamento no Acordo celebrado com o sinistrado, no qual este se declara completamente ressarcido de todos os danos decorrentes do acidente.

  6. - Este acordo de transacção celebrado entre as partes litigantes, para além de desvincular, por completo, a seguradora do terceiro responsável, foi, também, celebrado num quadro do mais absoluto desprezo quanto aos dispositivos legais em vigor que determinam, nestes casos, a prévia chamada da instituição de segurança social que, em virtude do evento danoso causado por um terceiro, terá de fixar uma pensão nos termos do DL nº503/99, também ela de natureza indemnizatória (cfr. nº4 do art. 4.° deste diploma).

  7. - Tal como desde sempre foi sublinhado pela CGA (cfr. pág. 3 e 4 do Acórdão recorrido, onde se transcrevem as 6ª e 7ª conclusões das contra-alegações da CGA), a fim de evitar-se a concessão indevida de prestações - e o desperdício de dinheiros públicos -, opera a norma constante do art.° 9º do DL nº187/2007, de 10/05 (um preceito em tudo idêntico ao que constava no art. 12.° do DL nº329/93, de 25/09, seu antecessor), segundo a qual, em matéria de atribuição de indemnizações a beneficiários legalmente protegidos contra as eventualidades de invalidez, nenhuma transacção pode ser celebrada sem que seja previamente efectuada comunicação à instituição gestora (ou instituição de segurança social, na terminologia da redacção do diploma mais antigo).

    - Sendo de notar outra evidência: à data da transacção com a seguradora, o sinistrado já tinha o pedido de atribuição de pensão a decorrer nesta Caixa, uma vez que o seu pedido de submissão a junta médica data de 2006-03-07.

  8. - O Tribunal a quo não logrou pronunciar-se sobre a apontada omissão na aplicação ao caso do art.° 9º do DL nº187/2007, pelo que, não se tendo pronunciado sobre esta perspectiva jurídica suscitada pela CGA, o Acórdão recorrido é nulo nos termos da al. d) do art.° 668º do CPC.

  9. - O Acórdão recorrido acabou por conduzir a sua análise ao caso dos autos numa perspectiva que não se afigura a mais correcta, por estar essencialmente focalizada no pedido formulado pelo sinistrado na acção que intentou em 2003-09-17 no Tribunal Judicial da Lousã contra a Companhia de Seguros B... (cfr. terceiro parágrafo de pág. 11 do Acórdão).

  10. - Porém, o litígio que opôs ambas as partes litigantes não cessou por intermédio “...de uma sentença judicial...” mas sim por via de uma declaração de vontades exarada no acordo de transacção, que não tem de estar sujeito ao limites do pedido formulado na petição que deu entrada em juízo.

  11. - Este entendimento quanto ao facto de a sentença homologatória ter de estar limitada ao pedido formulado pelo sinistrado contraria frontalmente, entre outros, o Ac. proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 2009-12-16 no Proc. n.º 0351/08 (Relatora Juíza Conselheira Angelina Domingues), o Ac. proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 2007-03-15 no Proc. Nº413/07-1 (Relator V. Desembargador António Gonçalves) ou o Ac. proferido pelo mesmo Tribunal Superior em 2004-11-03 no Proc. n.º 1775/04-1 (Relator V. Desembargador António Gonçalves); 13ª - Mal andou também o Tribunal a quo quando concluiu que “...os danos patrimoniais futuros não foram sequer peticionados” (cfr. primeiro parágrafo de pág. 11 do Acórdão recorrido), dado que, assim sendo, há que formular a seguinte questão: - Que qualidade poderão ter os danos invocados no art.º 49.° (Perda que se manterá até ao final da vida do A., pelo que se computa na quantia de 1.750 Euros por ano até à idade em que perfará 75 anos (esperança média de vida) ou seja 22 x 1.750,00 ê = 38.500,00 é’), no art.° 53º (prejuízo “...anual de cerca de 300 euros o que perfaz até à idade da reforma (65 anos) a quantia de 17 anos (correspondente aos anos de actividade) x 300 Euros = 5.100,00 Euros”), ou mesmo as invocadas perdas de rendimento anual decorrentes deixar de cuidar da vinha, semear batatas, milho e outros produtos hortícolas referidas nos arts. 45.° e seguintes da p.i. que deu entrada no Tribunal da Lousã no âmbito do Proc. nº 1031/03.4TBLSA? (cfr. fls. 190 a 200 do Processo Administrativo junto pela CGA aos autos em cumprimento do disposto no art. 84.° do CPA) 14ª - Nos termos da Lei, sempre que seja reconhecida a um subscritor uma incapacidade permanente em virtude de um acidente em serviço, a CGA é responsável pelo pagamento de determinadas prestações nos termos e condições definidas no DL n.º 503/99. Porém, quando o acidente seja da responsabilidade de terceiro, esta, uma vez proferida a decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, tem o direito de regresso contra o terceiro responsável, incluindo as seguradoras, por forma a obter dele o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial (art. 46º n.º 3).

  12. - Quando os beneficiários das prestações tenham já sido indemnizados pelo terceiro responsável, não há lugar ao seu pagamento até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros. E, assim, necessário, no montante global da indemnização fixada, descriminar o valor correspondente ao...

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