Acórdão nº 0533/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução22 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A Administração Central do Sistema de Saúde veio interpor recurso de revista, nos termos do art. 150 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão do Tribunal Central Administrativo-Sul (TCAS), de 31.3.2011, que concedeu provimento ao recurso interposto de decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 30.11.2010, que julgara improcedente acção de contencioso pré-contratual, na qual se pedia a (i) anulação parcial do acto do júri do concurso público (nº 2008/100) para a celebração de contratos públicos de aprovisionamento para a área da saúde, que prestou esclarecimentos aos concorrentes desse concurso, e a (i) declaração de ilegalidade de disposições regulamentares, referentes à formação de contratos de aquisição ao abrigo daqueles contratos públicos de aprovisionamento, constantes da Port. nº 939/2009, de 7 de Outubro, homologatória desses mesmos contratos.

Apresentou alegação, na qual formulou as seguintes conclusões: 1.ª O Recurso de Revista deve ser admitido quando, cumulativamente, (i) tenha como fundamento a violação de lei substantiva ou processual, e (ii) quando esteja em causa uma questão de relevância jurídica ou social, que revista importância fundamental ou, ainda, quando a admissão de recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  1. Nos presentes autos, o Acórdão ora recorrido violou a lei substantiva ao considerar que o regime a aplicar à formação dos contratos a celebrar ao abrigo dos CPA é o DL 197/99 – o mesmo que foi aplicado a formação dos CPA – e não o CCP, e, com isso, ao ter considerado que tanto os esclarecimentos prestados pelo Júri do Concurso como a Portaria homologatória dos CPA procederam a uma inovação ilegal das pegas concursais ao declararem o CCP como o regime aplicável.

  2. Esta questão de saber se, tendo havido uma sucessão de leis entre o inicio da formação dos CPA e o inicio da formação dos contratos a celebrar, se aplica o regime do 197/99 ou o do CCP reveste a maior relevância jurídica, pois exige a fixação de jurisprudência sobre a escolha entre dois regimes diferentes – o DL 197/99 e o CCP –, o último sucessor do primeiro.

  3. Esta questão também tem óbvia relevância social na medida em que tem uma incontroversa aplicabilidade a um universo alargado de outros casos onde a formação de CPA se iniciou antes da entrada em vigor do CCP.

  4. Retira-se tanto do CCP (maxime o artigo 251.°) como do DL 197/99 (artigo 86.° n.º 1 a) e b)) a separação clara entre (i) o acordo-quadro e (ii) os contratos celebrados ao seu abrigo, o que obriga a recorrer a um procedimento pré-contratual ex novo para a celebração dos contratos aquisitivos, autónomo do procedimento pré-contratual que levou a celebração do acordo-quadro (os CPA).

  5. Caso uma entidade adjudicante parte do acordo-quadro pretenda adquirir bens e/ou serviços ao seu abrigo deverá, autonomamente, emitir a correspondente decisão de contratar, dando inicio ao respectivo procedimento pré-contratual, conforme dispõe o artigo 36.° do CCP, sendo certo que as eventuais (e facultativas) decisões de contratar respeitantes a aquisições ao abrigo dos CPA em apreço não se encontram ainda tomadas, podendo até, por absurdo, nunca o vir a ser.

  6. Não tendo ocorrido, em momento anterior a entrada em vigor do CCP, o inicio dos procedimentos pré-contratuais respeitantes a aquisições ao abrigo de CPA – consubstanciado na emissão das respectivas decisões de contratar – aqueles procedimentos não se poderão ter por iniciados, e em caso algum se poderá reconduzir o inicio daqueles a decisão de contratar respeitante ao Concurso Público que terminou com a celebração dos CPA em causa.

  7. Com a entrada em vigor do CCP, este passou a ser o regime aplicável a formação de contratos decorrentes de um CPA, por força do disposto na norma transitória do artigo 16.° do DL 18/2008, violada pelo Acórdão ora recorrido.

  8. Se, após a entrada em vigor do CCP, as entidades adjudicantes continuassem a adquirir os bens e serviços ao abrigo dos CPA em apreço no âmbito de procedimentos pré-contratuais constantes do DL 197/99, estariam a incumprir o regime imperativo aplicável (constante do CCP), e estariam, elas próprias, a recair numa situação susceptível de gerar, entre outras, responsabilidades financeira e disciplinar.

  9. No caso sub judice o Caderno de Encargos previa a negociação das condições com vários fornecedores (cf. artigo 5.° n.º 2), pelo que o procedimento que se adequaria ao regime previsto nas pegas concursais seria o que resulta do artigo 259.° do CCP, regime legal aplicável.

  10. A revogação do DL 197/99 produziu efeitos a 30/07/2008, com a entrada em vigor do CCP, sendo que, nos termos do artigo 15.° do DL 18/2008, todas as remissões para as disposições legais e para os actos legislativos revogados consideram-se feitas para as correspondentes disposições no CCP, pelo que as remissões feitas pelas peças procedimentais em causa para o DL 197/99 terão de ser considerar, actualisticamente, como sendo feitas para aquele Código.

  11. Ao contrário do que concluiu o Acórdão recorrido, a circunstância de o Programa de Concurso reputar aplicável o artigo 86.° n.º 1 a) do DL 197/99 aos procedimentos aquisitivos ao abrigo do acordo-quadro em causa não legitimava a Administração a incumprir o disposto no artigo 16.° do DL 18/2008, segundo o qual se aplicava o CCP aos novos procedimentos.

  12. Nos termos do DL 197/99, a realização de um procedimento de ajuste directo com negociação pressupunha, em cumprimento dos princípios da contratação pública aplicáveis, que os concorrentes conhecessem antecipadamente os critérios de adjudicação a usar pela entidade adjudicante, e nem o Caderno de Encargos nem o Programa do Concurso indicavam critérios para os ajustes directos que viessem a ser realizados ao abrigo dos CPA, apenas indicando que deveria haver adjudicação às propostas mais vantajosas, não esclarecendo o que seria exactamente alvo de negociação.

  13. Uma vez que as peças concursais se referiam às condições mais vantajosas a negociar com os concorrentes, resulta inequívoco que não era imposto unicamente o critério do preço mais baixo - critério que não permite negociar outras condições que não o preço ao contrario do que o Acórdão concluiu.

  14. Ao contrário do que o Acórdão recorrido considerou, os esclarecimentos prestados pelo Júri do Concurso e a Portaria n.º 939/2009 limitaram-se a informar aquilo que já resultava da aplicação imperativa da lei – a aplicação do CCP aos procedimentos de formação dos contratos a celebrar ao abrigo dos CPA, por força do artigo 16.° do DL 18/2008 - no tendo alterado, em medida alguma, o teor das pegas concursais em causa ou a estabilidade procedimental em geral.

  15. A Portaria n.º 939/2009 não alterou o critério de adjudicação – já constante do procedimento tendo apenas densificado os factores no caso de o critério de adjudicação ser o da proposta economicamente mais vantajosa (artigo 259.° n.° 2 do CCP), não se verificando a violação de qualquer princípio regulador da actividade administrativa.

  16. Nestes termos, a decisão recorrida viola o disposto no artigo 16.° do Decreto-Lei n.º 18/2008, ao não aplicar as disposições transitórias que determinam a aplicação do Código dos Contratos Públicos aos novos procedimentos iniciados em momento posterior a entrada em vigor daquele Código e, em consequência, os artigos 259.° do Código dos Contratos Públicos.

Nestes termos, O presente recurso deve ser admitido e julgado procedente, com as consequências legais.

A recorrida A…, SA apresentou contra-alegação, com as seguintes conclusões:

  1. Não se conformando com o acórdão recorrendo, pretende a Recorrente aceder a um terceiro grau de jurisdição, tendo interposto do mesmo recurso de revista para o STA.

  2. Esquece-se, no entanto, que este recurso tem carácter excepcional, estando restrito à verificação de um de três pressupostos que não têm lugar no caso em apreço.

  3. Com efeito, o que está em causa no presente recurso é a confirmação de uma actuação ilegal da Administração, que esta veiculou, quer por via (i) da alteração, em sede de esclarecimentos, do teor das peças do procedimento que enformavam a celebração de contratos públicos de aprovisionamento (doravante "CPA") e os contratos ao seu abrigo, bem como por via da (ii) Portaria n.º 939/2009, de 7 de Outubro que, em sede de homologação dos CPA's, fixou um novo critério de adjudicação e novos factores de ponderação do mesmo, aplicáveis aos contratos a celebrar ao abrigo dos CPA' s.

  4. É desde logo evidente que, a situação supra não se reveste da relevância social ou jurídica que a Recorrente pretende fazer crer, e que justifique, pela sua natureza, o juízo de valor do venerando STA para uma melhor aplicação do Direito.

  5. É que, a questão que a Recorrente coloca ao douto Tribunal restringe-se ao interesse da ACSS que, alterou indevidamente e por duas vezes as peças do procedimento e não se conforma com a inadmissibilidade de tal alteração portanto, a resposta à questão colocada não enceta qualquer complexidade que justifique a intervenção excepcional do STA.

  6. Não assume (i) relevância jurídica porque, saber se em sede de esclarecimentos, a Entidade Adjudicante pode inovar ou dispor de modo diferente do originariamente constante das peças do procedimento é matéria há muito assente como ilegal e proibida pelos princípios que regem a actuação administrativa e a contratação pública.

  7. Do mesmo modo que, (ii) não se repercute num n.º indeterminado de casos futuros, já que a maioria das matérias objecto dos antigos contratos públicos de aprovisionamento caducou em virtude da entrada em vigor de acordos quadro, seja celebrados pela Agência Nacional das Compras Públicas, seja por outras entidades agregadoras das necessidades do Estado. Não há portanto qualquer interesse que extravase o âmbito dos presentes autos, pelo que a questão sub judice não goza de qualquer...

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